(Daniel Oliveira, in Expresso, 10/02/2018)
As mudanças na legislação laboral que ficaram por fazer nestes dois anos são uma pedra no sapato da ‘geringonça’. Uma pedra que está pousada na secretária de Vieira da Silva. A caducidade das convenções coletivas é a mais difícil, até porque, ao contrário do resto, o que está em vigor é anterior à troika.Tudo indica que ficará na mesma. O que quer dizer que, ao mesmo tempo que o Governo devolve direitos e rendimentos aos trabalhadores do público, continua a deixar os do privado desprotegidos, contribuindo para cavar um fosso entre estas duas realidades laborais. Pelo contrário, as negociações para o fim do banco de horas individual, para a penalização dos contratos a prazo e para a limitação do trabalho temporário estão bem encaminhadas. Só falta sair do limbo da concertação social ou resolver pequenos impasses técnicos. Já as negociações sobre os valores a pagar por trabalho extraordinário, as indemnizações por despedimento e os dias de férias estão num impasse. Estas medidas não estão nos acordos da ‘geringonça’, mas a reposição de rendimentos está. Quando o valor a pagar pelo trabalho extraordinário passou para metade, a indemnização por despedimento foi reduzida num terço e retiraram-se três dias de férias sem qualquer compensação financeira, cortou-se nos rendimentos do trabalho.
A única coisa que BE e PCP exigem é regressar ao pré-troika, quando Vieira da Silva também era ministro do Trabalho. Mas parece que Vieira da Silva não concorda com esse regresso ao seu próprio passado e até acha, apesar de tudo o que o PS disse durante o Governo de Passos Coelho, que estes cortes feitos pela troika foram positivos. De tal forma que se aliou ao PSD e ao CDS para impedir algumas destas mudanças.
É claro que o PS não tem de ceder a todas as exigências dos seus parceiros. Mas tem de ser coerente. Se acha que a nossa competitividade não se deve basear em salários baixos, tem o dever de regredir nestes cortes. Se acha que eles foram positivos para a economia, tem o dever de assumir que o que andou a dizer sobre o Governo anterior não era para ser levado a sério.
Uma escolha
À beira da estrada, na varanda, no meio da rua, centenas de iranianas retiram os seus lenços da cabeça e, numa corajosa solidão, penduram-nos em paus, exibindo descaradamente o seu gesto subversivo. Num filme que promove as #whitewednesdays (nome do movimento online que iniciou esta revolta) nas redes sociais surgem duas mulheres sírias que agarram um mesmo papel. Lê-se: “O hijab é uma escolha, não é uma obrigação.” Uma usa o lenço na cabeça, outra tem o cabelo solto e um vestido de alças. A revolta das iranianas não é contra o lenço, é contra o Estado que as obriga a usá-lo. A sua luta nada tem em comum com as campanhas laicas ou xenófobas para proibir o uso de hijab em alguns espaços públicos de vários países europeus. É o oposto disso. É contra os que, no Estado, tratam as mulheres e os seus corpos como meros objetos das suas convicções. É uma luta pelo direito à escolha. O que inclui a escolha de quem, por afirmação identitária, hábito ou até submissão a uma tutela masculina, decide usar hijab. É claro que as condições para o uso da liberdade não são iguais para todas as mulheres. Mas não é arrancando lenços de cabeças que julgamos não serem livres que mudamos seja o que for. É apoiando todas as mulheres que, seja onde for, exigem ser tratadas como adultas. Com ou sem hijab.