Somos todos lesados do BES

(Pedro Adão e Silva, in Expresso, 19/09/2015)

Pedro Adão e Silva

                     Pedro Adão e Silva

O BES terá custos para todos nós. A ilusão que nos foi vendida de que estávamos perante uma solução indolor não passava de um conto de crianças. Só acreditou e só acredita quem quer

O Novo Banco era uma bomba ao retardador. Sabíamos que ia rebentar, só não sabíamos quando. Rebentou em plena campanha eleitoral: quando se soube que o atraso na reprivatização teria impacto no défice de 2014 (que passará a 7,4%) e, depois, com o abortar do processo de venda.

O processo de falência do GES e do BES e a criação do Banco Mau e do Novo Banco (que, de acordo com os resultados do primeiro semestre, afinal é um banco assim-assim) é resultado de falhas múltiplas. Até ver, falhou a administração do universo Espírito Santo, a supervisão, o ringfencing, o processo atribulado de nomeação das administrações e, com estrondo, a própria venda. Ao longo de todo este processo podemos, com ajuda da imprensa, reconstituir a história, mas sobre tudo paira grande opacidade e incapacidade de responsabilizar os intervenientes em cada um dos momentos.

Aconteça o que acontecer, o BES terá custos para todos nós. A ilusão que nos foi vendida de que estávamos perante uma solução indolor não passava de um conto de crianças. Só acreditou e só acredita quem quer. Somos todos lesados do BES, a única diferença é que aqueles que não caíram na esparrela do papel comercial ainda não foram notificados.

São vários os logros em que assenta a solução “sem riscos” para os contribuintes.

A primeira é que as perdas do Fundo de Resolução, que serão significativas e agravadas pela litigância, ficarão circunscritas aos bancos. Sucede que 80% do capital do Fundo resulta de um empréstimo público (razão pela qual o valor em causa fica dentro do perímetro orçamental). Mais, como a venda não foi efetuada antes dos testes de stress que ocorrerão no fim de 2015, é provável que seja necessário recapitalizar o Novo Banco.

Em teoria, o sistema bancário poderia acomodar estes impactos negativos. Poderia mas não vai. Não só o clima de incerteza está já a afetar o conjunto do sistema (visível nas desvalorização bolsista dos bancos), como, se tivesse de o fazer, assistiríamos a um colapso financeiro, que todos acabaríamos por ter de suportar.

Depois a falsa dicotomia entre perdas do sistema bancário e custos para os contribuintes. As perdas assumidas pelos bancos com a venda do Novo Banco refletir-se-ão em diminuição da receita fiscal. Mais, é um artifício pensar que o contribuinte é uma pessoa e o cliente bancário outra. Não só todos os contribuintes são clientes bancários, como há muito clientes bancários que não são contribuintes por auferirem rendimentos que os isentam de pagamento de IRS. Como clientes bancários pagarão por certo alguma coisa em comissões.

Há um ano, por taticismo, o Governo quis lavar as mãos das responsabilidades no BES, agora está a pagar os custos políticos do oportunismo. Daqui a uns meses, o próximo governo será chamado a resolver o problema e, pior, todos nós teremos de pagar. Quando nos continua a ser garantido o contrário.

Novo Banco, velhas mentiras

(Pedro Adão e Silva, in Expresso, 05/09/2015)

Pedro Adão e Silva

                    Pedro Adão e Silva

Se ninguém tinha dúvidas quanto à complexidade do problema, porque se anunciou um mundo de facilidades para o Novo Banco?

Se recuarmos um ano, uma coisa é certa: não havia boa solução para o colossal problema que foi a falência do BES. Aliás, das três então disponíveis — liquidação, nacionalização ou resolução —, há motivos para pensar que a resolução era a menos má. Há também outra coisa que sabemos: a perceção da complexidade do problema estava bastante disseminada. Depois de 2008, ninguém continuou a alimentar ilusões pueris sobre o padrão comportamental presente na gestão do sistema financeiro e passámos a ter consciência da impotência da missão dos reguladores. Afinal, ao sistema financeiro é possível praticar ilícitos e estar sempre vários passos à frente da supervisão.

É certo que houve falhas na ação do Banco de Portugal, pelo menos no ano e meio anterior à resolução e continua a ser inexplicável o aumento de capital final e a sucessão de omissões e decisões opacas naqueles meses fatídicos em que o caso BES foi gerido ao sabor de conveniências políticas, devidamente articulado com a saída da troika. Apesar de tudo, o que é isso comparado com o que se passou no GES e no BES?

Se ninguém tinha dúvidas quanto à complexidade do problema ou às exigências que se colocavam à regulação, por que razão se anunciou um mundo de facilidades e de soluções indolores para o Novo Banco?

Nada como recordar. Enquanto Passos Coelho afirmava, “o que não vai voltar a repetir-se, é serem os contribuintes a serem chamados à responsabilidade”, Maria Luís Albuquerque garantia que “os contribuintes não terão de suportar os custos da decisão tomada”, para dias depois assegurar que “os contribuintes receberão de volta o seu montante”.

Resulta evidente que a questão não é tanto a opção pela resolução, mas a tentativa tosca de nos enganar a todos, quando era preferível tratar os portugueses com maturidade em lugar de alimentar ilusões pueris. Há aqui um padrão e um propósito.

O padrão é a mentira como recurso político sistemático. Tem sido sempre assim com Passos Coelho desde que se alçou a líder do PSD. É como se em todos os momentos não se hesitasse em defraudar a ténue confiança que os portugueses ainda depositam na classe política. Era possível tratar os portugueses com maturidade?

Sim, era; mas o propósito é sempre sacrificar tudo em nome dos interesses táticos circunstanciais, mesmo que com custos materiais e para a credibilidade das instituições no futuro.

Foi sempre claro que o banco bom não era assim tão bom, que as exigências de capitalização seriam significativas e que o desfecho da litigância é imprevisível. Por melhor que corram as negociações, os 4,9 mil milhões investidos não serão recuperados integralmente. De uma forma ou de outra, haverá um grande impacto nas contas públicas e no sistema financeiro. De uma forma ou de outra, os contribuintes serão chamados a pagar. Se assim é, por que razão nos enganaram, uma vez mais?

Um programa paradoxal

(Pedro Adão e Silva, in Expresso, 01/08/2015)

Pedro Adão e Silva

                    Pedro Adão e Silva

Depois de uma legislatura a dar cabo dos alicerces do Estado social, a coligação propõe-se na próxima legislatura resgatar o Estado social que procurou desmantelar.


O programa da coligação PàF encerra em simultâneo três paradoxos. Um que remete para o tipo de programa; outro para o timing da apresentação; e finalmente outro para a marca programática que foi enfatizada.

O tipo Encontro-me entre aqueles que ingenuamente se convenceram de que depois de uma legislatura marcada pelo memorando e após o PS ter apresentado um cenário macroeconómico que estimava o impacto das suas opções políticas, não mais seria possível aos partidos que ambicionam governar apresentarem-se a eleições com programas assentes em declarações vagas e compromissos intangíveis. Se refiro o memorando é porque, independentemente do acerto das suas opções ou da exequibilidade das metas definidas, este assentava numa quantificação de objetivos que era inovadora no processo político em Portugal. Com opções programáticas distintas, foi isso que o PS fez com o cenário macroeconómico: definir um conjunto de objetivos e quantificar os seus impactos esperados. Trata-se de uma opção que favorece o escrutínio público (o que aliás o PSD promoveu ao enviar um sem número de questões ao PS) e que deveria influenciar os restantes programas eleitorais. A coligação PàF preferiu apresentar um programa à antiga como se nada tivesse mudado.

O timing Um programa apresentado a 29 de julho só pode estar pensado para não gerar debate e dá garantias de que as medidas nele inscritas não serão avaliadas. Faz sentido. Há muito que se percebeu que, por vontade da coligação, a campanha se centraria numa narrativa sobre o passado (“recebemos o país na bancarrota por culpa dos socialistas”, “restaurámos a confiança” e “agora o país está melhor”) e não numa visão para a próxima legislatura — até porque essa já está inscrita no Programa de Estabilidade. Ora as legislativas são sempre uma avaliação do passado combinada com uma leitura das propostas para o futuro.

Um programa apresentado a 29 de julho só pode estar pensado para não gerar debate e garantir que as medidas não serão avaliadas

A marca Na apresentação do programa, a coligação quis puxar pela dimensão social. É uma opção que tem sentido tático: se já está fixado o núcleo duro eleitoral do PSD/CDS, é agora necessário crescer ao centro, mobilizando os que se reveem no papel do Estado social. Percebe-se como um programa apresentado tardiamente favorece esta opção — ninguém vai ter tempo de escrutinar as políticas sociais que constam de facto do programa (se o exercício for feito, percebe-se que o que impera é a opção privatizadora e a transferência de recursos públicos para um Estado social paralelo), além de estarmos face a uma tentativa atabalhoada de ocultar os compromissos assumidos no Programa de Estabilidade. Mas sobra, a este propósito, uma contradição insanável: depois de uma legislatura a dar cabo dos alicerces do Estado social, a coligação propõe-se na próxima legislatura resgatar o Estado social que procurou desmantelar. É garantidamente confuso, será credível?