A Pele de Onagro da desinformação no ataque do Hamas a Israel em 7 de Outubro de 2023

(José Catarino Soares, 18/11/2023)

7 de Outubro de 2023. Um tanque israelita Merkava capturado por activistas palestinianos em Gaza.
 

No artigo “O que é o Hamas? (Parte 2)”, publicado na Estátua de Sal, em 7/11/2023, (ver aqui), argumentei que o ataque do Hamas a Israel no dia 7 de Outubro de 2023 teve duas componentes: uma componente militar (a maior) e uma componente terrorista (a menor).

Referi-me aos 317 militares e 58 polícias israelitas que teriam morrido em consequência da componente militar do ataque (segundo as informações colhidas pelo jornalista Seymour Hersh). E depois de subtrair este número aos 1.400 israelitas que o governo israelita anunciou terem morrido durante esse ataque, para obter o número de civis mortos, escrevi: «Não temos informação fidedigna e suficiente (a que temos é incompleta e quase exclusivamente de origem israelita) sobre o modo como estas [1.025] pessoas morreram que nos permita avaliar a veracidade e a extensão de todas as atrocidades que, alegadamente, terão sido cometidas pelos combatentes do Hamas no âmbito da componente terrorista do seu ataque a Israel: o ataque a zonas civis». Acrescentei noutro parágrafo: «Há ainda muita coisa por esclarecer relativamente às vítimas mortais civis do ataque».

Entretanto, ficámos a saber muito mais coisas sobre este assunto que lançam uma luz nova sobre o peso relativo das duas componentes (militar e terrorista) do ataque do Hamas. O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita, Lior Haiat, declarou, em 10 de Novembro, segundo as agências Reuters e AFP, que «cerca de 1.200 é o número oficial de vítimas do morticínio de 7 de Outubro». Isto, porque o serviço de antropologia forense de Israel chegou à conclusão de que 200 cadáveres ⎼ entre aqueles que se apresentavam muito desfigurados por queimaduras ⎼ eram, afinal, de combatentes do Hamas. «Este é o número actualizado», disse Haiat à AFP. «Deve-se ao facto de ter havido muitos cadáveres que não foram identificados e agora pensamos que pertencem a terroristas… e não a vítimas israelitas». Assim sendo, e a fazer fé na veracidade dos números fornecidos por Israel, o número de vítimas civis baixa para 825.

No dia 13 de Novembro, o analista militar americano Scott Ritter, trouxe a público novos dados que modificam radicalmente o relato que o sistema mediático dominante de comunicação social do “Ocidente alargado” nos deu do ataque de 7 de Outubro de 2023.

«Israel caracterizou o ataque levado a cabo pelo Hamas contra as várias bases militares israelitas e colonatos militarizados, ou Kibutzim, que, na sua totalidade, constituíam uma parte importante do sistema de barreira [carcerária] de Gaza, como sendo terrorismo, comparando-o aos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 contra os Estados Unidos da América. Israel apoia esta caracterização citando o número de pessoas mortas (cerca de 1.200, uma revisão em baixa efectuada por Israel depois de se ter apercebido que 200 dos mortos eram combatentes palestinianos) e descrevendo em pormenor uma variedade de atrocidades que afirma terem sido perpetradas pelo Hamas, incluindo violações em massa, a decapitação de crianças e o assassínio em massa de civis israelitas desarmados.

O problema com as afirmações israelitas é que são comprovadamente falsas ou enganosas. Quase um terço das baixas israelitas consistiu em militares, elementos dos serviços de segurança e agentes da polícia. Além disso, verifica-se que o maior assassino de israelitas em 7 de Outubro não foi o Hamas nem outras facções palestinianas, mas os próprios militares israelitas.

Um vídeo recentemente divulgado mostra helicópteros israelitas Apache a disparar indiscriminadamente contra civis israelitas que tentavam fugir do “Encontro Supernova de Sukkot” [um festival de música] que se realizava no deserto perto do Kibutz Re’im, com os pilotos incapazes de distinguir entre os civis e os combatentes do Hamas. Muitos dos automóveis que o governo israelita mostrou como exemplo da perfídia do Hamas foram destruídos pelos helicópteros Apache israelitas.

Da mesma forma, o governo israelita divulgou amplamente aquilo a que chama o “massacre de Re’im”, citando um número de mortos de cerca de 112 civis que diz terem sido civis assassinados pelo Hamas. No entanto, os relatos de testemunhas oculares, tanto de civis como de militares sobreviventes envolvidos nos combates, mostram que a grande maioria dos mortos morreu devido aos disparos dos soldados e tanques israelitas dirigidos contra edifícios onde os civis estavam escondidos ou eram reféns dos combatentes do Hamas. Foram necessários dois dias para os militares israelitas recapturarem Re’im. Só o conseguiram depois de os tanques terem disparado contra as residências dos civis, fazendo-as ruir sobre os seus ocupantes, e muitas vezes incendiando-as, fazendo com que os corpos dos que estavam lá dentro fossem consumidos pelo fogo. O governo israelita divulgou a forma como teve de recorrer aos serviços de antropologia forense para identificar restos humanos no Kibutz, dando a entender que o Hamas incendiou as casas dos ocupantes. Mas o facto é que foram os tanques israelitas que destruíram e mataram.

Esta cena repetiu-se noutros Kibutzim ao longo do sistema de barreira [carcerária] de Gaza. O governo israelita trata os Kibutzim como sendo um tipo de organização puramente civil. No entanto, divulgou a forma como as equipas armadas de segurança formadas pelos chamados residentes “civis” de vários Kibutzim foram capazes de se mobilizar a tempo para repelir com êxito os atacantes do Hamas. A realidade é que cada Kibutz teve de ser considerado pelo Hamas como um bivaque armado e, como tal, foi atacado como se fosse um objetivo militar, pelo simples facto de que o era ― todos eles o eram.

Além disso, até Israel ter deslocado vários batalhões das FDI [Forças de Defesa de Israel, conhecidas comumente no país pelo acrónimo hebraico Tzahal] para a Cisjordânia, cada kibutz tinha sido reforçado por um grupo de combate de cerca de 20 soldados das FDI que estavam alojados em cada kibutz. Dado que o Hamas planeou este ataque durante mais de um ano, o Hamas tinha de pressupor que estes grupos de 20 soldados das FDI ainda se encontravam em cada kibutz, e tinha de actuar em conformidade» (Scott Ritter. “The October 7 Hamas Assault on Israel: The Most Successful Military Raid of this Century”. <scottritter @substack.com> November 13, 2023) [minha tradução].

Em suma:  a componente terrorista do ataque do Hamas a Israel em 7 de Outubro parece ter encolhido como a pele de onagro do romance homónimo de Honoré de Balzac, e poderá encolher ainda mais à medida que soubermos mais pormenores sobre o que realmente se passou nesse dia.

Não é de excluir a possibilidade de ficarmos a saber que se reduz, afinal, ao rapto e sequestro de 248 reféns. Em contrapartida, e pela mesma razão, ficámos a saber que a componente militar do ataque foi bem maior do que foi noticiado (e que poderá ter sido ainda maior) por lhe ter sido restituída a sua real dimensão.

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O que é o HAMAS? (Parte III)

(José Catarino Soares, 08/11/2023)

30 de Outubro de 2023. Gilad Erdan, embaixador de Israel na ONU, com uma estrela amarela ao peito, numa reunião do Conselho de Segurança da ONU.

9. Gaza e o gueto de Varsóvia

O embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, pôs ao peito a estrela amarela que a Alemanha nazi obrigou os judeus a usarem, como prelúdio para a “Solução Final” que ficou conhecida como Holocausto. Fê-lo, esclareceu, por duas razões:

― para protestar contra a resolução da Assembleia da ONU que exige uma «trégua humanitária imediata, duradoura e sustentada que conduza à cessação das hostilidades» em Gaza (assim como a protecção de civis e bens civis, e do pessoal humanitário; e o fornecimento imediato, contínuo, e sem entraves de bens e serviços essenciais aos civis em toda a Faixa de Gaza, incluindo, água, alimentos, suprimentos médicos, combustível e electricidade), que considerou representar «um dia escuro para a humanidade»;

―  para mostrar que o ataque do Hamas a Israel, em 7 de Outubro de 2023, foi uma acção semelhante à “Solução final da questão judaica” de Hitler, que o Conselho de Segurança da ONU não condenou como tal. 

«Alguns de vós não aprenderam nada nos últimos 80 anos. Alguns de vós esqueceram a razão pela qual esta organização [a ONU] foi criada. De hoje em diante, cada vez que vocês olharem para mim, vão lembrar-se do que significa permanecer em silêncio perante o mal», disse o embaixador israelita.

Mas o gesto de pôr a estrela ao peito não poderia ser mais grotesco e a analogia com a “Solução Final” de Hitler não poderia ser mais falsa e enganadora. Quem não aprendeu nada da história dos últimos 80 anos é este embaixador.

Não sabe, ou finge não saber, que quem poderia pôr a estrela amarela ao peito com toda a legitimidade era a população palestiniana de Gaza que o governo israelita de Netanyahu quer dizimar à bomba, à fome, à sede e à míngua de auxílio médico, para, em seguida, expulsar definitivamente, de Gaza para o Egipto (península do Sinai), o que dela restar [5]. Isso sim, é um émulo da “Solução Final” de Hitler e a sua camarilha genocida.

 E há, de facto, um episódio da história dos judeus que o embaixador Erdan poderia evocar para descrever a componente militar (a componente principal) do ataque das brigadas Izz al-Din al-Qassam a Israel, em 7 de Outubro 2023. Seria a insurreição armada dos judeus do gueto de Varsóvia contra as tropas da Alemanha nazi, em 19 de Abril de 1943 [6].  

Segunda quinzena de Maio de 1945. Pessoas emergem dos escombros do gueto de Varsóvia depois de os nazis o terem incendiado e reduzido a cinzas.

Se fosse vivo, Marek Edelman (1919-2009) ⎼ o comandante judeu que, com apenas 24 anos, substituiu Mordecai Anielewicz quando este morreu (com 23 anos), e o único dirigente dessa insurreição armada que sobreviveu à sua honrosa derrota ⎼ poderia lembrar ao senhor Gilad Erdan que a situação infernal que Israel impôs à população palestiniana de Gaza [7] é em tudo semelhante à situação infernal que as tropas da Alemanha nazi impuseram aos judeus do gueto de Varsóvia. Mas como Marek Edelman já não está entre nós, cabe-nos recordar as suas palavras:” Lutámos pela dignidade e pela liberdade. Não por um território, nem por uma identidade nacional» [8].

Marek Edelman (1919-2009), o único dos cinco comandantes da insurreição do gueto de Varsóvia que sobreviveu.

Mas a coisa mais importante que Marek Edelman disse, no que diz respeito ao modo como podemos avaliar a situação que hoje se vive em Gaza foi esta: «Ser judeu significa estar sempre com os oprimidos, nunca com os opressores».

Por conseguinte, Marek Edelman estaria hoje, com certeza, ao lado dos palestinianos de Gaza, contra o Estado de Israel. Seria o primeiro a reconhecer no embaixador de Israel na ONU, Gilad Erdan, no ministro da guerra de Israel, Yoav Galant, e no primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, indivíduos da mesma estirpe que o general das SS Juergen Stroop que mandou os seus esbirros incendiarem o gueto de Varsóvia e matarem ou deportarem para campos de extermínio os seus habitantes, como, de facto, foi feito. 7-13 mil judeus polacos desse gueto foram assassinados e 56-58 mil foram deportados para campos de extermínio.


Notas e Referências

[5] Quando o bombardeamento maciço de Gaza por Israel entrou na sua terceira semana, fazendo mais de 5.000 mortos e pelo menos um milhão de residentes deslocados, um centro de estudos [Ingl. “think tank”] com sede em Tel Aviv, denominado “Instituto de Segurança Nacional e Estratégia Sionista”, delineou «um plano para a recolocação e reabilitação final no Egipto de toda a população de Gaza», baseado na «única e rara oportunidade de evacuar toda a Faixa de Gaza» proporcionada pelo último ataque de Israel ao enclave costeiro sitiado. Publicado em hebraico no sítio eletrónico da organização, o artigo é de autoria de Amir Weitman, «um gestor de investimentos e investigador visitante» do Instituto que também dirige a bancada libertária do Partido Likud, actualmente no poder em Israel. O documento começava por referir que existem 10 milhões de unidades habitacionais vagas no vizinho Egipto que poderiam ser «imediatamente preenchidas» por palestinianos. Weitman garante aos leitores que o «plano [é] sustentável e se alinha bem com os interesses económicos e geopolíticos do Estado de Israel, do Egipto, dos EUA e da Arábia Saudita» (Kit Klarenberg, “Zionist think tank publishes blueprint for Palestinian genocide.” The Grayzone, October 24, 2023).

[6] «No Verão de 1942, cerca de 300.000 judeus foram deportados de Varsóvia para Treblinka. Quando as informações sobre os assassinatos em massa nos centros de extermínio chegaram ao gueto de Varsóvia, um grupo de judeus, na sua maioria jovens, formou uma organização chamada Z.O.B. (Organização Judaica Combatente; em polaco, Zydowska Organizacja Bojowa). A Zob, comandada por Mordecai Anielewicz, de apenas 23 anos, divulgou um manifesto no qual pedia aos judeus que resistissem contra a embarque nos vagões dos comboios [OBS: os judeus não sabiam para onde estavam sendo levados]. Em Janeiro de 1943, combatentes da Zob no gueto de Varsóvia dispararam contra soldados alemães quando estes tentavam arrebanhar outro grupo de moradores do gueto para deportá-los. Os resistentes usaram as poucas armas fabricadas por eles próprios e as armas que tinham conseguido obter por meio de contrabando, e após alguns dias de luta os soldados alemães recuaram. Aquela pequena vitória deu alento aos combatentes do gueto para se prepararem para novos conflitos.

Em 19 de Abril de 1943, quando as tropas alemãs e a polícia alemã entraram no gueto para levar mais judeus para os campos de extermínio, “A insurreição do Gueto de Varsóvia” teve início. Setecentos e cinquenta combatentes judeus, pobremente armados e enfraquecidos por doenças e pela fome, lutaram contra um número muito maior de soldados alemães bem alimentados, fortemente armados e bem treinados. Os combatentes do gueto conseguiram defender-se durante quase um mês mas, em 16 de Maio de 1943, a revolta acabou. Lentamente, os alemães subjugaram a resistência. Dos mais de 56.000 judeus capturados, cerca de 7.000 foram assassinados a tiro e os restantes foram deportados para os campos de concentração onde foram mortos» (“O Levante do Gueto de Varsóvia”. Enciclopédia do Holocausto) [Editei o artigo original para o adaptar ao Português europeu padrão].

[7] Essa situação já era infernal muito antes do dia 7 de Outubro de 2023. Ver José Catarino Soares, “O que é Gaza?”. Tertúlia Orwelliana, 4 de Novembro de 2023 (https://tertuliaorwelliana.blogspot.com/)

[8] Depois da Segunda Guerra mundial, Marek Edelman condenou o sionismo como uma ideologia étnica supremacista, utilizada para justificar o roubo de terras palestinianas. Tomou o partido dos palestinianos, apoiou a sua resistência armada contra Israel e reuniu-se frequentemente com militantes da causa palestiniana. Insurgiu-se contra a apropriação do Holocausto por Israel para justificar a sua repressão do povo palestiniano. Vale a pena acrescentar que Israel fez (e faz) questão de exaltar o heroísmo dos combatentes judeus que fizeram a insurreição armada do gueto de Varsóvia. Ao mesmo tempo, Israel sempre tratou o único comandante sobrevivente dessa insurreição, Edelman, como um pária, por este ser anti-sionista e se ter sempre recusado a abandonar o seu país natal, a Polónia, e a emigrar para Israel. Edelman compreendeu que a lição a tirar do Holocausto e da insurreição armada do gueto de Varsóvia não era a de que os judeus são moralmente superiores ou vítimas eternas. A história, disse Edelman, pertence a todos. Os oprimidos, incluindo os palestinianos, têm o direito de lutar pela liberdade, dignidade e igualdade, recorrendo, se necessário for, à luta armada contra os seus opressores.


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O passado não é cor-de-rosa, mas não é conveniente afirmar que o presente também não

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 07/11/2023)

Há quem julgue que a desfaçatez é um desinfetante histórico. O jornal Público de 7 de Novembro de 2023 notícia que o presidente da Alemanha, Frank-Walter de sua graça, pediu perdão pelos atos cometidos pela Alemanha no início do século vinte na costa oriental de África, onde terão sido mortos entre 200 e 300 mil tanzanianos (de passagem podia ir à Namíbia e pedir perdão pelo genocídio de 80% dos Hereros, os habitantes originais). Quanto ao rei da Inglaterra, Carlos, de sua graça, condenou os atos de violência “abomináveis” do colonialismo — só à conta do herói inglês Cecil Rhodes terão sido mortos 60 milhões de africanos para grandeza e enriquecimento das suas companhias, a The Beers e a British South Africa Company .

Entretanto, antes das lágrimas e do perdoem-me, desculpem lá, mas tinha de ser, o colonialismo europeu cumpriu o seu papel histórico de explorar as riquezas e os povos, de ocupar territórios. Agora está em curso um simulacro de reparação com a devolução de objetos de arte africana (o que inclui um padrão português que se encontra na Alemanha). «Meus amigos, para vos compensar vamos devolver a bonecada de pau e de marfim que temos nos esconsos dos nossos museus! O que importa agora é fazer bons negócios, e evitar que vocês nos troquem pelos chineses e pelos russos!» Esta é a mensagem sublimar que os dois dignitários levam nos lenços de assoar as lágrimas.

As desculpas e as lágrimas de presidente da Alemanha e do rei de Inglaterra são tão sérias como as de um antigo distribuidor de pastilhas para a diarreia que aparece dias depois com o melhor sorriso a vender rolos de papel higiénico!

A esta atitude chama-se desfaçatez com os seus múltiplos sinónimos: descaramento, atrevimento, insolência, desrespeito, insulto, desaforo, cinismo, desavergonhamento. A este ato de contrição chama-se ainda atirar areia aos olhos do rebanho, mesmo que à custa do Walter-Frank e do Carlos de Inglaterra assumirem a sua desonestidade estrutural. É assim que cumprem o seu dever de patriotas, vendendo o caráter, a que porventura nunca atribuíram valor.

Eles sabem que o passado de há cem anos é o presente da Palestina, por exemplo. O Walter-Frank e o Carlos de Inglaterra sabem que daqui a cem anos os seus sucessores estarão, com o mesmo descaramento, a pedir perdão pelos atos abomináveis do Ocidente Alargado, ou o que lhe tiver sucedido, no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, na Síria, na Sérvia, no Chile, na Argentina, no Brasil, na Indonésia, em Jerusalém, em Gaza… Os sucessores destas tristes figuras, a que se podem adicionar os de Ursula Von der Leyen, da marioneta que é secretário da NATO, pedirão desculpa por terem andado a vender guerras como os vendedores de praia vendem óculos Ray Ban, camisas Lacoste, relógios Rolex genuínos e saídos das melhores fábricas de candongueiros e que só passado um século descobriram que tudo era falso!

Estamos, pois, e em primeiro lugar, perante pantomineiros, mas não de idiotas que não sabem o que andam a fazer. Sabem. O perdoem-me queridos africanos tem tanto de sincero quanto as condolências de um cangalheiro durante uma epidemia. Os pedidos de desculpa do cavalheiro alemão e do cavalheiro inglês — duas personagens de representação — pretendem transmitir aos africanos uma mensagem muito explícita: queremos continuar a fazer negócios convosco, esqueçam o passado. Não nos troquem pelos russos e pelos chineses porque se arrependerão.

As desculpas destas duas tristes figuras são apenas toalhetes desinfetantes para os homens de negócios e os militares do Ocidente Alargado continuarem no mercado de África, a tomarem os africanos como gente inferior que não percebe o que se esconde no perdão dos brancos! Atrás destas figuras de representação surgirão em África os assassinos, os agentes promotores de golpes de Estado, de guerras civis pelo petróleo ou pelos diamantes de sangue… o Walter Frank e o Carlos de Inglaterra sabem quem os seguirá depois de verterem as suas lágrimas.

Há quem respeite gente que se presta a estes papéis, que respeite gente como o Walter-Frank e como o Carlos de Inglaterra.


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