Uma mensagem contundente para Israel

(Samuel Moncada, in ONU, 28/11/2023)

Samuel Moncada, embaixador da Venezuela na ONU, dirigiu-se à Assembleia Geral na terça-feira.

Senhor Presidente, a República Bolivariana da Venezuela condena veementemente a agressão israelita contra a população civil nos territórios palestinianos ocupados. Esta é uma operação de expulsão em massa de um povo inteiro para anexar o seu território pela potência ocupante. É um novo ciclo de terror expansionista, de tantas coisas sofridas pelo povo palestiniano ao longo de 75 anos de ocupação.

Nas últimas oito semanas assistimos a uma escalada dos crimes perpetrados pelo regime israelita contra o povo palestiniano. Quase 15.000 civis inocentes foram assassinados pelas forças de ocupação na Faixa de Gaza, principalmente mulheres e crianças, numa operação de limpeza étnica que nem sequer poupou o pessoal das Nações Unidas, que também foi massacrado.

É repugnante ver como, apesar da crueldade dos factos que estão à vista do mundo, o governo dos Estados Unidos da América e os seus satélites pretendem justificar o injustificável:

Que a potência ocupante está a levar a cabo um genocídio contra o povo palestiniano, tal como definido na Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio e no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Perguntamo-nos onde estão aqueles que noutros casos se apressam em aplicar a responsabilidade de proteger, mas agora ignoram os direitos humanos dos palestinianos submetidos à ocupação israelita?

Onde estão os activistas do código de conduta do Conselho de Segurança contra o genocídio ou aqueles que defendem uma redução do direito de veto no Conselho de Segurança quando são cometidas atrocidades em massa? O seu silêncio torna-os cúmplices destes crimes.

Apelamos à condenação nos termos mais firmes das políticas criminosas de Israel contra a população civil. As Nações Unidas devem agir com determinação, incluindo o Secretariado, que tem um papel crucial a desempenhar na preservação do direito à vida de milhões de pessoas inocentes. Não podemos permitir agora que as nossas acções e as nossas omissões nos tornem conjuntamente responsáveis ​​pela aniquilação de um povo inteiro.

Senhor Presidente, Israel não tem intenção de pôr fim à ocupação. Pelo contrário, visa tomar o controlo de todo o território palestiniano ocupado, ao mesmo tempo que altera a situação demográfica, reprimindo os palestinianos e privilegiando os colonos israelitas. Este é o caso da imposição de um sistema de apartheid a esta realidade.

Devemos acrescentar a destruição de dezenas de milhares de habitações, a deslocação forçada de centenas de milhares de palestinianos, bem como os ataques deliberados contra infra-estruturas vitais. Senhor Presidente, hoje temos de fazer progressos com urgência em pelo menos três áreas críticas.

Em primeiro lugar, temos de pôr fim ao ciclo de impunidade. Israel deve ser responsabilizado perante a Justiça Internacional pelos crimes contra a humanidade e pelos crimes de guerra que tem cometido ao longo dos anos, bem como pelo genocídio em curso hoje. A impunidade internacional que lhe é proporcionada por um governo de um dos seus principais parceiros que é membro permanente do Conselho de Segurança, incentiva os crimes cometidos diariamente por Israel.

Em segundo lugar, enquanto a potência ocupante continua com as suas políticas de atirar para matar, bombardear escolas, hospitais, habitações, centros de refugiados ou instalações de armazenamento de alimentos, bem como a violência sistémica por parte dos colonos israelitas contra a população civil inocente. Devemos aplicar medidas provisórias ao abrigo do direito humanitário internacional que garantam a protecção internacional do povo palestiniano.

E em terceiro lugar, é necessário pôr fim à política de colonatos ilegais, aos despejos e demolições de casas, à expropriação de terras palestinianas, às detenções arbitrárias de civis palestinianos inocentes e à perseguição de organizações palestinianas da sociedade civil. Devemos repudiar aqueles que apelam à utilização de armas de destruição maciça contra o povo palestiniano e que encorajam grupos fanáticos a cometer crimes de ódio ou a atacar locais religiosos.

Senhor Presidente, por outro lado, insistimos na nossa rejeição do incumprimento das disposições da resolução 497 do Conselho de Segurança, que há mais de 40 anos exige a retirada de Israel do Golã Sírio e também rejeitamos quaisquer ações tomadas pela potência ocupante para alterar a situação demográfica ou jurídica do Golã sírio ocupado. Rejeitamos quaisquer medidas que utilizem a força para exercer jurisdição e administração neste território.

Chegou a hora de esta Assembleia Geral exigir ações concretas e é por isso que pedimos uma votação a favor de todos os projetos de resolução hoje apresentados nos itens 39 e 40 do programa de trabalho.

Finalmente, reafirmamos a nossa solidariedade para com o povo palestiniano, bem como o nosso apoio à autodeterminação e a um Estado palestiniano que seja independente e soberano nas fronteiras anteriores a 1967, com Jerusalém Oriental como sua capital e como membro de pleno direito das Nações Unidas.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Fonte aqui


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Heróis de guerra

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 27/10/2023)

O imperador Frederico II, do Sacro Império Romano-Germânico, que passou quase todo o seu reinado em guerra (chegou a participar pessoalmente numa Cruzada), disse um dia, num momento de lúcida reflexão: “Se os meus soldados pensassem, não restaria nenhum nas fileiras.” Esta semana, inscrevendo-se no cortejo a Jerusalém dos mesmos dirigentes ocidentais que aqui há tempos desfilavam em Kiev — e pela ordem protocolar estabelecida: primeiro os Estados Unidos, depois a Inglaterra e a seguir os vassalos da União Europeia — Macron lá foi também oferecer a sua solidariedade, na defesa dos “valores comuns” que nós, ocidentais, teremos com a Israel de Benjamin Netanyahu e os seus ministros ortodoxos, executores mandatados da vontade do profeta Abraão. Mas fez mais o Presidente francês: sem uma palavra sobre o futuro dos palestinianos, propôs uma coligação militar do Ocidente — e das democracias, presumo — contra os terroristas muçulmanos do Hamas: uma nova Cruzada, enfim.

Desde que o mundo é mundo, desde que é invocável o valor da civilização contra a barbárie ou as guerras santas dos fiéis contra os hereges, ou qualquer outro invocado justo pretexto, que é insaciável a vontade de sangue e morte dos grandes do mundo. A única diferença relevante é que dantes combatia-se nas guerras a pé e a cavalo, com espadas e lanças, e agora combate-se com uma tão sofisticada e tão cara panóplia de armas que, à falta de outros motivos mais nobres, a guerra é sempre uma imperdível oportunidade de negócios para a mais rentável indústria mundial, a do armamento — como o explicou o ex-Presidente Eisenhower e como o vimos, por exemplo, na metódica destruição aérea de Belgrado.

ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO

Qualquer guerra é necessariamente precedida de uma preparação, que começa junto da opinião pública antes mesmo de as forças combatentes estarem prontas para avançar. Há excepções, claro, em casos flagrantes, mas essa é a regra: a propaganda a favor da guerra deve antecedê-la e jamais esmorecer, custe o que custar em sacrifício de soldados ou de civis. Vemo-lo há 20 meses na Ucrânia, onde, por maiores que sejam os danos causados, ali e no mundo em geral, e por maior que seja o impasse militar no terreno, qualquer tímida tentativa para falar de paz — e a própria palavra paz — é vista imediatamente, e por ambos os lados, como uma capitulação, uma traição inadmissível. Não por acaso, vemos sempre Zelensky ou Putin a falar aos generais e às vezes aos soldados, a condecorá-los, a incentivá-los, mas nunca os vemos entre os civis vítimas da guerra, ao contrário do que fazia Churchill depois de cada bombardeamento da aviação alemã sobre as cidades inglesas. Em Israel, as sondagens e os testemunhos dos jornalistas relatam-nos a existência de uma clara maioria, mesmo entre as famílias dos reféns em poder do Hamas, favoráveis à ofensiva terrestre sobre Gaza, ainda que ela tenha como desfecho quase inevitável a morte de todos eles. Seria curioso fazer saber aos reféns o resultado destas sondagens e fazer-lhes a mesma pergunta: “Concorda que, em vez de negociar a vossa libertação, Israel invada Gaza, com o resultado presumível de morrerem você e todos os outros reféns?”

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Mas o pacifismo, muito embora por vezes tenha triunfado contra todas as esperanças (Gandhi, Mandela), não é, só por si, uma solução universal nem uma doutrina sempre aceitável. Há uma diferença entre ser a favor da paz como solução preferencial ou ser pacifista por definição. Na série da Netflix que estou a ver — “The Pacific”, de Steven Spielberg e Tom Hanks —, um capitão marine, vendo um soldado destroçado, física e emocionalmente, pela violência dos combates contra os japoneses, diz-lhe: “A única razão que nos pode fazer continuar é sabermos que esta é uma guerra justa.” Porque há guerras justas e que têm de ser travadas, como a do Pacífico depois do ataque japonês a Pearl Harbour, ou a primeira guerra do Iraque, depois da invasão do Koweit por Saddam Hussein. E há guerras absolutamente injustas e por razões manipuladas, como a segunda guerra do Iraque, levada a cabo para satisfazer a vaidade de George W. Bush e o desejo de mostrar a importância de alguns serviçais, como o Portugal de Durão Barroso. E depois há situações em que é difícil ver claro e o pacifismo vem a ser julgado como uma opção nefasta — mas regra geral, só depois da guerra travada e ganha. Talvez o caso mais notável — e, por isso, tantas vezes citado a propósito ou a despropósito — seja o acordo de Munique, assinado entre o PM inglês Neville Chamberlain e Adolf Hitler. Recebido triunfalmente em Inglaterra por uma opinião pública ainda traumatizada por uma guerra terminada apenas 20 anos antes e de uma ferocidade inaudita, Chamberlain seria impiedosamente julgado por Churchill: “Entre a guerra e a desonra, você escolheu a desonra. Mas terá a guerra.” Churchill não dispunha de muito mais informação do que Chamberlain sobre o grau de rearmamento da Alemanha ou a natureza profunda do nazismo. Mas tinha mais instinto político e nenhum medo da guerra, ao contrário de Chamberlain, que, antevendo o seu horror, queria evitá-la até ao limite. Na verdade, olhando friamente para os factos, ambos tinham razão: nada deteve Hitler e, menos de um ano depois de Munique, a guerra, inevitável e justa, começava; e o que se seguiu foi uma tragédia mundial.

Transplantando para os dias de hoje, com as devidas e muitas diferenças, poderíamos ver em António Guterres o Chamberlain de agora e em todos os que desfilam em Jerusalém, mais Netanyahu, mais Zelensky (este, aliás, já consagrado como tal) os Churchills do nosso tempo. Mas a percepção é falsa e parte de premissas falsificadas. Analisando aquilo que António Guterres disse no seu discurso perante o Conselho de Segurança da ONU acerca do conflito em Israel, podemos questionarmo-nos se, tal como já o havia feito no início do conflito na Ucrânia, a sua emotiva declaração não terá comprometido uma posição de intermediário, dele e da ONU, no conflito. Na Ucrânia, ainda conseguiu, depois de uma reacção negativa da Rússia, negociar com ela a saída de civis da Azovstal e o primeiro acordo de exportação de cereais ucranianos através do Mar Negro. Agora, a avaliar pela reacção de Israel, tal estará definitivamente fora de questão. O que, se diplomaticamente poderá ter sido uma precipitação, não significa que não tenha razão no que disse. Essencialmente, Guterres disse três coisas: que o ataque de 7 de Outubro do Hamas foi uma barbaridade que nada pode justificar; mas que esse ataque também não pode justificar a “punição colectiva” de todo um povo, como a que Israel está a levar a cabo em Gaza; e que o 7 de Outubro não apareceu do “vácuo”, mas de uma “ocupação sufocante” de 56 anos, em que os palestinianos foram expulsos das suas terras, viram as suas casas destruídas e ficaram condenados a viver em guetos, cercados de muros e instalações militares. Tudo isto é rigorosamente verdade, tudo isto seria intolerável em qualquer lado do mundo e tudo isto é feito à revelia das decisões das Nações Unidas. Nenhum secretário-geral da ONU pode ignorá-lo e deixar de insistir para que aquilo que a ONU decide seja aplicado. Ou então não está lá a fazer nada.

Numa televisão perto de mim, vi uma denominada “especialista em política internacional” dissertar contra Guterres e classificar a ONU como “pró-palestiniana” porque ao longo da sua história aprovou várias decisões contra Israel. Seguindo o seu raciocínio, a ONU não poderia então tomar posição sobre nenhum assunto, discutindo-o e votando: ou seja, teria a importância política e jurídica de uma reunião de Tupperware. Mas a “especialista” parece ignorar que a ONU não é uma entidade dotada de autonomia própria em matéria de decisões, mas sim o resultado da opinião de todos os seus membros, expressa na Assembleia-Geral onde estão representados todos os países do mundo, mais de 190, e no Conselho de Segurança, com 15 membros, 5 dos quais permanentes, com direito de veto. A Assembleia-Geral, senhora “especia­lista”, aprova moções, que não são vinculativas mas reflectem a vontade da maioria dos seus membros — e já aprovou dezenas condenando Israel; o Conselho de Segurança aprova resoluções, que são vinculativas para todos os membros da ONU — e já rejeitou dezenas condenando Israel graças ao veto protector dos Estados Unidos, mas, mesmo assim, aprovou algumas, nomeadamente a 242 e a 336, que são estruturantes juridicamente nos termos do conflito palestiniano e que, se tivessem sido cumpridas por Israel ou impostas pelos desfilantes de Jerusalém, não teriam conduzido à situação em que hoje estamos e que desembocou no 7 de Outubro.

Portanto, Srª “especialista”, não é a ONU que é pró-palestiniana, são os países que aceitaram os princípios da Carta das Nações Unidas, entre os quais Israel, os países que aceitam a prevalência do direito internacional, que condenam a ocupação israelita das terras dos palestinianos.

2 Poucos portugueses saberão quem é Umaro Sissoco Embaló e não perdem nada em não saber. Trata-se do pouco recomendável Presidente da pouco recomendável Guiné-Bissau, esse Estado cuja história independente tanto dignifica a confraria dos PALOP. Mas, além de se autodefinir, não como um ditador, como correntemente o vêem, mas apenas como “um defensor da ordem e da disciplina”, o ilustre Umaro Sissoco Embaló deve ter outros atributos de mérito tão elevados que levaram o Presidente Marcelo a atribuir-lhe a mais alta condecoração habitualmente reservada a Chefes de Estado estrangeiros: o Grande Colar da Ordem do Infante D. Henrique. Umaro Embaló passa, assim, a figurar ao lado de figuras como Nelson Mandela, François Mitterrand ou Lech Walesa, a quem outros Presidentes portugueses haviam atribuído idêntica condecoração. Não sei se o problema estará em Marcelo não conseguir encontrar mais ilustres pescoços prontos a inclinarem-se diante das suas generosas mãos ou na sua continuada incapacidade de conseguir entender que um Presidente não condecora em nome próprio ou das suas escolhas pessoais, mas em nome de todos nós e alguém que todos nós respeitemos.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

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O dom da ubiquidade

(Hugo Dionísio, in Facebook, 22/09/2023)

De repente fez-se luz! Percebemos porque é que diziam ser possível estar na Crimeia após a primeira semana de ofensiva. Simplesmente não existe nenhum poder no mundo, capaz de competir com quem tenha o dom da ubiquidade!

Iniciada a inversão da maré mediática – foi o próprio NY Times quem escreveu que o míssil contra o mercado de Konstantinovka -, com rumo a uma provável e crescente culpabilização dos próprios, outro que não o próprio Zelensky, debateu-se com uma sala vazia, aquando do seu discurso na Assembleia Geral da ONU.

Não foi apenas Duda, presidente da Polónia, quem se baldou à reunião bilateral que tinha marcada com a figura; não foi, apenas, o próprio Duda quem anunciou o fim das armas para o territorialmente cobiçado vizinho de leste; não foi apenas o anuncio do embargo, por vários países europeus, aos cereais da Ucrânia; não foi, tão só, o pacote minimalista, com o qual o comediante teve de se contentar, apesar de ser de 5 a 10 vezes menor do que o habitual, em montante e em quantidade…

Tudo jogou contra ele. Até Byron Donalds, uma das figuras proeminentes do partido republicano e dos novos “conservadores”, veio dizer que “se tivéssemos um presidente que em vez de dormir nas assembleias, estivesse acordado, talvez o mundo não estivesse como está”, referindo-se a Sleepy Joe (Joe adormecido). Ainda acrescentou que “já chega de dinheiro para a Ucrânia, precisamos dele aqui”.

Tal como Duda, parece que o movimento desta gente é o de isolar o partido democrata, isolar Biden e os seus capos (prevenindo e prevendo uma vitória republicana possível e a inversão da tendência), sejam eles, liberais ou conservadores, fugindo da associação a uma Ucrânia que o presidente polaco designou de “homem a afogar-se, num estado em que afoga quem o quiser salvar”!

Na repetição histórica do banderismo e nazismo dos anos 30 a 40 do século XX, desta feita como farsa, a propaganda enganosa ocupa um lugar ainda mais proeminente. Contudo, nesta segunda iteração, tal como sucede com as farsas, não tarda muito que se descubram as falácias próprias da sua construção.

Foi assim que, Zelensky, em face de um – cada vez mais evidente – isolamento do Ocidente NATO (seja NATO Atlântico ou Pacífico), foi confrontado com uma sala vazia, aquando do seu discurso na AG da ONU. Como é óbvio, um poder de plástico; com pilares de areia e paredes feitas com o papel dos títulos de tesouro dos EUA e do BCE; sustentado pela força das armas e pela maior campanha de persuasão e coacção opinativa, de que há memória, no Ocidente, desde o fascismo do século passado; não poderia, este regime superficial, apresentar o seu porta-voz a falar para uma sala cheia de lugares vazios. Viver da imagem é isto mesmo!

Não poderia, principalmente, quando todos os “órgãos” de comunicação pagos com o dinheiro negro da CIA, dos contribuintes americanos e extorquido aos países do Sul Global, ainda hoje falam de “um mundo totalmente a favor”, de “um apoio global” e do “isolamento internacional de”.

Se, com Lavrov, a sala estava composta, mas não cheia, faltando aí os meninos birrentos do costume; com Zelensky, só estavam mesmo os meninos birrentos e irresponsáveis do costume. Mas com Lula da Silva, isso sim… Com Lula, a sala estava a abarrotar. Mesmo depois de este, no seu dúplice jogo de cintura, assinar um acordo com os EUA, no quadro da AFL-CIO (AFL-CIO, The American Center for International Labor Solidarity), para “reforçar os direitos dos trabalhadores”. É caricato, não é? Um país quase sem convenções da OIT ratificadas, que não reconhece o direito a férias (entre muitos outros), onde os patrões podem despedir de um dia para o outro, pagando apenas uma semana de trabalho, onde as mães não têm licença parental e os sindicatos são controlados pelo Estado…. Vir fazer parcerias com a América Latina (Peru, Colômbia e Brasil), para esta matéria… O que faz a falta de mão-de-obra!

Se, com Lula, a sala estava cheia, havia que aproveitar. Então o que fizeram os “fake” Goebbels do protetorado ucraniano dos EUA? Pegaram no vídeo, editaram, colocaram Zelensky a falar para essa mesma sala… A sala de Lula! Fizeram-no tão bem que, aos 14 segundos do vídeo passado no principal canal do país – um dos que não foi fechado à força -, é o próprio interveniente que surge na plateia! Ubiquidade? Não! Apenas a farsa do costume.

Por cá, como sempre, as nossas TV’s estão proibidas – ainda – de se referirem ao regime EUA na Ucrânia, nestes termos. Mas há-de vir o tempo. Revisite-se a história de Saddam Hussein, no tempo da guerra Irão-Iraque, em que o Iraque foi usado, dessa vez com sucesso, contra o arqui-inimigo e sempre resistente Irão, para se perceber o que lhe irá acontecer. Primeiro o salvador da democracia; depois o corrupto; por fim o ditador… E depois… Já sabemos… TPI ou forca, ou os dois!

E o desfasamento em relação ao movimento real é tao grande, pelo menos na generalidade dos órgãos, que o Expresso vem apresentar uma entrevista, com um general ucraniano na reserva, cujo nazismo é tão grande ou pequeno, que diz que dentro de um ano a Ucrânia terá recuperado as suas fronteiras de 1991 e que a Rússia se balcanizará em dezenas de estados mais pequenos.

Eu percebo que, nalguns casos, e após a recente reunião do Congresso da “Associação dos povos alógenos da Rússia”, criada pelo Império Austro-Húngaro no século XIX, para dividir o seu rival, o império russo, a ilusão seja confundida com a realidade. Percebo também que o desejo, quando doentio, possa levar à ilusão. O que eu já não entendo é como é que uma pilha de papel chamada “Expresso” foi colocada ao serviço destas coisas. Muita há-de ser a crise, para se vender desta forma.

Mas enquanto eles se divertem, de há séculos a esta parte, a projectar a destruição de um país multinacional, unido pela língua e cultura, em que dezenas de etnias vivem em paz, seria importante relembrar as palavras de Confúcio, tão bem aplicadas aos EUA, cuja elite gerontocrática se deveria olhar primeiro ao espelho:

“Para pôr o Mundo em ordem, temos primeiro de pôr a Nação em ordem; para pôr a Nação em ordem, temos primeiro de pôr a Família em ordem; para pôr a Família em ordem, temos primeiro de cultivar a nossa vida pessoal, endireitando o nosso coração”.

Num país cujas cidades estão povoadas por sem abrigos, tendas, carros e barracas; dependentes de drogas legais e ilegais; em que a taxa de suicídio entre os jovens dos 18 aos 35 anos é uma das principais causas de morte; palco de uma cultura tão individualista e consumista, em que as pessoas até prescindem de ter filhos e consideram as crianças um “fardo”; realidade em que se multiplicam as famílias desestruturadas, onde devido à desregulação das leis laborais os trabalhadores não têm tempo para os filhos e família; no qual os valores familiares e humanos são secundarizados em função de lógicas empresariais que desenraízam e alienam os trabalhadores em relação à sua terra, ás suas raízes sociais e étnicas, em relação á sua cultura; em que a cultura é produto e privilégio de uma elite; em que a educação é instrumentalizada em função dos interesses económicos, mercantilizando-a (exemplo do Bolonha), dirigindo-a para a formação de servos (vejam o teste “americano” em que a resposta já está dada, não obrigando o estudante a pensar e a construi-la) e não de pessoas livres e críticas; um país com infra-estruturas corroídas pelo desinvestimento continuado em função das lógicas liberais e neoliberais que apostam no “estado minimalista”; um país crescentemente endividado e com um aparelho produtivo subdimensionado; um país que vive da pilhagem do alheio e do seu próprio povo…

Este país desordenado, onde os fãs da cultura “woke” e transumanista migram para os estados democratas e os que são anti “woke” e defensores dos valores tradicionais (conservadores ou não), migram para os estados republicanos. Um país cheio de armas, cuja venda quase duplicou desde o Covid. Um país, no qual um avião F-35 desaparece, desviado por um grupo de extrema-direita e ninguém sabe onde está. Um país, no qual, quase metade da população acredita, já estar, ou encontrar-se a caminho de uma guerra civil.

Não admira, portanto, que Zelensky tenha encontrado uma sala vazia e tenha tentado possuir o dom da ubiquidade. O dom da ubiquidade que Zelensky cobiçou, encontra paralelo na elite oligárquica e gerontocrática dos EUA, que o apoia. É seu produto exclusivo. Quem não se governa a si próprio, não pode liderar o mundo! É da natureza das coisas.

Tal como os EUA, também o comediante sem graça quer mais do que o que pode e lhe é fisicamente possível. Um ser sem história e base política que não seja a de um programa de comédia que usou para se promover; presidente a brincar, em que ministros assumem pastas sem falarem a língua, sem nunca terem colocado um pé nessa terra (3 ministros do governo de Poroshenko), de um país de brincar, cuja (o?) porta voz das Unidades de Defesa Territorial era uma transexual (nada contra!) de extrema-direita nascida e criada… nos Estados Unidos! De seu nome Sarah Ashton-Cirillo, recentemente demitida por defender, numa entrevista, que os opositores e críticos do regime Ucraniano devem ser silenciados e caçados.

Também os EUA, em desconstrução interna acelerada, mas armados e cheios de polícia, agências de segurança e armas até aos dentes, possuem mais de 800 bases militares à volta da China, Rússia e Irão, uma panóplia de porta-aviões e centenas de milhares de espiões e agentes diplomáticos ou indiferenciados espalhados pelo mundo.

Logo, também os EUA querem estar em todo o lado, ao mesmo tempo e a sala vazia de Zelensky é um retrato dessa impossibilidade! EUA e Zelensky cometeram um pecado mortal… O de querem ser deuses!

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