(Raquel Varela, in raquelcardeiravarela.wordpress.com, 15/01/2024)
Poucas coisas na vida me foram tão úteis como o ano que passei a estudar a teoria do valor de Marx, só o trabalho produz valor. Ler isto é um coisa, compreender (trazer para si, dominar) é outra. Levou-me um ano de ler e reler, fazer esquemas, desenhar gráficos, apoiar-me em artigos. Como fui expropriada da matemática aos 14 anos pelo sistema de ensino, e a filosofia que estudei foi dogmática e pós-moderna, foi-me difícil compreender que as crises não são de super produção de mercadorias mas de super produção de capital, e que esse movimento, dos donos do Estado e dos meios de produção, tem um impacto determinante a cada passo da nossa vida. De como amamos a como recuperamos ou não de uma gripe, se temos crises de ansiedade ou alegria de esperança.
Leio nos media – não usei a palavra jornalismo de propósito – que a gripe este ano é estranha, dura 3 semanas…
Ora, em qualquer romance do século XIX se pode ler que a gripe dura 3 a 4 semanas, repouso mandava-se então, um mês. Todos os que já tiveram gripe, não mera constipação, sabem que a coisa dura 3 a 7 dias de sintomas mais duros, seguidos de 2 a 3 semanas de cansaço e lenta recuperação, tosse.
A gripe não tem nada de novo – nem a dominação pelo medo. A Igreja dominou séculos com a noção de pecado, que implicava também medo do corpo, do desejo, até de sentir que estamos vivos, de sentir o corpo (e sentimo-lo mais quando estamos doentes). Hoje o medo continua nos anúncios catastróficos do fim do mundo ao fim da espécie, e claro, o maior medo, o desemprego. É preciso espalhar medo e não esperança. O fim absoluto e não soluções reais.
Nas sociedades atrasadas camponesas guardava-se galinha e descanso para quem tinha gripe, no capitalismo é suposto quem trabalha engolir benurons (que no limite até podem atrasar a cura, uma vez que a inflamação e a temperatura são respostas do organismo para atacar virus e bactérias) e voltar a trabalhar passados 3 dias para que os proprietários do Estado, empresas e fábricas não fiquem ansiosos com os valores oscilantes da bolsa, a febre do capital.
O Chega tem o programa político do PS e do PSD – privatizar tudo e baixos salários – com alguns laivos de delírio – vender escolas a professores – mas soma-lhe medo, muito medo. Por baixo de fatos e gravatas, os corpos de violência dos seus militantes, a linguagem agressiva, o olhar fanático, sobressaem. É terror, não é política.
Como toda a extrema-direita em todo o mundo a ideia é espalhar o terror a quem trabalha – Milei na Argentina acabou de anunciar 6 anos de prisão para quem organiza protestos. Felizmente na Argentina a resposta tem sido manifestações gigantescas – ontem um amigo inglês, na manifestação da Palestina, perguntava-me perplexo porque não há manifestações em Portugal contra o Chega? Explicava ele que em Inglaterra os partidos de esquerda realizaram manifestações sistemáticas contra a extrema-direita e que isso, na opinião dele, foi fulcral para que o Reino Unido seja um dos raros países onde não se consolidou um Partido neofascista.
Ele tem razão, e não tem. Por um lado é incrível que não tenham existido manifestações contra o Chega, significa que os sectores democráticos aceitam o veredicto do Estado – é legal, legítimo. Não é.
Mas por outro ele esquece-se que o sistema eleitoral britânico não permite a extrema direita chegar aos dinheiros/aparelho de Estado. E aqui sim. Infelizmente a esquerda aqui também ficou adormecida nas política parlamentares, esqueceu os locais de trabalho e as ruas. Todo de passa nas eleições, onde cada vez sabemos se passa/muda menos.
Em Portugal, o PS tem levado a cabo a estratégia de manter o pagamento da dívida, destruindo os serviços públicos, vender casas a fundos imobiliários e estrangeiros em fuga a impostos, obrigando as pessoas a migrar ou viver como animais, apoiar Israel no genocídio que leva a cabo, aumentar orçamento para a guerra na Ucrânia, destruindo o país, apoiando a NATO, impedindo uma solução de paz negociada.
E claro, manter a política de baixos salários aumentando apenas o salário mínimo, esmifrando todos os outros trabalhadores, de médicos a professores, operários etc que ganhem mais de 1000 euros, que vão perdendo salário todos os anos com a inflacção que aumenta os lucros. 10% dos proprietários em Portugal têm agora 60% da riqueza (segundo o grupo do Piketty).
Esta política do PS levou-o a ter como única política junto de quem trabalha em Portugal o medo. O PS tem levado ao colo nos media (media que estão em grande medida sob a sua influência) não só a normalização do Chega mas a sua divulgação. O Chega é o seguro de vida do PS. Como Le Pen é de Macron, o Trump é de Biden, o Vox é do PSOE.
O PS acena-nos com o fim do mundo – o Chega – e assim o Chega tem ganho votos, não só nos empreendedores frustrados, nos pequenos empresários arruinados, que julgavam que um dia o capitalismo mundial os deixaria ascender a grandes capitalistas (não leram nem compreenderam o Capital), como em franjas da população que vê, come, escuta, olha o Chega a cada 5 minutos nos 4 canais e nos jornais.
Os media em Portugal são hoje também o jornal do Partido Chega: o que o Partido diz, faz, quer, vem nos jornais públicos. O Partido sequer precisa de ter um jornal próprio ou assessores de comunicação (tem-nos para a área das redes sociais, com militantes falsos/robots) porque o Chega tem no PS e nos media o seu maior divulgador.
Dificilmente, mesmo com toda esta voz pública ,o Chega num país com escassa pequena burguesia irá passar os 20%. Mas isso significa que terão acesso a rios de dinheiro no Parlamento e no aparelho de Estado. O monstro pode se tornar um pouco maior do que espera o PS, e quem sabe até um dia engolir o PS. Não teria pena nenhuma se não significasse que assim o país que está destruído por anos e anos de PS e PSD não passasse com o Chega a ser um país destruído mas sem liberdade, com violência, com terror – o Chega não é o combate à corrupção, é a face do terror. É a pequena burguesia desesperada na concorrência do mercado mundial à procura de por todos os meios ter lucro. É a censura na lei, a proibição de manifestações, e o uso de jagunços, lumpens, para aterrorizar sindicatos.
Quem é de esquerda e democrata sabe que isto só se combate nas ruas e na organização nos locais de trabalho, e nos bairros. Sem organização que seja autónoma do Estado não nos livraremos do Medo (PS) e do Terror (Chega). Não são nem estas eleições, nem este Parlamento nem esta ausência de esfera pública (media) que nos assegurará a liberdade, que está hoje mais perto de estar ameaçada.
Urge criarmos Esperança, Futuro, Solidariedade e Cooperação. Organizar a malta. Rapidamente, e já vamos atrasados.