Contribuição para o estudo de uma espécie invasiva: commentatores vulgaris

(Daniel Vaz de Carvalho, in Resistir, 18/12/2023)

Tratamos dos designados comentadores que invadiram os media, impedindo que na opinião pública a realidade e o raciocínio claro se estabeleçam. Há exceções, mas são raras e difíceis de encontrar, como trevos de quatro folhas…

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Convenientemente, demito-me

(Hugo Dionísio, in CanalFactual, 17/11/2023)

No nosso pequeno país, estamos habituados a olhar para fora e pensar que tudo o que é realmente importante, bom ou mau, nunca aqui acontece. As guerras, revoluções coloridas, golpes de estado e outras ações subversivas, apenas acontecem em países geopoliticamente importantes, no grupo dos quais, para nosso bem – de acordo com a crença popular -, o nosso cantinho “à beira-mar plantado” não se enquadra.

Esta e outras causas levam a que, perante o que está a acontecer com a nossa democracia, se analisem os acontecimentos apenas no plano das nossas diatribes internas. Afinal, por que raio é que alguém se deveria preocupar com um país de 10 milhões habitantes, quase todos de idade avançada (é só esperarem 20 anos!), sem petróleo, gás ou interesse geoestratégico?

Este é, não raras vezes, o nosso erro: considerar que, à partida, somos pequenos, insignificantes, irrelevantes. Nada mais falso, como veremos. A palavra que mais me vem à cabeça quando penso em todo este caso é “conveniente”! É tudo muito conveniente.

Entrámos nesta aventura diabólica com a comunicação social corporativa a dar notícias de buscas, apreensões, detenções e suspeições sobre um grupo numeroso de governantes, ex-governantes, com o ministro Galamba à cabeça – mais queimado não haveria. A par deste ciclo infernal surgia também um comunicado da Procuradoria-Geral da República, informando de toda a operação “Influencer”, fazendo-o de forma – outra conveniência – a dar a ideia de uma dimensão avassaladora. O tal comunicado anunciava:

– 17 buscas domiciliárias

– 5 buscas em escritório e domicílio de advogado

– 20 buscas não domiciliárias a Ministérios e outros espaços públicos.

Primeiro-Ministro, autarca de Sines, ministros, advogados, um universo de “más relações”. Os motivos também estavam clarificados: O lítio, que já vinha de trás, o hidrogénio verde e um datacenter da Start-Campus.

Também, convenientemente, se dizia que “em face dos elementos recolhidos na investigação e por se verificarem os perigos de fuga, de continuação de atividade criminosa, de perturbação do inquérito e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas”, procedia-se à detenção de 5 indivíduos, incluindo o Chefe de Gabinete do próprio António Costa. Outra conveniência, portanto.

Muito conveniente ainda foi o parágrafo final, uma espécie de xeque-mate da coisa: “No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido.” O Primeiro-ministro estava, então, definitivamente conectado.

Ato contínuo, comunicação social corporativa em polvorosa, as CMTVS a bombar (hoje são todas CMTV’s), comentadores a postos, analistas de língua afiada, pivots que mais parecem generais em tempo de guerra; de repente, o país ficou em suspenso com a enormidade do escândalo.

Face ao que conhecemos de Galamba, dos megaprocessos que nunca acabam, das acusações de corrupção que acabam sem corruptores e corrompidos, do estado do governo e da oposição à sua direita, tudo apontava para a necessidade de tento na língua e sobriedade na avaliação de tomada de decisão. É um dos dramas deste país: quando precisa de algo, opta sempre por obter o seu contrário.

A oposição trauliteira de extrema-direita – mais ou menos polida, mais ou menos engravatada – pediu sangue; Montenegro, que deveria estar calado, tais os escândalos (quase sempre calados na comunicação social corporativa) em que ele e o seu partido andam permanentemente envolvidos, veio também, a reboque, exigir o fim de tudo… Os de sempre, limitaram-se a dizer, temos de esperar e “é preciso é resolver os problemas dos portugueses”.

Se era preciso calma, muito convenientemente, tudo se incendiou. Antes que se soubesse mais do que se estava a falar e quando se pedia, ao já crescido Marcelo, que se comportasse de acordo com o seu estatuto e com a imagem que quer passar (de estadista), eis que, uma vez mais, o sr. Presidente da República comprovou não ter a dimensão e ponderação que a sua – já longa – experiência política faria supor.

Antes que se pudesse refletir, já estava Marcelo a anunciar eleições para março; António Costa a dizer que era honesto e por isso tinha de se retirar; de repente, de um trago, Portugal via-se livre do governo de maioria absoluta do PS. Uma vez mais, muito conveniente!

Com a pouca informação disponível, aconselhando sabedoria e ponderação, quer um, quer outro se precipitaram para o precipício. Como se a resolução do problema da corrupção, neste país, dependesse da autêntica extinção sumária do governo. É a célebre visão pueril da política: de que tudo depende do manel ou do quim, quando depende do sistema em que os manéis assentam.

Se, a Marcelo, o temos por precipitado, obstinado e até descontrolado, normalmente muito rápido a estar onde não faz falta e lento onde precisam dele; já António Costa não cabe no perfil. Sem esperar, António Costa de pronto se demite. “Elogiável”, dizem uns; “de valor” dizem outros! “Trata-se de um exemplo de retidão democrata e republicana”, alguém apontou!

Mas, convenientemente, há algo, aqui, que não jogou a bota com a perdigota. António Costa andou dois anos a defender Galamba e a impedi-lo de cair, certo que estava de que tudo estava a ser feito como devia. Eis que sai um comunicado destes e, sem mais, António Costa aproveita para ir embora e não mais voltar! Desculpem-me, mas não joga. Se a Marcelo lhe poderia faltar informação – se eu acredito ou não, não está em análise -, Costa saberia, melhor do que ninguém, o que haveria, ou não, feito. Convenientemente retirou-se. Depressa demais, digo eu.

O que se veio a provar, pouco depois. Nas horas e dias seguintes, começou a surgir informação. Como sempre, provinda da melhor loja que o crime de violação do segredo de justiça pode comprar. Quem anda nestas coisas da Justiça e o faz com alguma seriedade, começou a pensar: “que raio, mas estas “provas” que o MP diz que tem, afinal não provam grande coisa”. Logo pareceu um exagero tremendo. Tudo, muito convenientemente exagerado.

Muito convenientemente também, primeiro veio o comunicado, depois as fugas ao segredo de justiça. Logo depois, o juiz de instrução acabou com o resto. Não precisámos de muito tempo para que “a montanha parisse um rato”. Afinal, um governo caiu por coisas como o tráfico de influências. Tanta corrupção e prevaricação e, no final, foi tudo para casa. Pior, descobriu-se que, afinal, “Costa” não era “António Costa”. Foi-se também descobrindo, pelo caminho, que os procuradores do MP parecem funcionar por si próprios, escutando tudo e todos, avaliando os factos e os elementos de prova de forma autónoma e aparentemente discricionária.

E eis que, no espaço de dois ou três dias, no máximo, passámos de ter um Primeiro-ministro de um governo em crise tolerável, a um putativo apressado ex-Primeiro-ministro com ética republicana, a um país em crise geral e com o sistema judicial arrasado. Deixou de ser um sistema judicial que não se limita a não prender os bandidos, passou a tornar-se um sistema judicial que persegue quem ainda não o é.

E o silêncio que se apoderou de todos? O Presidente da República, mais necessário que nunca, perdeu o pio! António Costa, depois da sua – eticamente inatacável – retirada apressada, nem um esboço de raiva, de sentido de injustiça. Nada! Até da direita institucional e da extrema-direita vieram posições envergonhadas a dar o dito pelo não dito. Parece que estão com medo que o PS use isto para cavalgar outra vitória eleitoral. Montenegro, como que a posicionar-se, já veio dizer que, se não ganhar, não governa.

Apenas da PGR veio um irresponsável “não nos apercebemos que poderia ter este resultado”. Esta súbita incompetência, irresponsabilidade, ingenuidade, soa, outra vez, muito conveniente. E o que é também muito conveniente nesta situação é a total ausência de responsabilidade por parte do MP. Um governo cai porque um ministro e alguns membros menores estão, supostamente, implicados em casos de corrupção. Nunca se viu tal coisa!

Mas, porque é que, de repente, há um procurador do MP que começa a valorizar coisas que são absurdamente usuais, algumas constituindo prática desejável – como ministros reunirem uns com os outros para decidirem questões importantes -; ou fazendo interpretações a partir de factos circunstanciais, genéricos, a partir dos quais suportam toda uma conspiração não alicerçada nos próprios factos que apresentam? Por que razão o MP se enganou num nome, logo o último nome – alguém usa o nome do meio para designar outrem? E por que razão, a Procuradora-Geral de repente começou a não ler com atenção os comunicados que envolvem membros do governo, incluindo o Primeiro-ministro, ou pelo menos não lhe atribuindo a importância devida? Por que razão a Procuradora-Geral considerou ser negligenciável o levantamento de suspeições – pouco depois muito convenientemente desmentidas – sobre um Primeiro-ministro? Estará a procuradora tão habituada a suspeitar dos Primeiros-ministros e a indiciá-los, que já nem liga?

Não acredito minimamente nesta teoria e penso que, para melhor compreendermos o que se está a passar, temos de nos afastar da abordagem mesquinha, pequenina e tacanha a que assistimos por parte das direções de informação e por parte da grande maioria dos comentadores e analistas com acesso preferencial ao éter mediático. Convenientemente, a “comunicação social” nunca fala do que não deve! Hoje, mais do que nunca!

Mas não interpretem o que aqui escrevo como uma desculpabilização do governo PS – e tanto que embarcou na vertigem da maioria absoluta -, nem tão pouco um branqueamento da suscetibilidade de alguns dos seus quadros poderem incorrer na prática de crimes, como os apontados pelo Ministério Público. Não apenas o governo PS tem quem os pratique, como todos os governos constitucionais o tiveram. Como os que mais berraram são também os que mais vulneráveis e mais próximos estão do centro de poder onde é gerada a corrupção.

O PS dá para estes peditórios todos, tal como o PSD, a IL, o Chega e, já para não falar do moribundo CDS. Não se trata de quererem ou não; trata-se de optarem pela defesa dos interesses que vivem destas armadilhas. Quem financia as suas poderosas campanhas, virtuais ou reais, os seus tempos de antena desproporcionados, ou a vida de luxo dos seus quadros, quer receber a contrapartida disso mesmo. Quem achar que é diferente, tenho pena. Vejamos bem, estamos à beira de um partido de extrema-direita ter duas ou três dezenas de deputados, sem nunca apresentar uma ideia de como acabar com o problema que constitui a sua principal bandeira: a corrupção! Já para não dizer que, seja qual for a panaceia, deve ser tão eficaz que nem resulta para os seus próprios quadros. Só quem não os conheça!

Este acontecimento é de monta, resultou na queda de um governo eleito com maioria absoluta, de um mau governo, mas não pior que outros, de um Primeiro-ministro o qual, não obstante as críticas, eu não considero como corrupto ou desonesto. Aqui chegados, somos obrigados a colocar a seguinte questão: Será que o governo caiu por engano? Como perguntou um amigo meu brasileiro? Será que a corrupção era tão grande e evidente que não deixou alternativa?

Todos vêm dizer que António Costa fez muito bem, outros, mesmo pensando que não, dizem que sim. Sinais de tempos em que nos querem obrigar a não pensar e limitar-nos a mimicar o movimento dominante.

Na minha opinião, acho que considerados todos os fatores, se exigiria, pelo menos, que António Costa aguardasse alguns dias, aguardasse por mais informação e pelo decurso do interrogatório judicial e a fixação das medidas de coação, para, então em função de uma análise mais concreta, mais sólida e sustentada, tomar a sua decisão. A Marcelo também se exigiria senão a mesma coisa.

Face à sustentação eleitoral do governo, ao momento atual do país e do ano, período em que se vota o orçamento de estado, exigia-se ponderação, sabedoria, paciência e sustentação. Muito convenientemente, Primeiro-ministro e Presidente da República embarcaram na histeria. A histeria e a pressa que se lhe sucede nunca é boa conselheira.

Portugal é hoje alvo de chacota mundial. Amigos meus de todo o mundo perguntam:” então o governo demitiu-se por engano?” Lá tenho eu de contar a história toda! Uma e outra vez.

E, então, vamos lá ao resto da história! Engano? Precipitação? Desorganização? Falta de informação? Desculpem-me, mas eu não aceito facilmente que um governo eleito há dois anos, com maioria absoluta (a primeira do século – e única, espero), caia desta maneira e tudo fique sem explicação. É mau demais.

Para encontrarmos respostas não é fácil e teremos de ir mais além. Que tal começarmos pela figura central em tudo isto? Galamba? Não! Lacerda Machado!

O propagandista anti China e assumidamente trumpista João lemos Esteves (SOL, NEWSLEX), condenado por difamação, deu o mote nos seus boçais, mentirosos e conspirativos artigos: “que Lacerda Machado nem pense em passar informações ao Partido Comunista Chinês!”, avisava em 2021, a propósito do filho de Lacerda Machado estar bem empregado na embaixada portuguesa em Washingon D.C.

Para se saber de que lado está JLE, basta o título de outro artigo: “SIS junta-se ao lado certo da história: a Huawei está fora do 5G em Portugal (Governo sem margem de manobra)”. Até parece que foi Trump quem o escreveu!

Nem a propósito, antes disto acontecer, já em entrevista ao jornal “Expresso”, George Glass, embaixador dos EUA, “afirmou que Portugal “tem de escolher” entre “trabalhar com os parceiros de segurança, os aliados, ou trabalhar com os parceiros económicos, os chineses””

Também a Rádio Renascença fazia eco deste ultimato: “O embaixador norte-americano George Glass lançou há dois dias um ultimato: Portugal tem de escolher entre fazer negócios com os EUA ou a China. Os empreendimentos em causa? O leilão 5G, a entrada da China Communications Construction Company na Mota-Engil, a tentativa de controlo da EDP pela China Three Gorges e a construção e gestão do Novo Terminal de Sines.”

Se na 5G o governo PS, como moço bem-comportado, meteu logo a viola no saco e criou um conjunto de barreiras legais e administrativas que impediram Huawei de se posicionar no nosso mercado, já no terminal de Sines, a questão foi bem diferente. Terá o governo pensado que “se lhes dermos a 5G eles calam-se”? Não sei.

O que sei é que a disputa no terminal de Sines chegou à comunicação social internacional. O site portugalhomes.com noticiava que “Portugal has been part of a battlefield between the US and China for the port of Sines, a port that has long been recognized by foreign powers for its geostrategic importance as a deepwater port” (tradução: Portugal tem sido parte numa Batalha entre EUA e Hina pelo porto de Sines, um porto que tem sido reconhecido há muito como tendo importância geoestratégica…)”.

Também sei que o Financial Times noticiou, por volta de 2021 que “Lisbon rebuffs claims Portugal is China’s ‘special friend’ in EU, Foreign minister denies dependence on Beijing as Portugal seeks port project investor (tradução: Lisboa rejeita acusações de que é um amigo especial da China na EU, o ministro dos negócios estrangeiros nega a dependência em relação a Beijing na procura de um novo investidor)”.

Nesta fase convém dizer que tanto Lacerda Machado como Siza Vieira passaram por Macau e aí desenvolveram relações privilegiadas com Stanely Ho e outros empresários chineses. Não foi com o Partido Comunista Chinês, como alega o propagandista JLE, mas sim com empresários privados chineses, há muito importantes, mesmo antes do retorno de Macau à China.

Já em 2018, noticiava o Zap que a Câmara de Comercio luso-chinesa, na sua sexta gala, comemorou as excelentes relações Portugal-China e fez referência ao memorando de cooperação entre os dois países no âmbito do projeto das Rotas da Seda.

O problema é que o porto de Sines, noticiava ainda o Zap, era o porto de águas profundas mais próximo dos EUA, voltando George Glass a referir que deveria ser “uma empresa ocidental” a construí-lo, pois é “realmente estratégico”. Não era segredo que os EUA querem usá-lo para a distribuição de GNL. Como sempre, os EUA não se coíbem de ordenarem, via embaixada, o que devem, ou não, fazer os vassalos.

Durante o ano de 2021, o Público, hoje reduzido a um suplemento português do New York Times, deu bem conta do recado e noticiou a disputa em curso, sendo várias as peças publicadas sobre o assunto: “Estados-Unidos e China em corrida pelo terminal Vasco da Gama”.

Ao mesmo tempo, o site Portugal.gov, noticiava: “porto de Sines pode representar uma nova era nas relações entre Portugal e China”. E o Twist dizia “Portugal convida a China a investir no porto de Sines”. Estava dado o mote para o confronto. Confronto que agravou quando Lacerda Machado, desata a dizer que “durante a troica ninguém queria nada connosco, apenas os chineses”. Segundo os propagandistas trumpistas, bolsonaristas e venturistas, o grupo formado por Lacerda Machado e Siza Vieira era o “Grupo de Macau”. Ora, estes dois senhores são, nada mais, nada menos, que amigos íntimos de António Costa.

Lacerda Machado, numa conferência promovida pelo Bank of China, referiu mesmo que “a República Popular da China tornou-se um agente referencial no esforço comum pela construção de um espaço de comércio livre, à escala mundial, que aproxima ainda mais os povos e proporciona aos menos afortunados as oportunidades de que já puderam libertar outros da pobreza e do subdesenvolvimento”. Esta história de considerar a influência chinesa como benigna, contrasta diretamente com o que diz George Glass sobre o assunto: identificando aquele país como “uma nova China, com planos de longo prazo para acumular influência maligna através da economia, política ou outros meios”.

Seja como for, o site eias.com era bem claro sobre a contradição: a China queria construir um terminal para super contentores, no valor de 640 milhões de euros; os EUA propuseram um terminal de GNL que tornaria Portugal numa “nova Singapura”. Sobre o assunto, Glass não concordou nada e já estou a ver ter acontecido uma daquelas chamadas relâmpago à embaixada dos EUA, para explicações. Refira-se que Lacerda Machado era nada mais, nada menos, que o Diretor da AICEP para a frente asiática. O que fazia todo o sentido, face às origens da sua carreira.

Uma vez mais, a Rádio Renascença dizia: “Augusto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros, já respondeu que “em Portugal as decisões são tomadas pelas autoridades portuguesas”, mas o caso está longe de estar resolvido”, dizia. “O caso está longe de estar resolvido”, quando dito assim, para mim quer dizer duas coisas: 1. Que o embaixador americano quando fala é para ser ouvido e cumprido; 2. Que qualquer jornalista da Renascença o sabe, e se estes o sabem…

A importância geoestratégica é resumida pela Sábado: “Na Europa, não há porto de águas profundas mais próximo do Canal do Panamá e da costa leste norte-americana. Sines é porta de entrada e de saída do continente, permite a manobragem a porta-contentores de grande escala e, em 2020, movimentou 42 milhões de toneladas de produtos, entre eles petróleo ou gás”. Se a Sábado e o Publico falam sobre estas coisas… Devemos levá-los a sério: trata-se de verdadeiros avisos à navegação.

Se, por um lado, Costa andava na UE a vender o gás americano através de Sines; ao mesmo tempo, e já desde 2018, vendia aos chineses a ideia de Sines fazer parte da Rota da Seda. Seja como for, já em 2018 o Público denunciava o que considerava constituir “os amigos da China” em Portugal: “Em 1988 Lacerda Machado chegou a Macau, com Eduardo Cabrita e Pedro Siza Vieira (dois actuais ministros de António Costa, de quem também são amigos) e está ligado a esta região por via da Geocapital, um projecto de investimentos em países lusófonos criado por Jorge Ferro Ribeiro e Stanley Ho, enquadrado pela formação, nesta região, do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa”. No próprio artigo se concluía:” São vários os empresários e políticos com boas relações com Pequim. E alguns estão no Governo”.

Agora liguem isto ao que se passa hoje entre EUA e China, em que a administração Biden tenta, a todo o custo, desenvolver o que chama de “contenção da China”, seja através do cerco ao programa especial, as sanções à indústria de semicondutores, o cerco a Taiwan… Os EUA não escondem de ninguém a sua tentativa de desacelerar e travar o desenvolvimento chinês. O terror que tiveram, dos anos 50 do ano passado, relacionado com a possibilidade de outro país – no caso a URSS – ultrapassar os EUA em PIB, desta feita, não apenas está próximo, como muitos dizem que já é uma realidade desde 2014. Seja como for, o pior pesadelo dos defensores da hegemonia americana, é ou vai ser uma realidade inequívoca.

Este facto tem feito com que os EUA andem numa azáfama louca, na produção de todo o tipo de ações que o impeçam. Se atentarmos ao que se passou nos anos 60 a 80 na América latina, em que os EUA, para travarem a influência soviética não tiveram pejo em encher o continente de ditaduras fascistas; no que se passou na Europa nos anos 30 e 40, tempo durante o qual, os EUA, mais ou menos disfarçadamente apoiaram o surgimento das forças fascistas e do nazismo; ou a profusão de “revoluções coloridas” que se têm desenvolvido nos últimos anos… É razão para nos questionarmos quando, no nosso país, um governo cai na noite para o dia e, logo, quando instado a “gerir” uma situação de grande interesse geopolítico.

Se, ao modus operandi habitual, juntarmos uma outra prática subversiva, conceptualizada pelos próprios serviços de segurança americanos como “lawfare”, o que significa, em português, “guerra através de meios judiciais ou legais”, então começa tudo a fazer sentido.

Mais sentido faz quando sabemos que: a) a extrema-direita, mais ou menos polida e engravatada, não costuma ter qualquer problema em utilizar o sistema judicial como arma de arremesso político; b) a extrema-direita em Portugal comporta-se como o megafone da claque americana anti chinesa (recordam-se das célebres e misteriosas esquadras chinesas?); c) PS e PSD, em matéria de China são iguais, defendendo o negócio seja com quem for, e bem, principalmente se beneficiarem o país.

O problema é precisamente esse. É que nada impede EUA e China de usarem o porto de Sines. Quando Portugal busca investidores, é obrigado a confrontar-se com o seguinte problema: 1. O Plano de Recuperação e Resiliência só paga uma parte; 2. A China tem dinheiro a rodos; 3. Os EUA só têm dinheiro para guerra e corrupção, para infraestruturas, temos de as pagar nós. Assim, colocar o porto de Sines na BRI é uma solução muito boa para o país, pois não apenas resolve o problema do financiamento, da construção e integra o país na maior rede comercial do mundo e aquela que, sem dúvida, será a base logística do mundo multipolar. Um mundo, no qual, a China é um pilar fundamental e onde os EUA ainda não se conseguem encaixar, preferindo nesta fase tentar destruir a ideia. O que já é muito tarde.

Quem não quer saber nada disso são os EUA. Atualmente o modus operandi preferencial dos EUA consiste em levar os países a fazer o que lhes interessa, nem que isso os destrua. Veja-se o que está a acontecer com a Ucrânia, com a União Europeia, como um todo e nas suas diversas partes, na Moldávia, Geórgia, Arménia, Japão, Austrália… Se bem que, aos poucos, alguns comecem a torcer o nariz. Quem não se lembra de Biden dizer, à frente da salsicha Scholz que ia rebentar com o NordStream ? E o que fez Scholz perante o ato de guerra? Pois!

Quando os países – que os EUA integravam como vassalos tendo passado a considera-los como sendo servos -, torcem o nariz, logo se confrontam com o arsenal de “soft power” que o tio Sam tem no bolso. Entre ONG’s, milhares de milhões do orçamento federal para comprar direções de redação; anúncios e jornalistas, embaixadas com Fundações e ONG’s, que interferem diariamente nos assuntos mais comezinhos, na soberania dos países… Os EUA contam com um rol de estratégias multifacetadas, experimentadas, aperfeiçoadas e aplicadas com muito, muito sucesso. É longa, muito longa, a lista de países vítimas destes processos. Desde países na América Latina, Ásia e Médio-Oriente, que experimentaram o “soft power” das “revoluções coloridas”, do “lawfare” e do “hard power” dos golpes de estado e ditaduras militares, às operações militares; aos países na Europa, mais dóceis e fáceis de lidar, a verdade é que a lista – comprovada documentalmente – é imensa.

Não contentes com o arsenal, o tio Sam juntou-lhe o uso do “lawfare”, ou seja, o golpe judicial, palaciano, como lhe queiram chamar. Brasil de Lula, Paquistão de Imrhan Khan são apenas dois dos casos mais conhecidos. Mas há muitos mais, nos quais o levantamento de processos de corrupção, mais tarde comprovadamente sem bases, visa afastar representantes políticos “teimosos”, seja prendendo ou apenas assustando.

No caso concreto, com António Costa, penso que foi só um susto. Existem fontes que dizem que o objetivo não se cingia, tão só, a afastar Costa do governo, estando relacionado também com a necessidade e garantir que ele não cumpria um acordo secreto, que teria com Macron, para se candidatar, com o apoio do petit roi, à presidência da Comissão Europeia. Neste caso, trata-se de uma informação fidedigna, vinda de Wellington Callasans, comentador e jornalista radicado na Suécia, regular na TV angolana.

Seja como for, os EUA habituaram-nos ao “Full Spectrum Dominance”, ou seja, o “domínio de espectro total”, uma doutrina política desenvolvida nos think thanks do costume e bem relatada na internet, se alguém a quiser conhecer. Os EUA atuam em todas as áreas, e em todos os domínios das nossas vidas, ao mesmo tempo.

Concluindo, a minha impressão é que Costa foi recebendo os recados, foi lendo nas linhas e entrelinhas, até que, a determinada altura, os recados se tornaram demasiado audíveis. Marcelo também estaria a par de tais avisos. Não acredito que, face à narrativa cuja realidade atrás demonstrei, um e outro não estivessem já de sobreaviso. Recuso-me a acreditar nisso, por duas razões: 1. Quer um quer outro são animais políticos, muito conhecedores dos meandros da coisa; 2. Os EUA, quando se tata de obrigar a fazer a sua vontade, começam baixinho, para depois acabarem aos berros. Como vimos, o embaixador Glass já berrava desde 2021. Nessa altura já estava na Comunicação Social. O facto é que, como o Publico noticiou, já em 2018 Ana Paula Vitorino convidou os chineses a investir em Sines.

Recuso-me acreditar que Marcelo e Costa não soubessem que, atualmente, os EUA não toleram qualquer familiaridade com os chineses, e que os tentam boicotar a qualquer custo. Qualquer convivência no porto de Sines estava, a esta luz, condenada ao fracasso. Principalmente depois de o projeto ter sido eleito com um PIH (Projeto de Interesse Hegemónico). E também não acredito que, neste caso, um e outro não tivessem sido já chamados à tábua várias vezes, ou seja, à embaixada que nos governa.

Parece-me que tentaram empurrar com a barriga e jogar com a cintura, esperando que, prescindindo da 5G, e com o apoio declarado e entusiasmado ao projeto neonazi anti russo, o tio Sam acabasse por relevar e deixar acontecer o que os dois pretendiam. E, aqui, julgo que, um e outro, estariam também convencidos da importância de tal empreendimento para o país.

Mas, como eu disse anteriormente, o tio Sam transformou os vassalos em servos e os servos não recebem prémios. Eis por que razão, logo que estoirou o escândalo, um e outro soubessem logo o que fazer. A minha perceção é que, os dois viram o filme, viram-no reproduzido vezes sem conta no mundo inteiro, e nem hesitaram: optaram pela salvação política. Para Marcelo, não há nada, mas para Costa, há o lugar de Marcelo.

O momento também coincide, convenientemente, com a publicação de sondagens que dão a maioria parlamentar à direita, o que também deve ter encorajado os operacionais da CI… desculpem, do MP, a optar por este momento, acreditando numa eleição com vitória à direita institucional e, necessariamente, com um dos dois projetos de extrema-direita no poder.

Pode ser que o tiro saia pela culatra. Felizmente, Bolívia, Venezuela, Nicarágua, Brasil, Paquistão (vai fazer exercícios militares com a China), estão cá para demonstrar que os povos começam a ter os seus anticorpos contra o arsenal de vírus sociais americanos. O que, diga-se, não é ainda o caso do nosso povo. E isso assusta-me, porque diz-me que vamos ainda andar muitos anos para formar os quadros que, em quantidade, serão capazes de orientar este país rumo ao futuro. Para já, os que existem, são muito poucos.

Contente por acabar a ditadura da maioria absoluta, e pela oportunidade que tal significou de nos livrarmos de um mau governo e de criarmos outra relação de forças, mais democrática, fico triste por ver este tipo de golpadas acontecerem, também, no meu país. Elas demonstram o quão frágil é a democracia que nos resta, o quão fácil é para o verdadeiro poder subverter um resultado eleitoral e o quão fácil é fazê-lo, parecendo que nada fez. É que o povo português, incluindo a maioria dos políticos de pacotilha, nem sequer estão ainda capazes de o reconhecer.

É por isto que é muito bem feito para o PS. O PS que se diz socialista e alinha com a política hegemónica, xenófoba, do Ocidente coletivo contra o Sul global. Um PS que deveria proteger a nossa soberania de todos os ataques que a minam e apontar o país para o futuro que já existe, o mundo multipolar. Ao invés, tenta conciliar-se com um peso morto cujo estertor todos afunda para se manter à tona.

E como tal, tudo o que aconteceu foi muito conveniente. Para o país, vamos ver. Mas que Costa e Marcelo perceberam logo o que, convenientemente, deveriam fazer…

Disso estou convencido!

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A justificação da opressão

(Hugo Dionísio, 31/10/2023)

Porque é que alguém, por se sentir tão zangado com a política, admite que se justifica tornar-se fascista, racista e reaccionário; mas esse mesmo alguém, que adere à cultura do ódio e da demagogia, não percebe que, alguém que tudo perde, até a sua dignidade e a esperança, por se encontrar do outro lado do mundo, tem direito e enveredar pela resposta violenta! Como se justifica tão desproporcional e contraditória consideração?

500 anos de imperialismo, pilhagem, exploração desenfreada e escravatura deixam marcas indeléveis no carácter das populações, nas suas crenças, moral e costumes. Não era possível, de qualquer modo, sucessivas gerações estarem sujeitas a toda uma ideologia justificadora do expansionismo, mercantilismo e imperialismo e, no final, permanecerem com as suas almas intocadas pelos valores – ou falta deles – que motivaram tal ideologia apropriadora.

Daí que, a exposição à ideologia expansionista do capitalismo ocidental na sua fase imperialista, resulte num misto de crenças – quando não crendices – próprias de uma sociedade em transição para uma identidade mais conforme com os valores que diz promover.

Uma das características que mais define o actual estado de espírito de uma parte importante – quiçá maioritária – das populações ocidentais, dominadas pela ideologia anglo-saxónica, a que se convencionou apelidar “liberal”, consiste na incapacidade total para compreender o lugar do outro, nomeadamente daquele que se encontra do outro lado de uma barricada ideológica, comunicacionalmente uma semiótica criada pelos poderes de facto para dividir.

Não admira que tal suceda. Afinal, já em tenra idade, os poderes capitalistas emergentes foram tão rápidos a apropriar para si o ideário religioso que justificava a evangelização. Quem nunca leu, nos livros de História, as justificações dadas pelos Estados que, saídos do feudalismo, já se encontravam numa fase de expansionismo das suas respectivas burguesias. Era por demais evidente o espírito de cruzada que justificava, em grande parte, a decisão de conquistar de Ceuta. É claro que, dizem-nos historiadores como António Sérgio e o próprio materialismo histórico, que a razão fundamental foi a económica. Contudo, não podendo, simplesmente, dizer-se ao povo que “vamos a Ceuta para tomarmos o que é do outro”, até porque roubar era feio e pecado, havia que desumanizar o inimigo e, à data, qual o melhor pretexto que o religioso? “Inimigos da verdadeira fé”, “infiéis”, “hereges”, tudo serviu para justificar o processo de expansão.

Quando já não se tratavam dos sarracenos, mas de povos pagãos, como sucedeu em África ou nas Américas, nada que fosse mais simples: “evangelizar” ou “salvar as almas” constituíram os mais comuns pretextos em matéria de propaganda. À medida que avançava o Renascimento, o iluminismo e se aproximava a era mercantil e, com ela, o surgimento de uma certa sofisticação ocidental, cultural e tecnológica, resultante do imenso capital apropriado à força, o pretexto religioso foi sendo abandonado em prol de motivações mais consentâneas com os novos tempos.

Neste quadro assistimos ao surgimento dos pretextos civilizatórios, chamando “selvagens” a todos os que se visava explorar. Já em África, os alemães diziam para si próprios que estavam ali para “civilizar” os negros. O mesmo disseram os portugueses, holandeses, belgas e outros. Todos queram as imensas riquezas africanas ou americanas, mas o objectivo mesmo era o de “civilizar”. Tratava-se de um imenso ímpeto “altruísta”, mas que resultou sempre em tráfico negreiro, genocídio, subdesenvolvimento e guerra com fartura. Neste quadro, nenhum Império foi tão longe como o britânico.

Este imenso altruísmo vivia muito do racismo. O racismo e o supremacismo branco, que foi sendo utilizado para desumanizar os inimigos e tornar aceitáveis as violências contra eles praticadas. Não nos admiremos, pois, que, após quase 8 séculos de tentativas frustradas de conquistar a Rússia, por parte dos impérios ocidentais – que acontecem ao ritmo de 1 a 2 vezes por século -, o que não falte para aí seja russofobia e racismo anti eslavo. Os próprios nazis ucranianos, hoje tão brindados no Ocidente, são os primeiros a dizer que têm estudos que “confirmam que os ucranianos têm sangue europeu e os russos não”. Sintomático.

A esta crescente russofobia não serão alheias as declarações de Pistorius, o Ministro Alemão da Defesa. Alemão que é como quem diz, que sabemos bem a quem ele responde de facto. E o que diz Pistorius? Disse: «temos de nos habituar novamente à ideia de que o perigo de guerra pode estar a pairar na Europa. E isso significa: temos de nos tornar aptos para a guerra. Temos de estar aptos para a defesa. E posicionar a Bundeswehr e a sociedade para isso», disse esta corajosa salsicha ao programa da pública ZDF «Berlin direkt». Que morram os filhos dos outros!

Este tipo de tiradas já vem, como cereja no topo do bolo, de uma preparação ideológica mais típica do imperialismo estado-unidense do que de qualquer outro. Afinal, todo o desmoronamento para o precipício a que hoje assistimos, acontece no quadro de uma substituição do ímpeto justificador “civilizatório” dos séculos XVIII, XIX e inícios do XX, pelo ímpeto “democrático” ou “humanista”, ao abrigo do qual se justificam guerras, sanções, embargos e todo o tipo de agressões, porque “eles são uma autocracia”, “uma ditadura” ou “violam direitos humanos”. Como se, alguma vez, fosse aceitável fazer o mal, em nome do bem.

No caso do Médio Oriente, assistimos a uma escalada no mesmo tipo de ideologia: o “eles são terroristas”, ou seja, já no quadro de uma lógica securitária. Seja o religioso, o civilizatório, o humanista ou o securitário, todos estes pretextos visam o mesmo tipo de objectivo: desumanizar quem se ataca, para que se torne aceitável fazê-lo. E o facto é que funciona.

E funciona tão bem que o cidadão europeu e americano, em geral, surge tão moralmente condicionado e tão cognitivamente desarmado, por séculos de propaganda desumanizadora (95% dos filmes de Hollywood representam os árabes como terroristas, bandidos, ignorantes ou desorganizados)  e estigmatizadora dos povos que se querem dominar, que deixa de possuir qualquer defesa contra estes processos, sendo facilmente presa de justificações falaciosas e sem fundamento material, moral, democrático, civilizacional ou religioso.

Este bloqueio emocional que horas a fio de TV produzem no carácter de um indivíduo que não o impeça, produz uma total incapacidade destas pessoas se colocarem no lugar das vítimas. Veja-se só esta contradição: uma parte crescente da população ocidental acha justificável votar na extrema-direita reaccionária, fascista, racista, apenas porque se sentem zangados com o estado das coisas. Incapazes de perceber – em função da muralha cognitiva que construíram – de onde vem o ta “estado das coisas”, justificam a adesão a ideologias extremistas, ao ódio, à ignorância e também à violência porque “nada muda”, “os políticos são todos corruptos”, “cada vez isto está pior”. 

Mas são estes mesmos, que justificam o seu comportamento incivilizado com as “dificuldades”, os que mais atacam a adesão do povo de Gaza a organizações mais ou menos apologistas da acção violenta. Quer dizer, um tipo chega sem dinheiro ao final do mês, mas não passa fome nem vive na rua, acha que tem direito a estar tão zangado que pode tornar-se fascista, racista e reaccionário; mas um árabe que perde a sua casa, a sua família, a sua liberdade, a sua pátria e a sua dignidade, todos os dias, várias vezes ao longo de mais de 75 anos, já não tem direito de optar por soluções mais extremas e violentas!

É preciso ter uma incapacidade para a fraternidade, para a compaixão, para a compreensão e para a solidariedade, capaz de destruir todos os laços sociais. Eis porque razão também as sociedades ocidentais se estão a desagregar, vítimas deste individualismo narcisista atroz. Fechados nas suas bolhas, acham tudo aceitável, se não os afectar; quando são afectados, tudo passa a ser aceitável. Eis também, porque razão consideram que um qualquer direito de defesa justifica tão elevado nível de atrocidade e tão desproporcionada resposta.

Não admira que andem atrás de políticos que dizem que acabam com os subsídios, que muitos deles recebem, com os serviços públicos que usufruem, ou com os direitos laborais que lhes permitem gozar férias e feriados. Para tudo olham como sendo distante e apenas afectando os outros.

Mas não, e a prova é, uma vez mais, o que se passa aqui. A mesma “democracia” que diz que um país é democrata, mas que pode, mesmo assim, descarregar o equivalente a duas bombas de Hiroxima em cima de um campo de concentração com 40 km de cumprimento por 10 de largura, é a mesma “democracia” que assiste a uma administração – Biden – deslocar a maior mobilização militar para o Médio Oriente desde 2003, o ano da infame – e, porém, “aceitável – invasão do Iraque. E tal mobilização que indicia intenções que vão muito para além da simples “defesa” do Estado sionista, para que “se defenda” até tudo matar, denunciando perspectivas belicistas que podem resultar na terceira guerra mundial e, tudo isto, sem qualquer respaldo parlamentar. Tal como nos vassalos europeus quando, por ordem de uma burocracia europeia não eleita, os respectivos governos aceitaram intrometer-se numa cruzada contra a Rússia sem qualquer discussão ou escrutínio na casa da democracia, que é o Parlamento.

O mesmo “estado de direito” que dizem ser Israel – que convive com dezenas de anos de ocupações violentas, extorsão e prisões arbitrárias de todos os que se opõem permitindo o mais evidente abuso de direito, e que transforma a legitima defesa (defesa de quê?) num direito a exterminar -, é o mesmo “estado de direito” que, já no Ocidente, permite que a burocracia de Bruxelas censure a informação em Portugal e que empresas americanas de comunicação (redes sociais) nos persigam a liberdade de opinião com as suas “regras da comunidade”.

É que, se pensam que o que se faz aos outros não tem influência em nós… vejam bem a História, porque o que permitimos aos outros, é o que permitimos a nós próprios, quando a justificação aparecer. E por isso é que, cada vez mais, se comprova a verdade universal a que Che Guevara aludia: enquanto não formos todos livres, ninguém é livre!

Porque podemos sempre ser alvos da mesma opressão que hoje justificamos contra os outros!

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