Se dois elefantes incomodam muito menos

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 16/03/2021)

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A desistência meteórica do candidato da Iniciativa Liberal a Lisboa são águas passadas, mas deixam uma dúvida e uma certeza. A dúvida nunca será esclarecida: o empresário explicou que saía por ser pai e que era uma questão de verticalidade e mais não disse, embora três dias antes tivesse anunciado a sua candidatura como pai e, presume-se, remetendo para razões de verticalidade. Em qualquer caso, estou entre quem entende que razões pessoais e familiares dessa ordem devem ser respeitadas e que ficam fora do âmbito do debate público, pelo que o assunto fica encerrado, secundarizando a anedota da nacionalização da TAP, que terá tido o seu papel na desistência. A certeza, em contrapartida, é mais pesada. É que, agora que os recentes partidos começam a apresentar outras candidaturas além da sua inicial figuração unipessoal, o país fica a conhecê-los melhor, com grande vantagem para a evidência, mas nem sempre para essas forças políticas.

Para estes partidos, sair da luz de um ícon para a realidade da vida tem frequentemente corrido mal, constituindo provações esclarecedoras. Por ordem cronológica, no caso do Livre deu afastamento imediato da sua primeira eleita. No do PAN, deu exílio de uma deputada e um eurodeputado. No da IL, a mais importante candidatura autárquica retirou-se mal se apresentou. No do Chega, a proposta para Lisboa exibe uma cândida mistura de telepopulismo e de negócios estapafúrdios que será uma mina para os caricaturistas, e veremos as surpresas com que as listas seguintes nos vão brindar. A apresentação e rápido desaparecimento de algumas agremiações, como o PDR (chegou a ter dois eurodeputados) e a Aliança (criada por um ex-primeiro-ministro), demonstraram como as sucessivas eleições revelam a resistência do material.

É por tudo isto que o teste do segundo elefante, e seguintes, é tão importante. Nas eleições autárquicas vão ser manadas de elefantes. E terão a sua história, os seus passados, as suas ideias, terão sido abundantes em Facebook e Twitter, haverá rastros cintilantes. Vai ser um jardim zoológico colorido. O discurso deixa de poder ser tutelado, passa a ter múltiplos protagonismos, os debates vão ser uma farra, muita desta gente vai vangloriar-se da sua idiossincrasia, sobretudo em partidos de arrivismo, que não têm consistência construída e candidaturas seleccionadas em histórias de movimentos sociais, de referências políticas e de tradição de atividade coletiva, e mesmo aí se cometem erros.

Vai haver quem aspire a uma carreira, vai haver quem espere ser o próximo chefe, haverá dinheiros discutíveis, contas estrambólicas e propostas alucinantes. Nenhuma lei da rolha será suficiente para parar a enxurrada. Este processo de desencantamento, que pode ser tão fulgurante como a ascensão inicial, ou que em todo o caso marca a fotografia da equipa, é a prova do elefante.

O tempo é o grande construtor. Nenhum elefante lhe passa despercebido, só lhe podemos agradecer. Venham o segundo, o terceiro e todos os elefantes.


OS CABECILHAS DA PàF

(Carlos Reis, in Facebook, 30/07/2015)

Carlos Reis

    Carlos Reis

Os primeiros nomes escolhidos para encabeçar as listas de candidatos a deputados pelas duas filiais portuguesas do PPE são da responsabilidade do PSD.

A justificar tal facto alega-se o método de Hondt mas a verdadeira explicação é bem mais prosaica – Portas e alguns dos seus abrilhantam uns números, compõem a moldura, animam os jornais, mas é o PSD que é a coluna vertebral desta candidatura, que põe toda a carne no assador. Serão sobretudo as suas bases a fazer o trabalho duro da campanha, a encher as salas, a dar os banhos de multidão na rua, a carregar as pessoas para os jantares. E será sobretudo a campanha de Pedro Passos Coelho – tudo girará em seu torno. Ele será o rochedo no qual as centenas de dirigentes do Partido se tentarão abrigar na tormenta desta campanha.

Estas listas são pois as listas de Passos. E como tal têm as suas características: listas da confiança do chefe, com nenhum risco ou aposta, nenhum espaço para abertura, pouca ou nenhuma independência, produto do aparelho.

Governamentalização, Fechamento e Esgotamento: os cabeças-de-cartaz escolhidos por Passos ilustram isso. E também algumas outras coisas sintomáticas:

1. UMA CERTA ARROGÂNCIA NA INSISTÊNCIA: quando há uns meses Pedro Passos Coelho elogiou em público o seu amigo Dias Loureiro ou quando há um ano colocou Miguel Relvas a encabeçar o Conselho Nacional do seu partido, ou quando agora confirma Marco António Costa como o seu nº 2, está apenas a querer dizer que o seu entendimento é superior ao senso comum. Ele é superior. Ele é que sabe. Nós, os portugueses, não percebemos nada. Coisas como a indignação das pessoas, ou comoção, ou alarme social, não interessam para nada. No fim as pessoas escolhem sempre o líder: ele sabe o rumo. Só ele sabe. É só por isso que um idiota como Carlos Peixoto é escolhido para encabeçar a lista da Guarda: escolher um tipo que ainda há dois anos escrevia contra a peste grisalha para encabeçar uma lista num Distrito onde há uma proporção tão grande de velhos e de reformados, é muito mais do que um insulto aos grisalhos da Guarda: é subestimar a sua capacidade de defenderem a sua dignidade. E ao escolher um idiota que ainda há uns anos afirmava que o casamento entre pessoas do mesmo sexo conduziria fatalmente ao incesto entre irmãos não é só uma prova de amadorismo numa liderança que despreza o vetting. É também um exercício de gozo displicente de Passos – sim ele às vezes também gosta de ser brincalhão. E acha que é nossa obrigação achar piada. E votar, ainda por cima.

2. A AUTO-SUFICIÊNCIA PERANTE AS DERROTAS: no mundo de Passos e deste PSD as derrotas eleitorais são meros episódios de carreira. Perder eleições não significa nada – não significa um juízo negativo dos eleitores. É apenas um azar. Como tal as derrotas não trazem consequências na carreira partidária dos seus protagonistas. Muito pelo contrário: era o que faltava o partido tirar ilações disso. No mundo de Passos e deste PSD é o partido que impõe a sua razão às pessoas não são as pessoas que ditam a sua razão ao partido. Por isso as caras das derrotas como Carlos Abreu Amorim (com um resultado desastroso nas Autárquicas em Gaia) ou Berta Cabral (protagonista da recente hecatombe eleitoral nas Regionais dos Açores) foram assim escolhidas. Eles são afinal de contas a confirmação reconfortante para o aparelho de que Passos e o PSD estão acima das pessoas.

3. O CÍRCULO DE CONFIANÇA: Jorge Moreira da Silva (em Braga), Maria Luís Albuquerque (em Setúbal), Teresa Morais (em Leiria), são o círculo indispensável. Por isso cada um vai agora destacado em missão para cada Distrito, e tal como os Apóstolos, com a missão de aí representar o Mestre. Pouco importando que alguns, como Teresa leal a Coelho, tenham de andar em roda-viva, estando metaforicamente e geograficamente em todas: deputada pelo Porto, vereadora em Lisboa, comentadora residente na TV de Carnaxide, e agora candidata por Santarém. Um vai-e-vem constante, em roda-viva. Um círculo de rodagem que serve para servir um círculo de confiança.

4. O FAVORITISMO PESSOAL: Todas as cortes têm os seus favoritos. E todos os Príncipes têm alguém de que possam pôr e dispôr. Calígula, o Imperador Romano, um dia nomeou o seu cavalo favorito, Incitatus, para o Senado de Roma. Felizmente que já não vivemos hoje os tempos dos imperadores. Nem na era actual seria possível termos cavalos como senadores (embora ainda possamos ter autênticas cavalgaduras no Parlamento).

E como é óbvio, e é de justiça, Pedro não é nenhum Calígula. Mas como ser-se caprichoso não é privilégio único dos doidos, também Pedro o entende ser: e a Deputada Nilza de Sena é nestas eleições o seu pequenino capricho. Enfiar a sua candidatura em Beja, no Baixo Alentejo, na região mais deprimida do país, não dirá nada aos alentejanos. Eles simplesmente não a conhecem, e provavelmente nem lhe ligarão nenhuma. Será apenas mais uma paraquedista, uma figura infelizmente comum a estes 40 anos de regime democrático parlamentar, e a todos os partidos, em que candidatos forasteiros e estranhos às terras e às suas pessoas caem por lá de pára-quedas, de 4 em 4 anos. Mas este episódio, esta escolha, revela muito da personalidade de Pedro – o aparelho do partido tem em Pedro a sua pedra angular, mas também tem em Pedro um príncipe que decide como lhe aprouver. Cioso da sua autoridade. É pois um capricho revestido de exercício de afirmação de mando. Ainda que com tal exercício fútil, Mário Simões, o deputado alentejano do PSD que andou 4 anos a tentar esforçadamente fazer o melhor que podia pelo Baixo Alentejo, se veja agora afastado e escorraçado por uma Nilza queque qualquer vinda de Lisboa. Mas afinal quem é a Nilza? Pouco importa. Tanto podia ser ela como outra nilza qualquer. Neste caso é uma familiar da sua mulher e portanto uma afim do líder. Mas podia ser outra coisa.

5. EQUILÍBRIOS E CONVENIÊNCIAS: o Ministro Maduro muito prometia – era a esperança de regeneração do partido, de um novo ciclo governativo, de uma requalificação do passismo. Mas, afinal de contas, passados estes dois anos, Maduro sai de rabo entre as pernas, recambiado de volta para a “vida académica”. Com ele vai também o Lomba dos briefings e do Programa Volte. E perdido o se protector, o seu pequeno núcleo de admiradores e protegidos, também vai ser agora corrido das listas onde ainda esperavam encontrar guarida. Ficarão de fora. O aparelho até pode engolir uma ou duas nilzas que não fazem mal a ninguém (a não ser aos pobres dos alentejanos da Distrital de Beja do PSD – mas que tem poucos votos e pouco ou nada conta em eleições internas a doer) mas o aparelho nunca reagirá muito bem a maduros como Maduro. Do seu grupinho sobrevive agora apenas António Leitão Amaro, um dos seus secretários de estado, e um dos jovens em ascensão no PSD. Esperto, saltou desse barco a tempo. Não foi em grupos. Além disso construiu uma boa rede de contactos na sua secretaria de estado. E as suas ligações familiares a um dos financiadores importantes e tradicionais do PSD também contam. O futuro do PSD vai também passar por Viseu. Estejam pois atentos.

6. OS NICHOS ELEITORAIS: os emigrantes que quiserem votar nos seus países de acolhimento terão de se recensear até para a semana: 4 de Agosto, terça-feira. Como provavelmente ninguém dos cerca de 400 mil portugueses que saíram da zona de conforto nestes 4 anos o fará a tempo, nem sabe nada disso, nem se conseguirá deslocar presencialmente aos consulados, isto quer dizer que o universo eleitoral realmente activo dos emigrantes será reduzido e controlável. A aposta do PSD é assim eleger 3 dos 4 deputados da emigração: por isso a aposta em José Cesário – ele é, fundamentalmente, um grande cabo eleitoral. Conhece e controla a rede consular. Conhece os caciques da emigração como ninguém. Apoia as suas associações e distribui os favores. Sabe o que faz. Sim: na representação da emigração também há clientelas. Não haja aqui dúvida: a sua escolha é para o PSD ganhar na emigração, sem o voto destes 400 mil mais recentes e mais piegas.

7. O NORTE: será no Porto, em Braga, em Aveiro, e em Viseu, que o PSD joga a vitória ou a derrota nas eleições. Tudo o PSD jogará aí. Como tal não se surpreendam quando o Aguiar-Branco (com hífen) colocar o pé na chinela e passar a deixar cair o hífen. Fica já um aviso para o Prof. Alexandre Quintanilha: não espere elevação nem decência da parte do seu adversário. Ele tem-se em grande conta – e tudo fará para se aguentar na pompa e na circunstância por mais 4 anos. Tudo. Mesmo tudo.

Estes são portanto os cabecilhas das listas. Mas será nos outros nomes secundários das listas da PàF que encontraremos o retrato completo destes 4 anos. E da tentativa de repetição nos próximos 4. Durante estes dias iremos conversar sobre isto – mesmo que propositadamente as listas venham a ser reveladas no último minuto já com as pessoas de férias. Porque a distração dos outros é sempre a vantagem de alguns.

As listas do PS – Parte II e epílogo

(Carlos Reis, in Facebook, 22/07/2015)

Carlos Reis

              Carlos Reis

O PS e António Costa concluíram esta noite, às tantas da manhã, o processo de elaboração das 22 listas que contêm os seus 230 candidatos a Deputados da Nação. Serão pois estas 22 listas, e estes 230 nomes, que os portugueses apreciarão agora. Ora, a esse respeito, e a respeito do caótico e feio processo político, deixo aqui algumas notas e considerações:

1. O processo de elaboração das listas do PS consituiu um enorme prejuízo político para o PS. Foi quase um Manual daquilo que uma força política alternativa não deveria fazer: nem vale a pena virem dizer que os erros são naturais. Que até são. Mas este atabolhamento, este frenesim, esta caça pública ao lugar, este ruído e balbúrdia nos jornais, são mais do erros. São defeitos. E demonstram uma coisa aos eleitores:o aparelho do PS é uma bolha e é uma federação de interesses.

2. António Costa sai deste processo com a sua autoridade política algo diminuída. E perdeu a enésima oportunidade de marcar pontos, e de ganhar a confiança das pessoas para uma mudança real. Obama dizia em 2008 “Change We Can Believe In” – a proclamação da mudança não funciona se as pessoas não acreditarem nem virem exemplos palpáveis. António Costa tem de fazer perceber ao seu partido uma coisa: a Mudança começa sempre em casa.

3. Sobre a renovação: sim e não. Sim, nos cabeças de listas. Alguns francamente mobilizadores, credíveis, entusiasmantes das suas comunidades. Mas NÃO no resto. Por cada cabeça de lista há um nº 2 que é um polícia do aparelho. Um Gauleiter distrital a reboque.

Um cabeça de lista disputa os votos, põe a cara no cartaz e nos panfletos, as pessoas acreditam, mas no fundo estão depois a votar também no patrão do aparelho. Naquele que vai exigir e repartir os lugares de nomeação estatal. Que vai exigir quotas para ao partido nos gabinetes, IEFP, Segurança Social, DREs, etc, etc. Por exemplo em Coimbra, a Prof. Helena Freitas, Vice-Reitora da Universidade, vai ter de levar com o número 2 que é o cacique da Distrital Pedro Coimbra, que no passado foi notícia por ter estado em esquemas duvidosos nunca cabalmente esclarecidos, e que profissionalmente é Administrador nas Águas de Coimbra, um lugar de indigitação política. Por exemplo em Santarém, Vieira da Silva vai ter de levar a nº 2 com o cacique da Distrital, e no Algarve, e em quase todo o lado, é a mesma coisa. Por cada cabeça, umas mãozinhas do aparelho.

4. O Presidente do PS fala em renovação exemplificando com 166 candidatos que não foram deputados nesta legislatura que agora acaba. Mas se a renovação é o regresso, em Lisboa, de Maria da Luz Rosinha, de Joaquim Raposo e de Edite Estrela, então estamos conversados quanto à renovação.

5. Alguns erros foram corrigidos como em Santarém (a Sanfona saiu, a Idália Serrão, fica como é justo e merecido) e em Coimbra (o deputado falsificador de eleições e de documentos saiu – para entrar em seu lugar o João Galamba) mas fica sempre a sensação de não se ter resolvido o problema a fundo. Costa foi frouxo. Costa não limpou. Por exemplo em Coimbra, o cacique da Distrital conseguiu manter o sogro na lista. E apesar de ter sido rebaixada na lista (na sua posição inicial entrou a deputada Elza Pais) o facto é que a namorada do cacique antecessor (Vitor Batista) continua na lista. Assim os dois líderes da Distrital de Coimbra fizeram tudo em família: um meteu o sogro, o outro quase mete a namorada. Convenhamos que substituir um deputado falsificador por um deputado notável como Galamba, e a namorada de um cacique, por uma pessoa do nível da Elza Pais, seria sempre o mínimo dos mínimos.

6. Bons deputados como a Isabel Moreira são recambiados para um 20º lugar. Mas gigantes intelectuais como o Miguel Coelho ficam acima nas listas.

7. A lista de Lisboa é lamentável. E isso é grave pois é aqui que o PS pode ganhar ou perder o país. Por isso quando um partido se decide a elaborar uma lista na lógica de conveniências (arranjar um lugar para Susana Amador para esta não ficar sem emprego quando tiver de sair da Câmara de Odivelas daqui a 2 anos) ou na lógica das quotas de interesse (enfiar o gasto João Soares no lugar de Álvaro Beleza) ou enfiar o inefável Lacão, é sinal que perdeu a noção do que os cidadãos querem.

Estas listas foram uma enorme oportunidade perdida para o PS. E uma grande falha de António Costa.