OS CABECILHAS DA PàF

(Carlos Reis, in Facebook, 30/07/2015)

Carlos Reis

    Carlos Reis

Os primeiros nomes escolhidos para encabeçar as listas de candidatos a deputados pelas duas filiais portuguesas do PPE são da responsabilidade do PSD.

A justificar tal facto alega-se o método de Hondt mas a verdadeira explicação é bem mais prosaica – Portas e alguns dos seus abrilhantam uns números, compõem a moldura, animam os jornais, mas é o PSD que é a coluna vertebral desta candidatura, que põe toda a carne no assador. Serão sobretudo as suas bases a fazer o trabalho duro da campanha, a encher as salas, a dar os banhos de multidão na rua, a carregar as pessoas para os jantares. E será sobretudo a campanha de Pedro Passos Coelho – tudo girará em seu torno. Ele será o rochedo no qual as centenas de dirigentes do Partido se tentarão abrigar na tormenta desta campanha.

Estas listas são pois as listas de Passos. E como tal têm as suas características: listas da confiança do chefe, com nenhum risco ou aposta, nenhum espaço para abertura, pouca ou nenhuma independência, produto do aparelho.

Governamentalização, Fechamento e Esgotamento: os cabeças-de-cartaz escolhidos por Passos ilustram isso. E também algumas outras coisas sintomáticas:

1. UMA CERTA ARROGÂNCIA NA INSISTÊNCIA: quando há uns meses Pedro Passos Coelho elogiou em público o seu amigo Dias Loureiro ou quando há um ano colocou Miguel Relvas a encabeçar o Conselho Nacional do seu partido, ou quando agora confirma Marco António Costa como o seu nº 2, está apenas a querer dizer que o seu entendimento é superior ao senso comum. Ele é superior. Ele é que sabe. Nós, os portugueses, não percebemos nada. Coisas como a indignação das pessoas, ou comoção, ou alarme social, não interessam para nada. No fim as pessoas escolhem sempre o líder: ele sabe o rumo. Só ele sabe. É só por isso que um idiota como Carlos Peixoto é escolhido para encabeçar a lista da Guarda: escolher um tipo que ainda há dois anos escrevia contra a peste grisalha para encabeçar uma lista num Distrito onde há uma proporção tão grande de velhos e de reformados, é muito mais do que um insulto aos grisalhos da Guarda: é subestimar a sua capacidade de defenderem a sua dignidade. E ao escolher um idiota que ainda há uns anos afirmava que o casamento entre pessoas do mesmo sexo conduziria fatalmente ao incesto entre irmãos não é só uma prova de amadorismo numa liderança que despreza o vetting. É também um exercício de gozo displicente de Passos – sim ele às vezes também gosta de ser brincalhão. E acha que é nossa obrigação achar piada. E votar, ainda por cima.

2. A AUTO-SUFICIÊNCIA PERANTE AS DERROTAS: no mundo de Passos e deste PSD as derrotas eleitorais são meros episódios de carreira. Perder eleições não significa nada – não significa um juízo negativo dos eleitores. É apenas um azar. Como tal as derrotas não trazem consequências na carreira partidária dos seus protagonistas. Muito pelo contrário: era o que faltava o partido tirar ilações disso. No mundo de Passos e deste PSD é o partido que impõe a sua razão às pessoas não são as pessoas que ditam a sua razão ao partido. Por isso as caras das derrotas como Carlos Abreu Amorim (com um resultado desastroso nas Autárquicas em Gaia) ou Berta Cabral (protagonista da recente hecatombe eleitoral nas Regionais dos Açores) foram assim escolhidas. Eles são afinal de contas a confirmação reconfortante para o aparelho de que Passos e o PSD estão acima das pessoas.

3. O CÍRCULO DE CONFIANÇA: Jorge Moreira da Silva (em Braga), Maria Luís Albuquerque (em Setúbal), Teresa Morais (em Leiria), são o círculo indispensável. Por isso cada um vai agora destacado em missão para cada Distrito, e tal como os Apóstolos, com a missão de aí representar o Mestre. Pouco importando que alguns, como Teresa leal a Coelho, tenham de andar em roda-viva, estando metaforicamente e geograficamente em todas: deputada pelo Porto, vereadora em Lisboa, comentadora residente na TV de Carnaxide, e agora candidata por Santarém. Um vai-e-vem constante, em roda-viva. Um círculo de rodagem que serve para servir um círculo de confiança.

4. O FAVORITISMO PESSOAL: Todas as cortes têm os seus favoritos. E todos os Príncipes têm alguém de que possam pôr e dispôr. Calígula, o Imperador Romano, um dia nomeou o seu cavalo favorito, Incitatus, para o Senado de Roma. Felizmente que já não vivemos hoje os tempos dos imperadores. Nem na era actual seria possível termos cavalos como senadores (embora ainda possamos ter autênticas cavalgaduras no Parlamento).

E como é óbvio, e é de justiça, Pedro não é nenhum Calígula. Mas como ser-se caprichoso não é privilégio único dos doidos, também Pedro o entende ser: e a Deputada Nilza de Sena é nestas eleições o seu pequenino capricho. Enfiar a sua candidatura em Beja, no Baixo Alentejo, na região mais deprimida do país, não dirá nada aos alentejanos. Eles simplesmente não a conhecem, e provavelmente nem lhe ligarão nenhuma. Será apenas mais uma paraquedista, uma figura infelizmente comum a estes 40 anos de regime democrático parlamentar, e a todos os partidos, em que candidatos forasteiros e estranhos às terras e às suas pessoas caem por lá de pára-quedas, de 4 em 4 anos. Mas este episódio, esta escolha, revela muito da personalidade de Pedro – o aparelho do partido tem em Pedro a sua pedra angular, mas também tem em Pedro um príncipe que decide como lhe aprouver. Cioso da sua autoridade. É pois um capricho revestido de exercício de afirmação de mando. Ainda que com tal exercício fútil, Mário Simões, o deputado alentejano do PSD que andou 4 anos a tentar esforçadamente fazer o melhor que podia pelo Baixo Alentejo, se veja agora afastado e escorraçado por uma Nilza queque qualquer vinda de Lisboa. Mas afinal quem é a Nilza? Pouco importa. Tanto podia ser ela como outra nilza qualquer. Neste caso é uma familiar da sua mulher e portanto uma afim do líder. Mas podia ser outra coisa.

5. EQUILÍBRIOS E CONVENIÊNCIAS: o Ministro Maduro muito prometia – era a esperança de regeneração do partido, de um novo ciclo governativo, de uma requalificação do passismo. Mas, afinal de contas, passados estes dois anos, Maduro sai de rabo entre as pernas, recambiado de volta para a “vida académica”. Com ele vai também o Lomba dos briefings e do Programa Volte. E perdido o se protector, o seu pequeno núcleo de admiradores e protegidos, também vai ser agora corrido das listas onde ainda esperavam encontrar guarida. Ficarão de fora. O aparelho até pode engolir uma ou duas nilzas que não fazem mal a ninguém (a não ser aos pobres dos alentejanos da Distrital de Beja do PSD – mas que tem poucos votos e pouco ou nada conta em eleições internas a doer) mas o aparelho nunca reagirá muito bem a maduros como Maduro. Do seu grupinho sobrevive agora apenas António Leitão Amaro, um dos seus secretários de estado, e um dos jovens em ascensão no PSD. Esperto, saltou desse barco a tempo. Não foi em grupos. Além disso construiu uma boa rede de contactos na sua secretaria de estado. E as suas ligações familiares a um dos financiadores importantes e tradicionais do PSD também contam. O futuro do PSD vai também passar por Viseu. Estejam pois atentos.

6. OS NICHOS ELEITORAIS: os emigrantes que quiserem votar nos seus países de acolhimento terão de se recensear até para a semana: 4 de Agosto, terça-feira. Como provavelmente ninguém dos cerca de 400 mil portugueses que saíram da zona de conforto nestes 4 anos o fará a tempo, nem sabe nada disso, nem se conseguirá deslocar presencialmente aos consulados, isto quer dizer que o universo eleitoral realmente activo dos emigrantes será reduzido e controlável. A aposta do PSD é assim eleger 3 dos 4 deputados da emigração: por isso a aposta em José Cesário – ele é, fundamentalmente, um grande cabo eleitoral. Conhece e controla a rede consular. Conhece os caciques da emigração como ninguém. Apoia as suas associações e distribui os favores. Sabe o que faz. Sim: na representação da emigração também há clientelas. Não haja aqui dúvida: a sua escolha é para o PSD ganhar na emigração, sem o voto destes 400 mil mais recentes e mais piegas.

7. O NORTE: será no Porto, em Braga, em Aveiro, e em Viseu, que o PSD joga a vitória ou a derrota nas eleições. Tudo o PSD jogará aí. Como tal não se surpreendam quando o Aguiar-Branco (com hífen) colocar o pé na chinela e passar a deixar cair o hífen. Fica já um aviso para o Prof. Alexandre Quintanilha: não espere elevação nem decência da parte do seu adversário. Ele tem-se em grande conta – e tudo fará para se aguentar na pompa e na circunstância por mais 4 anos. Tudo. Mesmo tudo.

Estes são portanto os cabecilhas das listas. Mas será nos outros nomes secundários das listas da PàF que encontraremos o retrato completo destes 4 anos. E da tentativa de repetição nos próximos 4. Durante estes dias iremos conversar sobre isto – mesmo que propositadamente as listas venham a ser reveladas no último minuto já com as pessoas de férias. Porque a distração dos outros é sempre a vantagem de alguns.

Fazê-los sair da toca do coelho

 (Carlos Reis, in Facebook, 29/07/2015)

Carlos Reis

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Não nos iludamos: para as filiais indígenas do PPE vulgo PAF esta crise destes últimos 5 anos não foi um problema. Foi uma oportunidade e foi uma benção. Muitos deles não virão nas listas dos candidatos da PAF a deputados mas estão nas outras listas que contam: nos lugares de influência e de poder. Há toda uma visão da sociedade e do país que deriva da visão projectada que eles têm sobre si mesmos: a aferição de tudo pelo valor facial do seu próprio sucesso. O sucesso de cada um medido pelo que podem exibir e com que se podem comparar.

Alguns deles, sem este poder, nunca poderiam ter passado férias em lugares exóticos nem poderiam ter entrado um dia nalgumas lojas da Avenida da Liberdade. Muitos deles não poderiam ter-se valorizado com mestrados ou seminários ou pós-graduações num mercado cada vez mais exigente e formativo. Muitos casamentos, muitos colégios, muitos jantares e frequências dos sítios onde todos se apinham, teriam sido impossíveis sem esta oportunidade de ouro destes anos. Para alguns a passagem pelos gabinetes ministeriais não foi apenas um ofício bem remunerado: foi um passaporte para mudar de vida.

Muitos deles não poderiam ter passado para a “privada” e daí poderem tecer o seu rancor à função pública. Muitos têm o mesmo perfil social: provêm das mesmas raízes familiares de pessoas esforçadas e trabalhadoras mas fora das elites tradicionais. Olhem por exemplo para o percurso e para a biografia um Marco António Costa: é uma história portuguesa. Mas é também uma história exemplar e simbólica dos rapazes desta geração do PSD. Mal ou bem entraram nas elites – conquistaram o seu lugar. E tudo farão para dele não saírem.

Não são os factos nem a realidade do país que os importunarão: são mais impressionados e reconfortados pela resistência e pela resiliência do Primeiro Ministro do que pela sua impopularidade. Se for necessário conformarão tudo a essa medida do heroísmo esculpido a golpes de artigos do Obervador, de comentários nas TVs, de guerra nos Blogs e nas Redes. Pedro é a sua pedra e o seu rochedo. Enquanto de Massamá ele continuar a aguentar por todos, eles terão a sua posição política (e social, que para eles é a mesma coisa) assegurada.

Enquanto houver um líder em Massamá eles nunca terão de regressar, por sua vez, às suas antigas casas de Massamá. Pedro aguenta lá e em São Bento e responde por todos. Pedro é que conta.

Por isso, para ganharem eles tudo farão, inclusive esconder-se. A maioria deles fará um combate de guerrilha e insidioso. Não haverá limites estes meses. Por isso, descobri-los e expo-los é pois parte legítima de um combate político. Por isso depois de analisar as listas de candidatos a deputados aqui nesta semana, irei nas semanas a seguir àquilo que mais interessa: fazê-los saltar da toca do coelho. Colocar os seus nomes aos factos. Dar-lhes um rosto para o nosso escrutínio.

Mas, primeiro, e a partir de hoje, as listas.

As Listas do PAF – Em jeito de prefácio

(Carlos Reis, in Facebook, 27/07/2015)

Carlos Reis

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Naturalmente que irei estes dias aqui analisar as listas de candidatos a deputados pela PàF. Mas antes de o começar a fazer – e sobre a escolha dos principais cabeças-de-cartaz há umas coisas a dizer e a apontar – importa que diga desde já alguma coisa. Não que aquilo que aqui eu diga seja muito importante ou que sequer vá influir algo nas escolhas da direcção do PSD. Mas tenho de falar por uma questão de coerência e de verdade.

Todos nós temos na vida uma linha qualquer que traçamos e da qual entendemos não poder abdicar. Em relação ao PPD/PSD onde me filiei há 29 anos (primeiro só na JSD em Fevereiro de 1986) também eu tracei essa linha.

Não será aqui nem agora que fundamentarei cabalmente porque é que não me revejo neste PSD e porque é que não me sinto vinculado às suas actuais orientações. A minha afirmação aqui hoje é apenas e só o testemunho de um cidadão perante a sua rede de amigos e conhecidos: a constatação de que este PSD não tem lugar para mim mas também a minha teimosia de que eu nada fiz nem nada farei para ter lugar neste PSD e nesta filial do PPE. Como é óbvio eu passo relativamente bem sem a política partidária e o PSD ainda passa muito melhor sem mim.

Mas uma coisa é eu não ter lugar num determinado partido. Outra coisa bem diferente e que não poderei tolerar é impedirem-me também de ter lugar no meu próprio país. E, ainda muito pior, é saber que milhares de portugueses e de portuguesas como eu, possam ver a sua vida e os seus sonhos ameaçados por alguém que venha a falar em nome do meu partido. Isso não! Nunca em meu nome!

Isto para dizer que registo o facto de a Comissão Política Distrital de Lisboa ter aceite a indicação da senhora Isilda Pegado como candidata a deputada feita pela Secção de Mafra do PSD e de a ter remetido à consideração da Direcção Nacional do PSD para decisão. Sejamos claros: nada tenho de pessoal contra a senhora em questão. Cumprimentei-a, salvo erro, uma vez na vida. Provavelmente até haverá outros candidatos que terão mais acrimónia por mim: alguns se calhar até me passariam com o carro por cima se me vissem a atravessar a rua. Nem isto é nenhuma questão de bastidores ou de rivalidades partidárias: estou totalmente fora desse jogo, e por outro lado, até tenho amigos nessa Distrital que aceitou a indicação dessa senhora (dois desses meus amigos até são os Vice-Presidentes dessa Distrital).

E, como disse, a senhora em questão não me irrita pessoalmente em particular. Nem sequer é o seu conservadorismo social que me repugna: convivo com esse conservadorismo no meu país, em parte da minha família, na minha vida profissional, até no desporto. Sinto-o presente na Igreja de que ainda sou crente. Não estou em guerra contra ninguém nem me sinto numa luta civil sectária. Faço parte de uma sociedade complexa, multipolar, contraditória. Não sinto em mim nenhum zelo fracturante nem sonho com engenharias sociais. Tudo o que quero é uma sociedade decente onde todos e todas tenham direito a ser felizes por inteiro – como cidadãos inteiros e emancipados.

Mas a entrada do activismo reaccionário, pré-conciliar, anti-franciscano, e profundamente revanchista, que Isilda representará na futura agenda política, precisamente pela porta e com o microfone do PSD, que até ao ano passado sempre foi neutro em matérias de costumes, e que sempre encontrou lugar para todos, significa para mim um sinal intolerável.

Não serei pois tolerante com quem me não tolera. E não assistirei calado à transmutação do PSD num sucedâneo de um qualquer movimento tradicionalista rançoso, de uma espécie de Cruzada Nun’Álvares serôdia, com uma agenda e discurso codificado semelhante à da direita fundamentalista americana actual.

Se o PSD pensa que tem muito a ganhar com Isilda Pegado ou com outras Isildas e que por isso vai conseguir captar em Lisboa muitos votos dos fiéis que a Obra ou o aparelho do Patriarcado lhe garantam, isso é lá com eles. Que Isilda lhes faça bom proveito. Mas não será em meu nome. E como é óbvio nunca o farão comigo calado.

Não serei cúmplice pelo silêncio. É certo que 29 anos da minha vida não se apagam facilmente assim de uma vez – mas o futuro dos meus semelhantes vale muito mais do que a nostalgia por um passado cada vez mais distante do que sou e do que ainda sonho vir a construir.