O Ferrari e a Geringonça

(In Blog O Jumento, 22/12/2016)

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O treinador do SCP designou as suas máquinas futebolísticas por Ferraris e questionou se o seu herdeiro no SLB teria unhas para conduzir o bólide que lhe deixou de herança. Mais ou menos pela mesma altura a direita designou o governo de maioria parlamentar por Geringonça e apostou que iria gripar ainda antes de crescerem as unhas a António Costa.

Passado um ano e apesar de se saber que nem as sondagens contam, nem há campeões de Inverno, constata-se que o treinador do Benfica parece ter unhas para Ferraris alheios enquanto a Geringonça parece estar bem oleada. Pelo contrário, a máquina do PSD parece ter gripado e só se ouvem rateres por todo o lado, enquanto o treinado do SCP conduz o seu calhambeque como pode, com esperança de não ser despedido antes do Natal.

2016 foi um ano dramático para a bola e a política. Na bola Jorge Jesus bateu todos os recordes, jogou melhor, foi o melhor treinador, mas perdeu o campeonato, na política Passos Coelho assegura que ganhou as eleições mas perdeu o parlamento, um esqueceu-se que a Liga de Futebol não é um concurso de beleza, o outro confundiu as eleições parlamentares com uma corrida de corta-mato, ambos ganharam o que dizem ter ganho e perderam o que queriam ganhar.

Chegados ao final de Dezembro o Pai Natal já meteu no sapatinho do Passos Coelho uma derrota eleitoral nas autárquicas e um ano de 2017 longo e penoso. No sapatinho de Jorge Jesus já lá estão oito pontos de atraso, que mais logo poderão ser onze. Passos Coelho bem pode dizer que não olha para as sondagens e Jesus pode assegurar ao Mustafa da Juve Leo que vai ser campeão que já ninguém acredita.

São cada vez menos os independentes que se deixam fotografar ao lado de Passos Coelho, como se o líder do PSD tivesse sarna, e são cada vez mais os sportinguistas que vão ao estádio devidamente equipados com um lenço branco no bolso, não vá a coisa correr mal. A Geringonça surpreendeu e o Ferrari parece não conhecer donos.

O futebol como ele é

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso, 06/06/2015)

Pedro Santos Guerreiro

                Pedro Santos Guerreiro

A coisa podia ser assim tão simples: Bruno de Carvalho comeu as papas na cabeça de Luís Filipe Vieira, de Jorge Mendes e de Marco Silva e, sabe-se com que dívidas, pagou um balúrdio a Jorge Jesus, deixando a nação primeiro gelada no pasmo e depois fervendo numa história que, consoante a análise, vai do brilhantismo à velhacaria. Mas a coisa não é assim tão simples. Aliás, essencialmente, não estamos sequer a falar de futebol.

Corrupção durante mais de uma década da FIFA, com dirigentes indiciados por subornar e enriquecer. Suspeitas de viciamento nos 4-0 do Benfica-Penafiel, a favor de apostadores que ganharam uma pipa por acertarem no resultado. Esquemas palacianos financiados por empresários e regimes detestados para o Sporting tirar Jesus ao Benfica. Se isto é futebol, então o futebol ao mais alto nível não é de alto nível.

Isto não é um dérbi, é uma guerra. No Benfica, Jesus e Vieira quiseram tanto disputar o pedestal do mais amado que de lá tombaram ambos, o primeiro porque enganou, o segundo porque foi enganado. Na verdade, ambos se destrataram, mas Vieira nunca pensou ser toureado desta forma. Tudo está ferido, mas nada mais o está do que o orgulho. O Benfica entra na próxima época com menos dinheiro, com menos equipa e com um treinador que será, pelo menos ao princípio, menos que Jesus.

No Sporting, é ao contrário. Entra na próxima época com mais dinheiro, com mais equipa e com o melhor treinador em Portugal. Bruno de Carvalho porta-se muitas vezes como um rufia, mas orgulho foi precisamente o que a sua presidência devolveu aos adeptos, resgatando-o do lugar envergonhado para onde ia sendo remetido.

Isto não é um dérbi, é uma guerra. E o Sporting goleou o Benfica — arriscando não se sabe ainda o quê. Ou quanto.

Com este movimento, que é inteiramente seu, Bruno de Carvalho passa definitivamente a ser respeitado por aqueles que sempre o subvalorizaram — mas é um respeito mais por medo que por grandeza. Esta jogada é brilhante, embora seja velhaca no tratamento a Marco Silva, o frágil da história. E tem riscos. Falta contar o lado B da operação: que poder, controlo ou negócios teve Bruno de Carvalho de ceder em troca do suporte financeiro de gente sinistra do regime guineense e de Álvaro Sobrinho, o antigo presidente do BESA. Bruno de Carvalho, que sempre criticou (e bem) o esquema de fundos e de agentes que se serve dos clubes para extrair dinheiro parece ter dado um salto de fé que, se correr mal, pode criar servidão. Porque o dinheiro vem de algum lado e ou é dívida financeira ou deixa dívidas junto de alguém. É um tudo ou nada.

Um país que tem o escândalo do BES pode pensar que não deve armar-se em carapau de corrida com grandes moralismos sobre o futebol. Dizer que aquele mundo é assim, é cada vez mais assim, e o Sporting, depois de ver o FC Porto e o Benfica liderar esse mundo que é assim, deixou-se de peneiras e ganhou uma batalha, surpreendendo o adversário por usar as armas que este costuma controlar, razão pela qual o Benfica foi negligente e ultrapassado. A próxima época vai ser um festival de emoções. E o futebol é cada vez mais um mundo de jogadas do que de jogos. Nesta jogada, o Sporting goleou o Benfica. Arriscou tudo o que tem — e provavelmente também o que não tem. Neste campeonato pequeno, voltámos a ter três grandes. Esperemos que corra bem. Lá do alto da estátua, o Marquês de Pombal deve estar banzo.

Há petróleo em Alvalade?

(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 05/06/2015)

Nicolau Santos

Nicolau Santos

Para lá da forma lamentável como a direção do Sporting está a tratar Marco Silva e para lá da surpreendente mudança de Jesus para Alvalade, verdadeiramente espantoso é como de repente há imenso dinheiro em Alvalade. E ou se trata de uma gestão genial ou de uma gestão vudu.

Sim, sabe-se que a SAD teve um resultado positivo de 22,1 milhões de euros nos primeiros nove meses do exercício de 2014-15, para o que contribuíram os 10,7 milhões das receitas da Champions, o aumento da venda de bilhetes (mais 3,4 milhões), patrocínios e publicidade (2,5 milhões), merchandising (um milhão) e direitos de transmissão televisiva (um milhão). No total, as receitas operacionais aumentaram 19 milhões, atingindo os 44 milhões de euros.

Não adianta continuar a desfiar o rosário contabilístico. Do que estamos a tratar é de opções que podem fazer disparar os números no sentido positivo ou de levar o clube para uma situação insustentável. E é isto que importa discutir.

Não, não há petróleo em Alvalade. Mas Bruno de Carvalho conseguiu contratar, Jorge Jesus, algo impensável há uma semana. O que se pode esperar desta contratação do ponto de vista económico? Bom para já, uma enorme expectativa: quem contrata o treinador bicampeão nacional só pode apontar para muito alto, ou seja, a entrada na Champions (o Sporting tem de disputar a pré-eliminatória) e ganhar o campeonato, pelo menos. Não chega a Taça de Portugal ou a Taça da Liga para o investimento que o clube está a fazer.

Depois, surgem as perguntas. É claro que se espera que a contratação de Jesus potencie as receitas em Alvalade. Mas chegará isso para lhe pagar os 6 milhões anuais, mais o prémio de assinatura de cinco milhões? E para os reforços que ele seguramente vai exigir? Não há dinheiro de Álvaro Sobrinho nem da Guiné Equatorial? A SAD diz que não, mas os rumores são mais que muitos. E quem vai patrocinar as camisolas do clube de Alvalade na próxima época, agora que a PT está fora de combate e o BES implodiu? E como passa a ser a política salarial em Alvalade? Acaba-se a contenção?

Bruno de Carvalho fez uma jogada de mestre. Sabia que só podia abafar o despedimento de Marco Silva com a escolha de um nome sonante para o substituir. A contratação de Jorge Jesus foi genial. Resta saber se a história vai acabar bem.

E o que vai acontecer em matéria de utilização dos jogadores da academia de Alcochete? Jesus vai recorrer a ela e lançar novos valores vindos da escola sportinguista ou vai preferir, como fez no Benfica, a contratação de jovens da América Latina, que depois valoriza para serem vendidos a bom preço? Vai haver uma mudança da política desportiva do Sporting nesta matéria?

A outra questão tem a ver com o relacionamento que existirá entre Bruno de Carvalho e Jorge Jesus. Bruno, mais que um presidente, é um adepto com o coração ao pé da boca e a cabeça demasiado quente, Jesus também ferve em pouca água e não teme os confrontos. O potencial explosivo está reunido. Se Bruno pensa que vai continuar a entrar pela cabine adentro aos berros e a vociferar contra os jogadores está certamente enganado. Jesus não lho vai permitir. Veremos, pois, durante quanto tempo vai durar este idílio, nomeadamente quando acontecer uma derrota.

Uma coisa é certa: os jogos entre Sporting e Benfica, a partir de agora, vão ser bem mais tensos do que nos últimos 20 anos. Não sobretudo entre os jogadores, mas principalmente entre as claques organizadas. A polícia terá de estar muito mais atenta.

Finalmente, o caso de Marco Silva, que há menos de uma semana deu ao Sporting o seu primeiro troféu em sete anos, conquistando a Taça de Portugal. Bruno de Carvalho não está só a ser ingrato. Portou-se de forma lamentável ao não comparecer na reunião onde Marco foi despedido. E está a tornar-se patético quando invoca «justa causa» para despedir Marco Silva, com argumentos tão caricatos como não ter usado o fato oficial do Sporting num jogo. É mau de mais para ser verdade. O Sporting não é assim, o Sporting não pode ser assim, sobretudo para os que o servem com dedicação, esforço e devoção, conduzindo-o à glória.

Em qualquer caso, Bruno de Carvalho fez uma jogada de mestre. Sabia que só podia abafar o despedimento de Marco Silva com a escolha de um nome sonante para o substituir. A contratação de Jorge Jesus foi genial. Resta saber se a história vai acabar bem.