Os partidos políticos e as candidaturas independentes

(Carlos Esperança, 20/02/2021)

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À primeira vista repugna que os partidos tenham o monopólio das candidaturas. Impedir grupos de cidadãos de se proporem a uma junta de freguesia ou câmara municipal seria a restrição da liberdade de associação, mas o direito existe e os exemplos não são bons.

Parece que a reivindicação se prende com o aumento de facilidades para se constituírem listas de dissidentes partidários no assalto às autarquias, e na oportunidade para partidos sem representatividade se ocultarem sob pseudónimos.

O escrutínio do poder autárquico, exceto nas grandes cidades, praticamente não existe. Os jornais e emissoras de rádio locais raramente subsistem sem os apoios da autarquia e são, quase sempre, o eco dos interesses de quem as ocupa.

Aliás, é difícil saber o que é isso de independentes. De quê e de quem? Habitualmente, são os preteridos pelos partidos onde militam e cuja ânsia de poder é mais forte do que a fidelidade e as convicções ideológicas.

Em Coimbra, a ambição política de um respeitado Bastonário da Ordem dos Médicos, preterido pelo seu partido, o PSD, candidatou-se com um grupo onde predominavam docentes universitários, sob o pseudónimo de «Somos Coimbra», como se as outras candidaturas fossem, v.g., Viseu ou Bragança.

Perguntei a uma das responsáveis se eram de esquerda ou de direita, para eventualmente decidir o meu voto. Foi-me ‘explicado’ que não eram de esquerda nem de direita, tendo ficado elucidado. Eram de direita.

Neste momento, José Silva, então dissidente do PSD e que «foi Coimbra» é dado como o candidato do PSD. Foi mais sério como bastonário do que como militante partidário.

No Porto, o membro da alta burguesia e de grande património imobiliário, conservador e monárquico, concorreu contra o PSD, que o preteriu, e ganhou as eleições autárquicas contra Luís Filipe Meneses, sob o pseudónimo “Porto, o nosso partido”.

Quis ser o presidente da Região Norte na regionalização prevista, a que os exemplos dos Açores e Madeira provocaram hostilidade eleitoral, como se verificou no referendo que, uma vez feito, tornou ilegítima a regionalização política sem a sua repetição.

Podia multiplicar exemplos e refletir sobre a desagregação de partidos com dissidências provocadas por ambiciosos sob a designação de “Malveira, o nosso partido” ou “Somos Boticas” em que basta mudar o nome para cada freguesia ou município.

Quando são eleitos sob sigla partidária, ainda que designados independentes, podem os eleitores julgar o partido que os integrou, pela gestão ou eventuais desmandos do elenco municipal, o que não sucede com os autodesignados independentes.

No Porto, a provarem-se os benefícios com uma bolsa valiosa de terrenos adquirida por usucapião, e nebulosamente caída na família do autarca e dele próprio, que partido pode o eleitorado punir nas próximas eleições?

Os independentes políticos querem parecer filhos de pais incógnitos. Ignora-se a superioridade ética que os recomende.


Ao nosso lado

(José Pacheco Pereira, in Público, 16/03/2019)

Pacheco Pereira

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Em que países da Europa é que seria hoje possível fazer um processo por “sedição”? Dois: ­a Rússia e a Espanha. Neste momento estão a ser julgados em Madrid um conjunto de dirigentes políticos catalães eleitos, com funções na Catalunha durante o movimento pela independência, por “rebelião, sedição e peculato”. A acusação de “peculato” é ridícula, destina-se apenas ao esfregar das mãos dos seus adversários, dizendo que eles “roubaram” alguma coisa, quando a acusação diz respeito ao uso de dinheiros públicos, geridos pelo governo legítimo da Catalunha, para organizar os processos de referendo. Aliás, os argumentos jurídicos são a maneira neste caso de deixarmos de ver o essencial: estes homens foram eleitos para fazerem o que fizeram, contam com o apoio dos catalães e conduziram um processo pacífico destinado a garantir a independência da região da Catalunha, algo que não é alheio a direitos e garantias do próprio estatuto catalão e dos compromissos para a sua revisão. É um processo político puro, e os presos catalães são presos políticos puros.

A outra coisa do domínio do político é o silêncio cúmplice de toda a União Europeia, que não mexe uma palha perante o que se está a passar em Madrid, onde a comunicação social se comporta como partidária do “espanholismo” mais radical e mobiliza os seus leitores, ouvintes e telespectadores para exigirem a condenação dos catalães, como se de criminosos de delito comum se tratassem. Este silêncio cúmplice é mais uma pedra no abandono de valores da União, que se mobiliza para todas as causas longínquas e oculta as que estão bem dentro dela.

E não adianta vir com a demagogia de comparar o “nacionalismo” catalão com a onda nacionalista que atravessa a Europa, xenófoba, hostil às liberdades, populista, sobre a qual as autoridades europeias mostraram sempre grande complacência. O movimento independentista catalão é até o único exemplo, juntamente com o nacionalismo escocês, de um movimento pacífico, moderado, cosmopolita, com enorme apoio popular, mas sem nenhuma das perversões do nacionalismo basco do passado, nem do irlandês, nem, registe-se, do nacionalismo espanhol, uma das correntes políticas mais agressivas de Espanha, como, aliás, se vai ver em breve nas próximas eleições.

Mas, já o escrevi e repito, nós, nesta matéria, somos uma vergonha. Estamos ao lado da Espanha, cujo nacionalismo tememos ao longo de toda a nossa história, com raros momentos de descanso, e apenas de descanso porque a Espanha estava fraca, e fazemos de conta que somos os três macaquinhos de mão a fechar a boca, os olhos e os ouvidos. Os presos políticos estão lá e nós caladinhos a pensar que não é connosco.

Somos capazes de juntar umas dezenas de pessoas para causas remotas e obscuras – e quase sempre bem –, mas quanto a Espanha ou ficamos apáticos e indiferentes, ou, o que é pior, alinhamos com o coro espanholista. Esse coro vai varrer o PSOE e vai trazer o PP e o neo-PP, os Cidadãos, o Vox e muitos grupos junto dos quais o nosso Chega é um pacífico menino. O espanholismo dos dias de hoje, posterior à tentativa catalã, é genuinamente franquista, mergulha fundo na trágica história de Espanha do século XX.

Portugal e os portugueses não podem ter esta indiferença face à sorte dos nossos irmãos catalães a quem devemos também uma parte da nossa independência nos idos de 1640. A causa catalã está a passar momentos difíceis, mas só a cegueira é que pode pensar que vai desaparecer. Se os presos políticos catalães forem condenados, então aquilo que já é hoje o principal bloqueio da política espanhola, ancorando-a à direita, tornar-se-á uma fonte conflitual muito séria em toda a Espanha, onde a reivindicação nacionalista no País Basco, na Galiza e noutros locais vai mobilizar uma nova geração de desespero, e o desespero é mau conselheiro. Para Portugal, a doença espanhola vai chegar com um pólo espanholista agressivo aqui ao lado que irá condicionar a política portuguesa. E vai ter na nossa direita radical, na alt-right nacional que começa a organizar-se como grupo de pressão face aos partidos políticos que acha que saíram da linha, como o PSD, um apoio entusiástico.

Com a memória ainda fresca do passado recente da troika-Passos-Portas, não teriam por si próprios muita importância, porque a nostalgia de um passado escuro não chega para mobilizar para o futuro, mas o apoio de uma Espanha muito à direita pode ser um factor de desequilíbrio. Também por nós, deveríamos olhar para esse grupo de homens corajosos que estão a ser perseguidos e julgados em Espanha com um olhar mais solidário e comprometido.


OS PARTIDOS e os “ QUEBRADOS”!

(Joaquim Vassalo Abreu, 07/09/2017)

avulsa

Um Amigo, proprietário do BLOG “ ESTÁTUA DE SAL” que com alguma frequência tem publicado os meus textos, mandou-me hoje uma mensagem: “Então, já não escreve mais? Está de pena caída? Anime-se e regresse!”, escreveu ele. Eu respondi-lhe: “Tem razão. Talvez hoje regresse”.

A grande verdade é que, para quem muito escreve, os temas começam a repetir-se e a vontade de sobre eles escrever tende a desvanecer-se. Para quê falar de Cavaco se sobre ele já tudo disse? Para quê falar de Passos Coelho se o que mais disser só pode soar a redundante? Para quê atribuir valor a um Rangel ou a um Poiares se já antes os caracterizei? E de muitos mais? Não renego existir nem mim um certo desencanto.

Isto falando de Política e dos nossos, como é vulgar dizer-se, “ódiozinhos de estimação”, porque daqueles que apreciamos não nos surge apresentar defeitos! É da vida…

Mas a tudo o dito posso acrescentar um certo cansaço de tudo aquilo que nos vai sendo apresentado pela imprensa e televisões e que me têm levado a deixar de os ler e ouvir, pensando eu, no meu intrínseco íntimo, que tal advirá também de um certo relativismo a que me habituei na observação do mundo circundante e resultante de experiências de vida nos últimos anos sentidas.

Mas o mundo continua a girar, a vida continua a rolar e os pensamentos tendem a habituar-se a essa roda viva. Fatal como o destino e, por isso, aqui estou.

E aqui estou para teorizar acerca de um fenómeno que já não é novo mas que, agora e a propósito das Eleições Autárquicas, ganhou uma dimensão e uma exposição nunca vistas.

Nunca vistas, não só pelo fenómeno em si, mas também pelas particularidades, contradições e reflexos de um novo sentir, que uns apreciam e outros, como eu, vêm com alguma perplexidade e apreensão. É o fenómeno das “Listas Independentes”.

Poderemos perguntar-nos, “ab inicio”, da sua legitimidade, quando todos sabemos serem as Eleições Autárquicas umas eleições muito específicas, mas que tendem a representar, não o reduzido local onde todas as pessoas se conhecem, mas uma amostra nacional quando a amostra é muito mais larga ( grandes Municípios e grandes cidades e zonas urbanas) e onde, então, o “independente”, mesmo sendo conhecido, não representa por si só essa globalidade?

Essa é a questão e, por exemplo, vejo que em Lisboa, onde está neste momento a decorrer um debate na TVI, que não estou a seguir, não há nenhuma candidatura “independente”!

Quando intitulei este texto de “Partidos e Quebrados”, quis glosar com a situação e, havendo candidaturas independentes, considerar os Partidos efectivamente partidos, na sua real representação, e os Independentes “quebrados”, porque, observando a sua grande maioria, resultam da “quebra” da sua ligação a esses mesmos Partidos e tentando, sobre a capa diáfana da independência, arrebanhar os votos desse seu “quebrado” Partido!

Parece estranho o raciocínio, mas não o é. E vou dar alguns exemplos, deixando para depois a discussão acerca da importância dos Partidos na sociedade e na democracia.

E começo pela terra onde nasci, mas onde não voto, Esposende. A Câmara é e sempre foi do PSD ( o meu Pai brincando dizia que bastava colocar num espantalho uma seta virada para o céu que o espantalho ganhava) e o actual presidente naturalmente recandidata-se. Pois o anterior a ele, também do PSD, também se candidata, como Independente, claro, mas não concorre pelo PS ou qualquer outro Partido: concorre como Independente e, como quase todos eles, escolheu o óbvio slogan: “Juntos Pela Nossa Terra”!

E o que eu observo é que muita gente amiga, e até familiar, o apoiam, mesmo sendo simpatizantes de outros Partidos, inclusive de Esquerda. Porquê? Porque reconhecendo ter sido o João Cepa um bom autarca, verem nesta candidatura uma forma de acabar com aquele monopólio que atrás referi. Mas a verdade é que o João não renegou a sua filiação e não concorreu por outro Partido! Gosto dele mas não levaria o meu voto!

Como não levaria nenhum outro suposto “independente”, seja ele candidato em Oeiras, em Coimbra, em Braga, em Sintra ou no arco da velha, com uma excepção: Vila do Conde! Terra que eu conheço muito bem, aqui minha vizinha e onde, à semelhança de Matosinhos, logo a seguir, as estruturas partidárias fizeram impor a sua vontade, no caso de Matosinhos aceitável e óbvia, mas provocando rupturas e listas independentes dentro do mesmo Partido, os tais “Quebrados”, mas não o sendo no Caso de Vila do Conde.

Em Vila do Conde há um senhor, que pode ser replicado por outros lugares, que esteve durante dezenas de anos como Presidente da Câmara e que, obrigado pela lei, não tendo possibilidades de se candidatar, não aceitou aquilo a que se chama “fim de ciclo” e, candidatando-se a Presidente da Assembleia Municipal, não abdicou de nomear a sua sucessora, que venceu pelo seu Partido as eleições e governou, e bem, os últimos quatro anos.

Que sucedeu então? Sucedeu que a Drª Elisa Ferraz ousou cortar o cordão umbilical, autonomizou-se e…foi agora rejeitada pelo seu Partido a favor de um vereador “yes man” que vem agora falar em “nova vitalidade”. Claro que a Drª Elisa Ferraz, e com toda a razoabilidade, candidatou-se como Independente. E provavelmente vai vencer, como eu espero, em nome da justiça e da sanidade.

Vão todos “Juntos pela nossa terra”, a sua terra melhor dito, seja ele o Valentim, o Isaltino, o Ferreira ou, no caso do Porto, o Rui Moreira. Mas este, com requintes de suprapartidarismo afirma ser o seu partido o Porto!

Qual será, então, o meu? O certo é que não é a Póvoa onde habito e voto, não é Esposende onde nasci, nem Paredes de Coura onde vivi, nem o Porto de quem tanto gosto…

Não tenho Partido, mas não sou Independente. Mas nunca “quebrei”!