Porquê um golpe de estado na Geórgia?

(Major-General Carlos Branco, in Jornal Económico, 17/03/2023)

Para desilusão de Washington e Kiev, Tbilisi não se enredou num conflito com a Rússia, para onde estes a empurravam, desde fevereiro de 2022.


A Geórgia tem vindo a ser assolada nos últimos dias por violentos protestos junto ao parlamento, em Tbilisi, com o objetivo de impedir a aprovação de uma lei sobre agentes estrangeiros. Visava essa lei registar Organizações Não Governamentais (ONG), comunicação social e outras entidades financiadas por organismos estrangeiros. Todas as organizações sem fins lucrativos e de media, com um orçamento financiado em mais de 20% por entidades estrangeiras, deveriam ser registadas como agentes estrangeiros.

Com essa lei, as organizações em questão passavam a ter de declarar quem as financia. Com a transparência que proporcionava, a sua influência na sociedade corria o risco de vir a ser severamente afetada. Não será, por isso, de estranhar que cerca de 300 ONG tivessem assinado uma petição a condená-la.

Os manifestantes acusaram os legisladores de preparar uma lei que visava reprimir a sociedade civil e atingir os media independentes. Afirmavam ainda que impediria a adesão do país à NATO e à União Europeia (UE). Num país como a Geórgia, permanentemente assolado pela interferência externa, faz sentido estabelecer um quadro legal que o proteja da ingerência de agentes estrangeiros nos seus assuntos internos.

Os EUA clamaram ser a lei similar a uma lei aprovada na Rússia, em 2012, ao abrigo da qual o Kremlin encerrou várias ONG acusadas de apoiar políticos oposicionistas, omitindo, no entanto, o facto de disporem de uma lei semelhante, aprovada em 1938 – Lei de Registo de Agentes Estrangeiros dos EUA (FARA) – que exige a divulgação das pessoas que façam lóbi nos EUA, em nome de governos estrangeiros. O Canadá irá também criar um registo de agentes estrangeiros, como já existe na Austrália.

O partido no poder, que desde 2012 tem vindo a ganhar sucessivamente as eleições, passou convenientemente a ser acusado de pró-Moscovo, apesar de nunca ter desistido da ambição do país aderir à NATO e à UE. Contudo, para desagrado de alguns, essas opções de política externa não o inibiram de estabelecer um diálogo com Moscovo, dada a dependência económica e geopolítica do seu vizinho.

Para desilusão de Washington e Kiev, Tbilisi não se enredou num conflito com a Rússia, para onde estes a empurravam, desde fevereiro de 2022. Esse sentimento esteve patente nos protestos, quando os manifestantes gritavam “Sukhumi,“ o nome da capital da Abecásia. Com a memória de 2008 presente, Tbilisi sabe exatamente quais seriam as consequências dessa aventura. Não cedeu e não alinhou em criar uma segunda frente contra a Rússia.

Segundo um dos instigadores dos protestos, Vano Merabishvili antigo primeiro-ministro e ministro do Interior, apoiante do antigo presidente Saakashvili, o objetivo confesso destas ações é realizar um golpe de estado. Segundo ele, a “Ucrânia não está sozinha”. A “nova liderança georgiana combaterá a Rússia e apoiará Kiev em tudo”. “Somos praticamente aliados; devemos estar juntos e juntos devemos celebrar a vitória não apenas sobre a Rússia, mas também da entrada na UE, na NATO.”

Como em Kiev-Maidan, em 2014, também agora Washington esteve por detrás desta tentativa de golpe de estado sedicioso com o objetivo de derrubar um governo democraticamente eleito, demonstrando assim que o leitmotiv da sua ação não é a luta pela democracia, mas sim a consolidação do seu projeto geopolítico hegemónico. Como sempre, a geopolítica acabou por falar mais alto. Por isso, a servil UE mandou o normativismo às urtigas.


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Os mapas não mentem!

(Hugo Dionísio, in Facebook, 10/03/2023)

A Geórgia encontra-se a braços com a tentativa de mais uma revolução “colorida”. Pelas ruas de Tiflis (Tbilissi) vagueiam as bandeiras da UE e da Ucrânia, às mãos de manifestantes, os quais pertencem aquela elite paga com os dinheiros do Ocidente, seja através de projectos da UE, ONGs da CIA e do MI6 ou das omnipresentes multinacionais.

No início da “operação militar especial”, as pressões dos EUA sobre o governo georgiano, com vista à abertura de um segunda frente na guerra, foram de tal modo sentidas que um dos seus governantes sentiu a necessidade de o tornar público, dizendo que “se atacarmos a Rússia deixará de haver Geórgia, portanto, não vemos o sentido desse ataque”. Pois, eles não viram, mas houve quem visse. Principalmente quem queria continuar a materializar no terreno a estratégia delineada pela RAND designada de “Stretching Rússia”, e que assenta no desenvolvimento de uma profusão de conflitos ao longo da fronteira do maior país do mundo, de forma a exaurí-lo de recursos e fazê-lo cair, partindo-se em 23 pequenas e – manipuláveis – nações.

Sentindo cada vez mais a ameaça vinda da CIA, o governo georgiano decidiu agir sobre a raiz do problema, ou seja, tentando controlar a porta de entrada dos agentes da CIA no país, constituída pela enorme rede de ONGs da USAID (agora reabilitada na Hungria), NED ou Freedom House. Tratam-se de ONGs para todos os gostos, da “democracia” à liberdade, passando pelo “combate à corrupção” ou pela “Igualdade pan-sexual”. Tudo muito humanista, mas apenas com um só sentido: alimentar nacionalmente uma rede de milhares de agentes, pagos pelo ocidente, que se infiltrem nas instituições do país, submetendo-o à vontade ocidental. Uma suportadas directamente pelos EUA; outras por colónias como Alemanha, França, Inglaterra ou Holanda.

O dinheiro nunca falta para dobrar nações à sua vontade, normalmente fazendo-as entrar em constrição, voltando as respectivas sociedades contra si próprias. Foi assim que na Ucrânia, povos irmãos, desataram a perseguir os falantes de russo, os ortodoxos, comunistas, sindicalistas e outros. É assim que, na Moldávia se prendem, perseguem e ostracizam os moldavos simpatizantes com a cultura russa, ou nos pigmeus bálticos se exaltam nazis, segregando centenas de milhares de cidadãos russos que lá ficaram do tempo da URSS, proibindo-os de votar, falar a sua língua… Tudo muito democrático e livre.

O que fez então o governo georgiano que tanto feriu os interesses do “povo” pró-NATO e que tanto fere os “valores” da democracia e liberdade, nas palavras dos suspeitos do costume? Bem… Fez-se o que se faz nos EUA e na UE para impedir que os “inimigos” abram aqui as suas agências de desestabilização. O Parlamento georgiano fez aprovar, democraticamente, uma lei que classifica como “agentes estrangeiros” as ONGs que recebam – do estrangeiro – um montante superior a 20% dos seus proventos.

O que é que isto tem de mal? Nada! É o mesmo que se faz por cá. Já pensaram no controlo que, na UE, se faz do financiamento das IPSS, das Associações ou cooperativas? Nos EUA e UE pratica-se a transparência, como forma de prevenir semelhantes actuações – veja-se como se perseguiu as associações dirigidas por russos -, nos países alvo apregoa-se o obscurantismo, a corrupção e a promiscuidade. É a imagem de marca do ocidente colectivo: apregoa-se o que dá jeito.

Mas o que isto tem de revoltante tem também de esperançoso. Afinal, são já vários os países, à volta da China, da Rússia e do Irão, que governados por defensores da sua soberania, se negam a deixar o seu povo servir de joguete e carne para canhão, regulando as fontes de financiamento das ONGs nacionais. A Malásia viu-se a braços, igualmente, com uma coisa do mesmo tipo, a qual, felizmente, fracassou.

Agora, vejam o poder de manipulação que estas organizações possuem: conseguem mobilizar dezenas de milhares de manifestantes, autênticos soldados de malfeitores, que queimam, partem e matam, se necessário for, promovendo uma revolta, não por causa da corrupção, dos salários ou da habitação: mas, por causa da transparência no financiamento das associações não governamentais!

Para se perceber o papel deste exército “soft”, é bom olhar para o mapa que junto. Quem é que, no seu juízo perfeito, olhando para este mapa, consegue dizer que é a federação russa que está ao ataque e a NATO é que se está a defender? Veja-se bem: cercada a ocidente pela Finlândia, Estónia, Letónia e Lituânia, o que falta para a NATO cercar todo o país e, assim, conseguir torna-lo numa espécie de buraco negro?

Na Bielorússia (a vermelho) tentou-se uma revolução colorida, reprimida pelas forças do tratado de segurança colectiva, e aprovando-se leis que restringem a actividade das ONGs ocidentais, classificando-as de “agentes estrangeiros”. Claro, de “ditador” para cima, Lukashenko foi culpado por defender o seu país da ameaça de se tornar uma frente de batalha, tal como Hitler o havia feito. Lukashenko é ditador por não querer que o seu país fosse uma Ucrânia.

A Ucrânia (a vermelho), já sabemos. É um país cujo regime traiu o seu povo e aceitou fazer de exército contratado, cumprindo os intentos de Washington, na compleição do cerco à Rússia. A Rússia tem demasiadas armas, gente, importância e recursos naturais, para ser deixada actuar livremente, especialmente se aliada à China.

A Crimeia (ver círculo), que em 2014 esteve às portas de se tornar uma base da NATO, caso o tivessem conseguido, impediriam o acesso militar da federação russa ao Mar Negro e a qualquer porto de águas quentes. Daí a importância desta península.

A Georgia, a azul, tendo um governo pró UE, mas não russofóbico, está a braços com uma revolução colorida. Dado o seu tamanho e a dimensão do exército, a cair na esparrela montada pela CIA, deixará de existir. Uma vez mais, um governo é atacado pelo Ocidente por defender o seu povo, o seu território e a sua soberania.

O Azerbaijão, a verde, é outro que está em banho maria. Salva-o ter muitos hidrocarbonetos e poder, de alguma forma, “comprar” uma certa neutralidade. Mas, com o agudizar dos problemas da NATO no preenchimento do cerco… A ver vamos.

Já o Cazaquistão, esteve também a braços com uma revolução colorida, tal como na Bielorrússia, salvo pelas forças do Tratado de Segurança Colectiva – uma espécie de NATO da Federação Russa, mas efectivamente defensiva. No Cazaquistão, para além da regulamentação das ONGs, também se procedeu ao encarceramento de milícias para-militares apoiadas pela CIA e Turquia, tendo-se desmantelado também um conjunto de laboratórios biomilitares secretos, daqueles que são proibidos, mas que os EUA têm instalados à volta da RPC e FR.

Agora, faça-se um pequeno esforço de nos colocarmos na pele de um cidadão russo informado, que tem orgulho da sua pátria e da história, que conhece as ameaças e que, ao contrário de muitos europeus, não está preparado para prescindir da soberania do seu país, entregando-a nas mãos da Wall Street. Este cidadão, normalmente, de escolaridade elevada – uma coisa comum por lá –, na escola ou universidade, olha para um mapa destes e pensará que o seu país é agressor e encontra-se em fase de expansão “imperial”? É isto que ele vê no mapa?

Ou será que vê antes um cerco a ser construído à volta do seu país e, olhando para os anos 90 e o que aconteceu à URSS, tende a pensar que os EUA querem isolar, submeter e destruir o seu país. E pensando isto, como será que fica este cidadão? Contente? Será que fica optimista com a perspectiva de ver a sua pátria cercada, isolada e destruída?

Ah! Mas se se submetesse… Não, se se submetesse, acontecia-lhe o mesmo que aconteceu à URSS quando Gorby e o presidente com mais álcool no sangue da história mundial – Ieltsin – o fizeram: o país colapsou, partiu-se e entrou em profunda crise, tal como os que se apartaram.

Depois, este mesmo cidadão, olha para a UE, a qual, dominada pelos EUA, se suicida de forma agradável e quase sem resistência popular; olha para o Reino Unido, o qual já é o país ocidental com mais crianças com fome, e os seus serviços secretos chegam ao descalabro de anunciar um relatório a que diz: “soldados russos recém mobilizados, por falta de munições, combatem com pás”, numa espécie de eterno retorno da união operário camponesa, mas desta feita, sem foice e martelo, mas com pás… Depois, os EUA rebentam com o Nord Stream mas colocam a culpa nos ucranianos. E olhando para isto, para esta degradação desenfreada, o que pensa?

O mapa não mente!

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