Tudo em família

(Paulo Morais, in Jornal de Notícias, 24/07/2017)

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O novo secretário de Estado António Mendonça Mendes é irmão da deputada e dirigente máxima socialista Ana Catarina Mendes. Esta, por sua vez, é casada com o antigo ministro Paulo Pedroso. Uma ligação excecional na política portuguesa? Infelizmente, não. Este absurdo é o corolário lógico dum sistema político dominado por laços familiares.

No Governo, Parlamento e na alta administração pública, estamos cheios de casados, primos e cunhados. O ministro Eduardo Cabrita é casado com Ana Paula Vitorino, que também integra o Governo. Já a secretária de Estado adjunta de António Costa, Mariana Vieira da Silva, é filha de outro Vieira da Silva, o ministro da Segurança Social. A titular da Justiça, Van Dunem, é casada com o ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, Eduardo Paz Ferreira. A ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, é filha de Alfredo José de Sousa, ex-provedor de Justiça. Ainda no atual Executivo, temos o secretário de Estado Waldemar de Oliveira Martins que é filho de Guilherme Oliveira Martins, ex-presidente do Tribunal de Contas e atual presidente do Conselho Fiscal da Caixa; este, por sua vez, é cunhado de Margarida Salema, que preside à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos; esta é irmã da deputada Helena Roseta, casada com o ex-ministro Pedro Roseta, que é cunhado do também ex-ministro António Capucho. Elisa Ferreira, administradora do Banco de Portugal, é casada com Freire de Sousa que preside à Comissão de Coordenação do Norte.

No Parlamento, também os cargos políticos se congeminam no lar. O exemplo familiar mais exótico nos dias de hoje é constituído pelas gémeas Mariana e Joana Mortágua; o mais romântico será constituído pelo casal de deputados Teresa Anjinho e Ricardo Leite. Na Assembleia da República, cruzaram-se, ao longo dos últimos anos, mais familiares do que numa ceia de Natal: Luís Menezes, filho de Luís Filipe Menezes, Nuno Encarnação, filho do ex-ministro Carlos Encarnação, todos do PSD; e os deputados Candal, pai Carlos e filho Afonso, ambos do PS; a que se juntam Paulo Mota Pinto, filho do anterior primeiro-ministro Mota Pinto e da ex-provedora da Santa Casa da Misericórdia, Fernanda Mota Pinto; Clara Marques Mendes, deputada, é filha e irmã de dois outros Marques Mendes, António e Luís. António foi eurodeputado, Luís ministro e líder parlamentar; Teresa Alegre Portugal era deputada na mesma bancada do seu irmão, o histórico dirigente socialista Manuel Alegre.

A consanguinidade reina no… reino político. Paulo Portas, ex-ministro e líder do CDS, é primo do todo-poderoso socialista Jorge Coelho. O ex-secretário de Estado de Passos Coelho, João Taborda da Gama, é filho do socialista Jaime Gama, antigo presidente do Parlamento. António Campos, ex-ministro, é pai de Paulo Campos, deputado. O ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar é primo do Conselheiro de Estado Francisco Louçã. E este é cunhado de Correia de Campos, presidente do Conselho Económico e Social e ex-ministro da Saúde. A histórica presidente do Partido Socialista e ex-ministra dos governos de Guterres, Maria de Belém Roseira, é tia de Luísa Roseira, membro da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

Esta é uma lista interminável que se inscreve numa tradição que transitou do antigo regime. E que se manteve, transpondo – e suplantando até – a Revolução de Abril. O ex-ministro da Cultura Manuel Maria Carrilho é filho de um governador civil de Viseu, nomeado pelo Governo de Salazar. O presidente de Assembleia Constituinte da jovem democracia de Abril, Henrique de Barros, era cunhado do último chefe do Governo do velho fascismo, Marcelo Caetano. Em sua homenagem, o atual presidente da República herdou-lhe o nome. Marcelo Rebelo de Sousa é, ele próprio, filho de um ministro do Ultramar de Caetano.

E é neste quadro de sucessão dinástica que Portugal, uma arruinada República, mantém uma Corte decrépita, dominada por umas poucas dezenas de famílias que estão agarradas ao poder público e às benesses que este proporciona. Para aceder ao poder, não será necessário grande consistência política ou ideológica ou sequer sentido de interesse público. Em primeiro lugar, o que prevalece, são os laços de sangue.

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A tia Assunção a fazer um número. Saiu-lhe tão mal

(Por Penélope, in Blog Aspirina B, 17/01/2017)

Um autêntico número de circo

Um autêntico número de circo

 

O senhor mentiu! O senhor mentiu perante este Parlamento” – vociferava há pouco Assunção Cristas na AR, dirigindo-se a um impávido António Costa. Dizia ela que o acordo de concertação social não tinha ainda sido assinado, que tinha fontes seguras, seguríssimas e fresquíssimas segundo as quais não, não tinha sido assinado por todos. O senhor mentiu! Costa não se descompôs e respondeu-lhe que, embora não houvesse cerimónia oficial de assinatura, as assinaturas lá estariam (como já estavam, de facto, em curso).

Bom, para até o José Gomes Ferreira vir dizer depois, na SIC N, que a tia dramatizou (calma, a «tia» não é dele e, além disso, começou vergonhosamente por corroborar Cristas), que era evidente que o acordo estava firme e que a assinatura era uma mera formalidade, o excesso de calor acusatório e de drama correu mesmo muito mal à líder do CDS. Quanto ao Ferreira, o texto em rodapé na televisão confirmando a assinatura não lhe deu outra hipótese que não fosse reconhecer o óbvio, caso contrário estaria a pedir, por detrás da autoridade dos seus óculos, a demissão de António Costa.

Mas, para além deste número patético de agressividade com tiros de pólvora seca, Cristas ainda se atreveu a dizer que o Governo PS era minoritário e que buscava acordos para poder governar, pelo que, atenção, Costa não devia estar ali. Este lembrou-lhe que o seu governo não era de coligação, como o anterior, uma espécie de fusão, e fez-lhe um breve resumo do acordo específico estabelecido com os restantes partidos à sua esquerda e o que isso implica. Infelizmente, esqueceu-se de lhe lembrar que, se o PSD tivesse podido governar, uma aspiração chumbada por uma maioria na Assembleia mas que Passos continua a considerar viável, só poderia fazê-lo precisamente buscando acordos a toda a hora, numa base muito mais instável do que aquela em que o governo assenta. Há uma razão para estar na oposição.

Não tenho por hábito acompanhar, nem sequer ver mais tarde, os debates quinzenais na Assembleia, mas hoje deu-me para ir ver o que se tinha por lá passado. Diria que ninguém tem juízo e sentido de responsabilidade a não ser o governo. Consigo perceber a estratégia dos elogios de Costa ao PCP e ao Bloco e respectiva coerência, mas o que dizem e o que pretendem,  benza-os deus, é totalmente irrealista e o desprezo pelos chamados “patrões” é inaceitável, mesmo que Costa tenha repetido ad nauseam que 56% das empresas abrangidas pela baixa (transitória) da TSU têm menos de 10 trabalhadores e 80% menos de 50. Não interessa. Para esses partidos, ser patrão é uma espécie de crime e o seu mero estatuto faz deles uns malfeitores. Idem para os banqueiros. Obviamente, para eles, só o Estado pode ser patrão e banqueiro. Há pachorra para esta conversa? Não há.

O PSD parece que fez triste figura, como seria de esperar, mas confesso que não vi. Apenas as acusações de António Costa, que me pareceram suficientes para os arrumar.


Fonte: A tia Assunção a fazer um número. Saiu-lhe tão mal | Aspirina B

FEIOS, PORCOS E MAUS

Fonte: FEIOS, PORCOS E MAUS – JOSÉ MIGUEL SILVA

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Compram aos catorze a primeira gravata com as cores do partido que melhor os ilude. Aos quinze fazem por dar nas vistas no congresso da jota, seguem a caravana das bases, aclamam ou apupam pelo cenho das chefias, experimentam o bailinho das federações de estudantes. Sempre voluntariosos, a postos sempre, para as tarefas de limpeza após combate. São os chamados anos de formação. Aí aprendem a compor o gesto, a interpretar humores, a mentir honestamente, aí aprendem a leveza das palavras, a escolher o vinho, a espumar de sorriso nos dentes, o sim e o não mais oportunos. Aos vinte já conhecem pelo faro o carisma de uns, a menos valia de outros, enquanto prosseguem vagos estudos de Direito ou de Economia. Começam, depois disso, a fazer valer o cartão de sócio: estão à vista os primeiros cargos, há trabalho de sapa pela frente, é preciso minar, desminar, intrigar, reunir. Só os piores conseguem ultrapassar esta fase.

Há então quem vá pelos municípios, quem prefira os organismos públicos — tudo depende do golpe de vista ou dos patrocínios que se tem ou não. Aos trinta e dois é bem o momento de começar a integrar as listas, de preferência em lugar elegível, pondo sempre a baixeza em cima de tudo.

A partir do Parlamento, tudo pode acontecer: director de empresa municipal, coordenador de, assessor de ministro, ministro, comissário ou director-executivo, embaixador na Provença, presidente da Caixa, da PT, da PQP e, mais à frente (jubileu e corolário de solvente carreira), o golden-share de uma cadeira ao pôr-do-sol. No final, para os mais obstinados, pode haver nome de rua (com ou sem estátua) e flores de panegírico, bombardas, fanfarras de formol.