Os impérios e a hierarquia do poder

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 05/03/2023)

Os dirigentes europeus riem de quê quando vão a Kiev ou a Washington?

Washington, 3 de Março de 2023, o presidente Joe Biden recebe Olaf Sholz na sala imperial (oval) da Casa Branca. O presidente Biden, com visíveis dificuldades de expressão, lê umas fichas que tenta esconder no colo e profere as frases que lá devem estar escritas: Agradece a Olaf Sholz o apoio da Alemanha à Ucrânia.

A cena é reveladora e antiga: O velho imperador recebe o submisso e quase envergonhado governador de uma velha colónia e agradece-lhe o apoio que este está a dar a uma nova colónia, atacada por um império inimigo. A Ucrânia é um território nos confins do império, como em tempos foram a Germania, a terra dos tedescos, aqueles que não falavam latim, a Gália, a Pérsia e até a Escócia.

Os impérios sempre tiveram problemas nas suas fronteiras. Em 2023 o governador da província da Germânia, aquele que tem o poder subdelegado do imperador para a Europa, foi a Washington reafirmar fidelidade e prometer continuar a servir o imperador para este juntar a Ucrânia ao império.

Estamos a reviver uma situação clássica. A guerra na Ucrânia é uma guerra imperial e a primeira questão que os europeus deviam reconhecer (se tivessem estudado história) é que não são aliados do império: são súbditos. Do que se trata na Ucrânia é de um exercício de poder imperial. Todas as referências a Direito Internacional, a soberania, a guerras justas são fogo-de-artifício. O filósofo inglês Bertrand Russell definiu o poder como “a produção de efeitos pretendidos”, o poder reside, não na produção real de efeitos, mas sim, na capacidade de produzi-los. Trata-se neste caso e mais uma vez na capacidade dos impérios em produzir efeitos. O efeito, neste caso, é o do império apresentar uma ação de conquista de território e de disputa com outro império como a defesa de um direito de um pobre povo à sua liberdade, como um ato de desinteressada bondade em nome de sagrados princípios! Estamos na velhíssima história do Império do Bem contra os bárbaros para lhes levarem as delícias da sua civilização, mas neste caso sem enviar os seus legionários, mas enviando armas aos indígenas.

A guerra na Ucrânia só tem a ver com a balança de poderes e não com o direito internacional declarado igual para todos os países. É uma guerra entre superpotências, um conceito assumido nas relações internacionais, e, segundo Adriano Moreira, num artigo que mantem a atualidade da revista Nação e Defesa, de 1984 “um estatuto político que se ganha e que se perde à margem de quaisquer variações do direito internacional, que se relativiza conforme a definição real do teatro político em causa.

Adriano Moreira, que políticos e fazedores de opinião merecidamente referiram como um dos mais importantes pensadores portugueses do século XX na ocasião da sua morte, deveria ser lido e as suas análises (o que é muito diferente de opinião) serem tidas em conta para perceber o essencial do tempo presente e agir de modo a não cometer os erros do passado. Infelizmente os políticos, incluindo os dos topo do Estado, até nos elogios fúnebres são hipócritas. Escreveu Adriano Moreira sobre o sistema de poderes mundiais do pós-Segunda Guerra:

“A construção aristocrática da vida internacional implica, tal como na vassalagem do regime anterior, que a pirâmide hierárquica se torne mais complexa à medida que o teatro político se alarga. Assim, no Ato Geral da Conferência de Berlim de 26 de Fevereiro de 1885, é muito vasto o número de países que se assumem como diretório do mundo ao determinar as regras que presidirão à ocupação das terras ainda não “senhoriadas”, especialmente a África, e o conceito diferenciador é o de nações civilizadas. Todos os restantes países do mundo, a maior parte dos quais se chamará “terceiro-mundo” nos nossos dias, são considerados pequenas potências em relação aos signatários, e mantêm-se obrigados a aceitar a nova ordem.”

“No pacto da Sociedade das Nações (SDN), depois de feita a prova habitual e periódica da guerra (IGG), clama-se pela liberdade das nações, mas o Conselho consagra o princípio aristocrático ao designar os vencedores para seus membros permanentes, onde os EUA não entram por razões de política interna, mas onde estão presentes com o expresso reconhecimento, feito pelo Pacto, da doutrina de Monroe. O objetivo da experiência (política) nazi era o de hierarquizar os Estados europeus sob a supremacia de um Estado diretor, que seria a Alemanha, mas, ganha a guerra pela Grande Aliança dos países democráticos, o princípio aristocrático voltou a ser consagrado na Carta da ONU, ao definir a composição e competência do Conselho de Segurança. Apenas os membros permanentes: EUA, URSS, Inglaterra, França e China, possuem o chamado direito de veto e, definido o Conselho como mandatário de todos os Estados, a sua responsabilidade pela paz e segurança internacionais vem acompanhada da obrigatoriedade das decisões que tomar nesse domínio, podendo implementá-las pela força.”

“Todavia os factos evolucionaram de maneira que o permanente critério do poder efetivo faria desatualizar rapidamente os textos da ONU, para refinar o princípio aristocrático no sentido de produzir o conceito de superpotência, majestade dependente da posse do ”fogo nuclear.” O Acordo Russo-Americano de 22 de Junho de 1973 sobre a prevenção da guerra nuclear traduz a redução do estatuto de superpotências à URSS e aos EUA. São potências de primeira categoria, isto é, que podem reciprocamente atingir os respetivos territórios ou levar a guerra apenas aos territórios dos outros, e são de segunda ordem os membros do clube atómico que não podem ter mais ambição do que responder a uma agressão que os atinja na sua área territorial. A querela sobre os euromísseis, no ponto em que se apreciou se as armas inglesas e francesas devem ser tomadas em conta na avaliação geral, assenta no reconhecimento de que é de um segundo plano de potências que se está a discutir. (A Inglaterra e a França ) Pequenas potências, segundo o critério dos donos do poder estratégico do “fogo nuclear”, (EUA e URSS) que desenvolvem uma técnica de condomínio procurando assumir a direção dentro da sua área respetiva, de acordo com as suas tradições, experiências, e circunstâncias privativas. Naquilo que diz respeito ao campo soviético, as coisas foram sempre claras, quer na definição ideológica, quer na definição estratégica, quer na organização política do seu espaço. Os conceitos de pátria dos trabalhadores de todo o mundo, de fidelidade socialista, de internacionalismo proletário, são tudo expressões de uma qualificação de hegemonia, na qual a doutrina da soberania limitada é apenas outra forma de dizer o mesmo.” (O PCP deveria ler este último parágrafo.)

“Dentro da NATO foi oportunamente esclarecido que os EUA não têm que consultar os seus aliados quando se trata dos seus interesses mundiais, e por isso nós próprios (Portugal) tivemos a experiência de ver utilizar as facilidades das Lages sem consulta prévia, na emergência do Médio Oriente da guerra dos seis dias, não havendo dúvidas de que a segurança geral poderia ser afetada. A nova categoria de questões chamadas — fora da zona — que a NATO identifica como afetando a segurança do todo embora o conflito surja além dos limites geográficos da Aliança, parece claramente assente na interdependência mundial no sentido de tornar mais fluida a distinção entre questões mundiais dos EUA e questões regionais da NATO. Temos assim que o princípio da hierarquia das potências, de tradição aristocrática, é uma constante da cena internacional, mesmo nos períodos em que a organização se proclama essencialmente democrática desde 1945. Esta organização aristocrática (A NATO — Uma democracia de conveniência), naquilo que respeita ao direito internacional, ainda segue o princípio liberal de proclamar que a lei é igual para todos, aceitando porém que nem todos são iguais perante a mesma lei. Esta desigualdade é manifesta segundo várias perspetivas: a militar, a técnico-científica, a económica, a cultural, a funcional, embora a matriz principal da hierarquia continue a ser a primeira. Por isso, um dos mais notáveis professores do nosso tempo, Raymond Aron, conclui que o fenómeno da guerra ainda é o mais característico e autonomizador das relações internacionais, como disciplina científica, como objeto de estudo, e como variável determinante da hierarquia, das potências . […] O estatuto de grande potência das democracias coloniais europeias foi consumido na última grande guerra (II GM) como preço da vitória, para se encontrarem ”hoje” como o antigo inimigo alemão, na situação de dependência em relação aos dois antigos aliados que obtiveram a qualificação de superpotências. Que a guerra, e a maneira de a fazer, determinam a hierarquia, parece infelizmente de aceitar.”

Seguindo o pensamento de Raymond Aron, citado por Adriano Moreira, a hierarquia atual é a seguinte: superpotências, donas do “fogo nuclear” no plano estratégico, categoria que apenas parecem poder reivindicar a URSS, os EUA e a China; grandes potências, participantes na posse do “fogo nuclear”, formalmente identificadas como membros permanentes do Conselho de Segurança, mas colocadas no patamar dos teatros regionais, categoria em que entram as antigas grandes democracias coloniais que são a Inglaterra e a França, e o novo poder de potências médias, que eventualmente participam na posse do “fogo nuclear” onde podem ser incluídas potências como Israel, a União Indiana, o Paquistão, pequenas potências, as que têm à sua disposição apenas os meios clássicos de fazer a guerra ao menos defensiva, e nelas ainda podemos fazer distinção segundo o critério que se traduz em saber se possuem capacidade para reproduzir e sustentar autonomamente o seu aparelho militar, ou não.

Perante este cenário traçado por duas personalidades que pensam — Adriano Moreira e Raymond Aron — a conclusão é a de que a União Europeia dispõe apenas do “fogo nuclear” da França para suportar uma política autónoma no teatro mundial. O poder do Reino Unido está subcontratado pelos EUA e a Alemanha é um fabricante de armas convencionais para teatros regionais.

A União Europeia podia ter desenvolvido uma política de “interface” entre as três superpotências, uma estratégia de dependências múltiplas, que tem riscos conhecidos, mas também potencialidades viáveis de aproveitar a dissuasão nuclear que impede o confronto direto entre as superpotências para garantir um elevado grau de autonomia, bastando para tal um poder militar inibidor de ataques.

Os medíocres menos que dirigem a Europa, entre a cobardia e a falta de visão, preferiram a dependência e a alienação da sua liberdade (da nossa), no que é um caminho sem retorno e causará alterações radicais no modo de vida dos europeus, a quem será imposto o modelo americano de liberalismo, de desconstrução do estado social, isto porque quem dá o pão dá a educação. Pelo caminho alienaram os dois fatores que asseguravam os meios para sustentar o seu modo de vida: energia barata (o gás russo) e um mercado absorvedor dos seus produtos manufaturados de média e alta tecnologia, a Eurásia.

HIERARQUIA DAS POTÊNCIAS: DEPENDÊNCIA E ALIENAÇÃO — Nação e Defesa N 30 (1984)– Adriano Moreira


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Os riscos de atirar pedras às janelas do vizinho

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 22/02/2023)

Cão a ladrar à Lua (Miró)

Os conceitos de Estado e de Soberania tal como hoje os conhecemos surgiram no séc. XVI. Principalmente com «Os Seis Livros para a República», de Jean Bodin (1530–1596), o conceito de soberania integrava as características do poder absoluto com uma unidade que se sobrepõe à complexa rede de suseranias, de laços hierárquicos pessoais, ao parcelamento da autoridade, à confusão entre poderes públicos e privados existentes no feudalismo. O poder soberano passou a ser entendido como estando acima de tudo, como sendo um poder absoluto, autossuficiente, que não se sujeita a outro poder.

A invocação do direito de soberania da Ucrânia assenta nesta interpretação anacrónica e, acima de tudo, mistificadora, pois nunca existiu um tal tipo de soberania no Ocidente, nem no tempo do império romano, desde logo porque havia o papado de Roma como autoridade supranacional, e depois as alianças entre estados, de que a aliança luso-britânica foi um dos primeiros casos e a NATO e União Europeia os mais recentes.

O Estado moderno europeu nasceu depois da Guerra dos Trinta Anos (1618–1648), que veio a dar origem ao Tratado de Vestefália (1648) com requisitos específicos: ser nacional (povo e território), secular e soberano, esta condição entendida como «poder supremo e aparentemente ilimitado dando ao Estado capacidade não só para vencer as resistências internas à sua ação como para afirmar a sua independência em relação aos outros Estados».

Nos dias de hoje estas condições estão muito limitadas pela globalização. Nenhum Estado, nem mesmo as superpotências, como se vê na guerra na Ucrânia, é independente e dispõe de um poder absoluto. Todos são cada vez mais interdependentes e integrados em redes de organizações internacionais. Querer fazer de um estado quase falhado e dependente como era a Ucrânia, um estado dotado de poderes soberanos absolutos, como o de ameaçar o vizinho, alugando o seu território a um inimigo, é um ato que apenas tem justificação na medida em que quem morre pela causa americana são ucranianos, porque os mortos russos contam como elementos de desgaste do inimigo russo, um dos objetivos de quem patrocina a guerra por procuração.

A justificação para esta guerra do Ocidente alargado, sob o comando dos Estados Unidos, contra a Rússia para defender a soberania da Ucrânia é uma narrativa de herói de banda desenhada, ou de jogo de computador com muitos efeitos especiais, mas tem tanto de verdade quanto ade um assaltante de residências dar pedras a um pequeno rufia para ele ir partir as janelas da casa do polícia do bairro, justificando a oferta com a invocação da maldade intrínseca do polícia, que um dia, no futuro, atacará o rufia e prometendo-lhe mais pedras e maiores, ou até uma fisga!

A perversão do conceito maximalista de soberania tem raízes na matriz que a impôs como um direito geral e planetário. A igualdade entre os Estados-Soberanos consta do parágrafo primeiro, artigo segundo da Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) que reza: “a Organização das Nações Unidas é baseada no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros.” Mas há uns mais iguais que outros, os membros do Conselho de Segurança, que dispõem de direito de veto sobre as resoluções! E não existe nenhuma entidade de julgamento e punição das violações, o que torna a declaração um manifesto de boas intenções, na linha das normas de Santo Agostinho para a guerra justa. A realidade nega as doces palavras: A soberania não tem o mesmo valor para todos os membros. Cuba ou a Republica Dominicana não têm o mesmo estatuto de soberania dos Estados Unidos, a Ucrânia não tem os mesmos direitos de soberania da Rússia e o Tibete não tem os mesmos da China. São factos! O exercício da soberania exige meios e não sermões.

Outro truque de manipulação é o de confundir duas estâncias do exercício da soberania, a soberania interna e a externa. A força do Estado é relativamente autónoma no âmbito interno, mas no plano externo é necessário que os demais estados o reconheçam como pessoa internacional, o que exige que seja demonstrada a sua independência de outros. O que se observa hoje no mundo é que a soberania de muitos estados não passa de mera formalidade, o que inclui estados falhados, estados vassalos e estados provocadores.

Os Estado Unidos utilizaram Zelensky e os seus patrocinadores como dirigentes de um estado provocador, sem lhes dar os meios para sustentarem a provocação, como Israel o conseguiu. Mas o regime sionista de Israel foi instaurado em 1948 e o primeiro grande provocação aos vizinhos ocorrerá com a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quase vinte anos depois e a Guerra do Yom Kipur em 1973, vinte e cinco anos mais tarde. A utilização da Ucrânia como elemento provocador ocorreu oito anos após a implantação do atual regime na sequência da agitação da Praça Maidan, em 2014, um espaço de tempo muito curto para preparar uma provocação consistente, resistir e alcançar um estatuto de estado soberano que seja mais temido do que amado. O resultado está à vista.

A Ucrânia é hoje uma estado que serve ao Estados Unidos como o Grupo Wagner serve a Rússia. Os ucranianos são pagos e armados pelos EUA como os wagnerianos o são pela Rússia. A Ucrânia, o povo, sofrerá por conta de Zelensky para ficar a saber que a soberania não é um direito abstrato, nem absoluto, e que, dado os estados, ao contrário das famílias não poderem mudar de casa, necessitavam de boa vizinhança, de não dar passos maiores do que as pernas e não confiar na proteção de quem quer tirar castanhas do lume sem queimar as mãos.


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O Elogio do Otimismo

(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 03/02/2023)

Cão a ladrar à Lua (Miró)

Os telejornais e os grandes órgãos de comunicação portugueses e europeus em geral despejam sobre os seus clientes vagas sucessivas de manifestações de organizações de trabalhadores e patronais. São professores, enfermeiros, agricultores, ferroviários, aviadores, médicos, polícias, uns em greve, outros em manifestações. Os temas mais comuns são, além dos habituais aumentos salariais, as contagens de tempo para a reforma (Portugal) e outros a contestação do aumento da idade da reforma (França).

Esta agitação social é apresentada pelos «simplícios» da comunicação social como reveladora de mal-estar contra os governos. Na verdade, estas manifestações revelam um grande otimismo (um inconsciente otimismo) e um generoso apoio às políticas dos governos europeus. Estas manifestações querem dizer que os seus promotores e figurantes acreditam que vivemos tempos de normalidade (da normalidade do pós-segunda guerra), mas não, vivemos tempos de loucura e de suicídio! Esse mundo está a morrer às mãos dos que dirigem a UE e dos que em vez de se manifestarem contra a corrida para o abismo para saltar sem paraquedas andam a manifestarem-se pelo que não haverá.

Erasmo de Roterdão (1469–1536) um dos maiores intelectuais europeus do século dezasseis escreveu um livro a que deu o título «Elogio da Loucura», onde abordou a realidade europeia de forma irónica, usando a loucura como instrumento constante na vida humana. Descreveu-a num monólogo de Moria, a deusa da loucura. Ela dirige as cidades, os governos, a religião e a vida. Sem a loucura nenhuma sociedade, nenhum relacionamento feliz poderia durar. O povo cansar-se-ia do príncipe; o servo, do amo; a serva, da patroa; o professor, do aluno; o amigo, do amigo; a mulher, do marido; o hóspede, do anfitrião; Sei que estas vos parecem enormidades, mas ainda ouvireis piores. Agora devo acrescentar que nada de grande se pode empreender sem o meu impulso, pois é a mim que se deve a invenção de todas as nobres artes.

Sabedoria, diz Erasmo, é não querer ser mais sábio do que lhe cabe pela sorte, concordar com os costumes da multidão e participar de bom grado das fraquezas humanas. Mas, dizem, é justamente isso a Loucura!

Eu, por meu lado, valendo-me ora da ignorância, ora da irreflexão, às vezes fazendo esquecer os males, às vezes suscitando esperanças de coisas favoráveis, excitando os prazeres, sou tão consoladora que ninguém quer deixar a vida. Pelo contrário, quanto menos motivos têm para permanecerem vivos, mais amam a vida. Que a sua conduta costume ser considerada vergonhosa é algo que pouco importa aos meus loucos. Levar uma pedrada na cabeça, isso sim faz mal. A vergonha, a infâmia, a desonra, as ofensas são nocivas na medida que fazem sofrer. Para quem não se importa, não são sequer um mal. Que te importa se todos te vaiem, se tu te aplaudes? Que isso te seja possível, é algo que deves só à Loucura.

Se trocarmos Loucura por Otimismo percebemos porque são otimistas, ou loucos, os que andam por praças, ruas e calçadas a exigir contagens de tempo para a reforma, a contestar o aumento da idade da reforma, a pedir a extensão dos prazos para pagamento de empréstimos aos bancos de 30 para 40 anos, de subsídios a longo prazo se os governos já decidiram envolver os europeus numa guerra que, com elevada probabilidade, imporá aos europeus o modelo de sociedade do estado-imperial, lhes retirará o direito à reforma, substituindo-o pr fundos privados. São otimistas, ou loucos. Tão loucos ou tão otimistas como a chefe da Europa que foi à Ucrânia com uma comitiva prometer a entrada na União Europeia quando a Ucrânia é um estado sem soberania, que não produz riqueza, que não tem um sistema produtivo nem na agricultura, nem na industria, nem nos serviços, a não serviços militares, em que desde os funcionários aos caixões tudo depende do estrangeiro. Cujas receitas são os “empréstimos” e ajudas. Um Estado que já perdeu mais de 20% do território, que está em vias de perder o acesso ao mar, um estado onde os cidadãos não se podem manifestar, onde à pressa e antes da chegada da comitiva de Bruxelas foram expulsos uns oligarcas, ou atempadamente aconselhados a afastarem-se por uns tempos, levando as malas com o dinheiro das ajudas, uns para Israel, outros para o Mónaco. Estamos pois perante mais uma manifestação de Loucura ou de Otimismo.

A Europa e os europeus vivem em estado de euforia, dos professores de Portugal à confraria de Bruxelas que foi vender otimismo em pó a Kiev. As manifestações de trabalhadores e patrões europeus exigindo medidas aos seus governos são uma manifestação de apoio aos governos e á loucura ou otimismo de Bruxelas. Representam a confiança que depositam na possibilidade dos governos tomarem decisões autonomamente, não sujeitas a quem os obrigou a envolver-se num conflito causador dos problemas que os manifestantes pretendem que eles resolvem! Confiam nos seus governos para garantir prestações sociais, reforma, saúde e ensino públicos, que serão substituídos pela iniciativa privada, os patrões reclamam subsídios que serão desviados para o apoio à Ucrânia e para pagar a energia mais cara aos Estados Unidos.

Ir a Kiev prometer que a Ucrânia vai entrar na UE é tão abjeto, ou hipócrita como um cangalheiro ir a casa de um doente terminal prometer-lhe umas férias de luxo. Ou, atendendo a que a senhora Von der Leyen é médica, é como ela ir prometer a um amputado dos membros inferiores a restituição das pernas perdidas e que ainda o vai admitir como primeiro bailarino da Ópera de Berlim! As Tvs transmitiram ao mundo o beijo que selou este acordo! os otimistas bateram palmas com a maior alegria pela boa nova!

O jornal eletrónico Crises 24 — especializado em análise de crises para informação de empresas e organizações — considera como causa de agitação social acontecimentos que provoquem emoções fortes, caso de leis impopulares, aumentos de preços de produtos essenciais e a deterioração de condições económico-sociais, caso dos juros dos empréstimos para a habitação. Esqueceu-se da loucura e do otimismo!

Independentemente do resultado do confronto na Ucrânia, a Europa será um estado vassalo dos EUA e será administrada com um modelo social neoliberal, onde cada um trata de si e apenas os exércitos e os oligopólios tratam de todos. Sendo esta a realidade, a atual agitação social na Europa ou é sintoma de loucura, de inconsciência ou de euforia e otimismo. Tem a mesma racionalidade dos cães ladrarem à Lua!

Os políticos e deputados mais ou menos esbracejantes e berrantes que clamam contra a administração da TAP, são uns otimistas que querem uns votos à custa de uma companhia que provavelmente deixará de existir curto prazo. E o otimismo irmão da loucura também infetou os que acreditam que um altar gigante nos livra de uma crise de sobrevivência.


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