A diplomacia do risco assumido

(João Gomes, in Facebook, 22/12/2025)


Macron quer falar com Putin porque não há soluções sem diplomacia…

A União Europeia decidiu, finalmente, assumir riscos. Não riscos calculados, não riscos estratégicos, mas riscos no sentido mais europeu do termo: adiar decisões difíceis enquanto se transforma o adiamento numa virtude política. Chamemos-lhe, com propriedade, diplomacia do risco assumido – assumir riscos que não se controla, com dinheiro que não se tem, para um desfecho que não se consegue desenhar.

Durante quatro anos, a UE foi acumulando camadas de exceção: pandemia, inflação, energia, guerra. Cada crise foi tratada como transitória, cada solução como temporária, cada dívida como irrepetível. Hoje, descobre-se que o temporário se tornou estrutural e que a exceção virou método. O empréstimo de 90 mil milhões à Ucrânia é apenas o capítulo mais recente dessa narrativa.

Promete-se financiamento como quem promete estabilidade: com solenidade, comunicados bem redigidos e datas projetadas para um futuro suficientemente distante para não coincidir com eleições decisivas. O problema é que, desta vez, o futuro já começou a pedir garantias.

A UE quer emprestar, mas não quer usar os ativos russos. Quer apoiar, mas não quer assumir o custo político. Quer emitir dívida, mas espera que os mercados não façam demasiadas perguntas. E, acima de tudo, quer continuar a falar de vitória sem ter de definir o que isso significa – nem quando.

O resultado é um exercício de malabarismo financeiro digno de nota: emitir dívida conjunta baseada num orçamento pressionado, com reembolso dependente de reparações de guerra que só existirão se a guerra terminar da forma “correta”. É uma engenharia elegante, mas assente num pressuposto frágil: a História colaborar com o PowerPoint.

Entretanto, Emmanuel Macron redescobre a diplomacia. Não por súbita conversão pacifista, mas porque os agricultores franceses bloqueiam estradas, o Mercosul ameaça implodir consensos internos e a dívida europeia começa a deixar de ser um conceito abstrato. Dialogar com Putin surge, assim, menos como escolha moral e mais como instinto de sobrevivência política.

A França percebe aquilo que Bruxelas ainda evita dizer em voz alta: não há financiamento infinito para guerras sem horizonte. Cada euro prometido fora é um euro explicado dentro. Cada emissão de dívida exige coesão política. E cada adiamento torna a fatura mais pesada – financeira, social e democrática.

A diplomacia do risco assumido é isto: avançar sem mapa, financiar sem garantias, prometer sem fechar. Confiar que os mercados serão pacientes, que os cidadãos compreenderão e que o conflito, de alguma forma, se resolverá antes que o calendário político chegue à porta.

Mas a UE enfrenta agora uma saída extremamente difícil. Se cumpre a promessa, arrisca-se a transformar um empréstimo improvável numa dívida permanente, com juros pagos a instituições financeiras que não participam na retórica solidária. Se não cumpre, perde credibilidade estratégica e expõe a fragilidade do seu próprio discurso.

Durante quatro anos, os problemas foram sendo empurrados para a frente com habilidade técnica e coragem retórica. Hoje, empilharam-se ao ponto de se tornarem indivisíveis. Guerra, dívida, agricultura, comércio, legitimidade política – tudo converge no mesmo ponto.

A diplomacia europeia assumiu riscos. O problema é que, desta vez, não escolheu quais. E quando o risco deixa de ser opção e passa a ser condição, a diplomacia transforma-se apenas numa gestão elegante do inevitável.


5 pensamentos sobre “A diplomacia do risco assumido

  1. Escravo que se diz alforriado, onde e que viste o PC apoiar a União Europeia?
    Foi sempre esse partido que disse que nos estávamos a meter num bom saco de gatos, que iamos perder autonomia e foi sempre esse partido que mais alertou para a verdadeira ditadura em que esta coisa se estava a transformar. Manifestando se contra os sucessivos tratados assassinos das independências das nações que a compoem.
    Mas querias o que? Que ficasse de fora a falar mal? Claro que concorre as eleições para o Parlamento Europeu como concorrem todos os que teem nessa organização supranacional a sua Meca.
    Querias que todos esses bandalhos fossem lá deixados sozinhos?
    Já agora, já acabaste de ajudar os teus compadres a retirar os cartazes onde o CU apelava ao ódio?

  2. Estrategas de bancada. Defensores de ondas que não dão para surfar.
    Antes era o não sei o quê e mais não sei quem, que queriam ‘matar’ politicamente essa estrela na política nacional.
    Chorou-se por aqui baba e ranho, com as maldades que a falecida a mando de um, que Deus vai levar em Janeiro e que saudades aqui não deixa.
    Como era nulidade, foi cooptado para gestor da insolvência, que todos sabem que está ao virar da esquina, qual URSS (a analogia é para os ‘comudistas’ de sofá).
    Ora Costa está a fazer o que melhor sabe, bosta.
    Tem o meu apoio, bora lá! nada de medos, meter a mão no saco e depressa que o tempo urge. Quanto mais depressa meter a mão na massa, mais depressa esta tentativa de criar o IV Reich irá ao charco.
    Ou há por aqui defensores desta UE?
    Há e são da esquerda, do partido do secretário-geral-único. Era o partido do cunhal (pc) contra, mas o raio do vil metal até aos comunistas de pacotilha tenta, e no parlamento europeu (que raio de nome para quem nada legisla) ganhava-se e ganha-se uma boa pipa de massa.
    Tal como aceitaram o prato de lentilhas que Melo Antunes lhes pôs à frente no 25N, também aqui aceitam lamber os dedos com essa guloseima chamada vil metal e enganar o Povo, com balelas de aumentos de salários e mais duas tretas. Eleições de faz-de-conta, para eleger gente que nada manda e só dão despesa e que despesa.
    A Direita, esta direita que temos, que não é de direita, deve entender que deste fungágá da bicharada e bicharia, não vem mal nenhum ao mundo, que devem ser acarinhados, apoiados, apaparicados, porque são os ‘idiotas úteis’.

  3. Claro que a UE quer usar os activos russos. O problema são as consequências do roubo descarado. E isso e o que os tem travado até agora.
    A Rússia tem vivido muito bem seja esses activos, a União Europeia e que não ficará tao bem se todos os países que la teem activos começarem a levanta los com receio de serem também pilhados se desagradarem aos senhores.
    Aliás, semelhante já tinha acontecido com a Venezuela.
    Sinceramente não me parece que tenham medo das consequências legais.
    Não há uma policia capaz de os fazer pagar tal como não há uma capaz de prender Netanyahu apesar do mandado de captura internacional que tem em cima.
    Mas a sua imagem de depositário fiel dos recursos de países terceiros vai degradar se irremediavelmente.
    E isso e o que alguma gente com bom senso percebe e por isso o roubo ainda não foi consumado.
    Mas esse dia chegara porque essa gente não tem limites. Nem dinheiro.
    E para as consequências que isto pode ter para todos nós já eles provaram que se estão nas tintas.

    • O que fez a diferença foi a posição da Lagardère no Banco Central Europeu, subsidiário do FMI, e do governo belga, que é na Bélgica que estão a grande parte dos activos russos. Os passivos europeus são também de ter em conta, mas para a Ursula, a Kallas e o Consiglieri Tóni deu à Costa é cavar o buraco que alguém o há-de tapar. O Macron é que anda mais apertado e tem um pouco mais de “noçon” da realidade, até porque está enredado numa camisa de onze varas em França e não precisa de mais enredos.

  4. A UE não quer usar os activos russos? Não ela não os pode é usar, se os usa é o fim da pouca credibilidade que ainda lhe resta, se ela os usar os activos de Países que os tem na Europa acabam por os tyrar e levar para Países que lhes garantam segurança seja por guerra ou outro caso qualquer,, é bom lembrar que a grande maioria senão todos os activos são propriedade das pessoas e não do Estado do Pais de onde são os donos desses activos, ou seja se lhes tiram ou os roubam quem o fazer vai ter de os pagar, mas isso os responsáveis da UE e os governantes não o dizem aos seus cidadão não lhes convém dizer, é um assunto que dá pano para mangas como se costuma dizer, a UE meteu-nos n este imbróglio e agora nem ela sabe como sair essa é que é essa.

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