À beirinha do precipício

(Hugo Dionísio, in Facebook, 24/03/2023)

O governo inglês é, também, o governo mais representativo do que representam, hoje, as designadas “democracias” ocidentais e a indiferença que uma figurinha, ou outra, representam na definição das políticas internas e externas dos apêndices geográficos dos EUA. Daí que, tenha vindo precisamente daí, o informante escolhido para comunicar ao mundo mais um passo nesta histérica escalada belicista – tão irresponsável quanto desesperada -, a qual, continuando, nos arrastará para uma guerra nuclear.

No dia 20/03/23, o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, confirmou, perante uma questão colocada por um membro da Câmara dos Lordes, a intenção de enviar munições de urânio empobrecido para a Ucrânia. No dia 22, passadas 48 horas, o mesmo ministro, perante um grupo de pretensos jornalistas, reafirma a intenção, dizendo que não representava um passo no pior dos sentidos possíveis.

Tal como estas figurinhas de coleção não representam qualquer risco de desvio dos caminhos previamente traçados e comunicados nos mais diversos fóruns “formativos” – do G7 à NATO -, os supostos jornalistas situam-se, rigorosamente no mesmo plano, limitando-se a ouvir e reproduzir, não o que ouvem, mas o que escrito está nas inúmeras cartilhas, que também recebem, através dos mais diversos fóruns ligados à “informação”.

A utilização de urânio empobrecido numa guerra levanta inúmeros problemas e questões, do ponto de vista dos princípios plasmados na Convenção de Genebra. Não é apenas no domínio do tipo de arma que o problema se coloca, implicando, também, o uso destas munições, uma violação das regras do direito internacional, em matéria ambiental, como muito bem expõe Nikhil Shah, num artigo sobre o tema (ver aqui). A tudo isto, a zelosa “imprensa livre”, respondeu com a cartilha… Silêncio total!

Independentemente das considerações do TPI a respeito – optando por adotar uma interpretação restritiva em relação à aplicação da Convenção de Genebra ao urânio empobrecido e às armas nucleares -, apenas a enorme força mediática dos EUA faz com que estas armas, não apenas sejam regularmente usadas pela NATO, como a sua utilização não atraia a atenção que a sua força destrutiva deveria suscitar. A tristeza é que, fossem outros a usá-las e logo os juízes do TPI sairiam de dosímetros em punho, para os usar no primeiro foco de radiação que lhes dissessem existir.

E se, esta atitude, por parte do TPI, levanta todas as questões… para mais em tempo de assunção frontal da política de justiça cega. Já a atitude da comunicação social “responsável e credível” é demonstrativa do estado letárgico e vegetal, que assume, quando se tratam de questões que beliscam – mesmo que tenuemente – a imagem internacional dos EUA e seus apêndices.

Daí que, do meu ponto de vista, e contando com tal postura por parte do TPI, ONU e Conselho da Europa, o comportamento mais grave, a que pudemos assistir, consistiu na serena naturalidade e normalidade com que foi comunicada a intenção de uso de armas contendo urânio empobrecido, no conflito que grassa no leste europeu. Esta atitude torna tudo mais chocante. Ao nível disto, só a “ameaça”, por parte da primeira-ministra relâmpago, Liz Truss, de “não hesitar carregar no botão” nuclear, caso alguma situação o suscitasse. Fê-lo com tanta leviandade que, apenas no Sul Global e junto dos residuais seres pensantes, ainda persistentes no Ocidente coletivo, esta revelação suscitou a gravidade que o evento justificava.

Assim, do dia 20 de Março de 2023 em diante, a coisa não foi diferente e a orquestra seguiu o mesmo diapasão a que já nos habituou: a comunicação social ao serviço do país que Lee Camp tão bem caracterizou como um “exército com um mercado de capitais acoplado” (“militar with a stock market”), limitou-se a fazer como fez com Liz Truss – se se disse, está dito! Não se fala mais nisso!

Contudo, quem tem ainda alguma massa encefálica, naquela caixa chamada craniana, e tem amor à sua vida, aos seus filhos, à Humanidade em geral e vive a sua vida de acordo com algum entendimento do que as lições da História nos vão dando, não pode deixar de se encontrar em níveis cardiologicamente perigosos de preocupação, com o nosso destino colectivo.

O Kremlin apressou-se a dizer que “já não existem muitas linhas vermelhas em falta, para serem ultrapassadas”. A este respeito, refira-se que a suposta “não intervenção da NATO” no conflito, que supostamente previne a confrontação nuclear, só acontece porque o Kremlin tem uma postura responsável e adulta – por muito que custe a muita gente -, e finge não ver o que está à frente de todos: A NATO participa directamente no conflito, de muitas e variadas formas.

Se, para a maioria dos militares sérios, da NATO, a possibilidade de uma vitória sobre a Rússia, já se tinha tornado uma miragem; para os mandatários do sistema corporativo e financeiro que nos domina, essa miragem continuava presente nas suas perturbadas mentes. Mas, eis que, nos últimos tempos, aos poucos, foram sendo obrigados a acordar para a vida e, como com qualquer criança mimada, primeiro veio a desilusão, depois a histeria e, agora, o pânico.

E, para quem acha que estou a exagerar, talvez possam consultar uma das muitas páginas a respeito dos danos, desumanos, desnecessários e criminosos, que as armas de urânio empobrecido provocam no meio ambiente, nos solos, nas águas, nas populações, nas gerações e nos soldados, de um e doutro lado (ver aqui). Para quem não acredita em fontes extra ocidentais, fica aqui um trabalho de Harvard.

Ora, tal decisão, tomada pelas mais altas esferas do poder autocrático, oligárquico e pro-apocalíptico que caracteriza, hoje, a elite estado-unidense, visa, na minha modesta opinião, provocar dois tipos de reacção, ambas coordenadas entre si:

  • Face à mais do que anunciada derrota militar, política e económica, não apenas do regime banderista, mas também dos EUA e seus apêndices, o uso de armas de urânio empobrecido visa punir, coletivamente, aquelas populações pela sua decisão de incorporarem o território russo;
  • Perante a introdução da dimensão nuclear no conflito – e lembrar-me que a propaganda hedionda passada no último ano dizia que eram as tropas russas que o fariam primeiro –, e os seus efeitos nefastos ao nível biológico e ambiental, tenta-se arrastar a Rússia para a utilização de armas nucleares – mesmo que tácticas -, que suscitem a entrada direta da NATO e, assim, a confrontação nuclear.

Perceber o primeiro objectivo é mais simples, por radicar no que fizeram os nazis na Segunda Guerra Mundial e os EUA na Coreia do Norte e Vietname, envenenando solos e deixando danos geracionais que – tal como na Sérvia – ainda hoje afectam aquelas pessoas. A esta política, chamou-se “terra queimada”. Uma vez mais, só o poderoso aparato propagandístico dos EUA, que vai da imprensa ao cinema, música, literatura e publicidade comercial, permite que, por cá, não se responsabilize a sua elite criminosa e genocida, pelos crimes hediondos que continuamente pratica.

Já para desmontar o segundo objetivo, é necessário perceber as diferenças políticas entre a elite americana. No caso concreto, as forças neoconservadoras (neocons), afetas aos Bush, Cheney, Rumsfelt, Joe Bolton ou MCcain, que hoje convivem, lado a lado, com as forças neoliberais e globalistas afectas aos Clinton, Biden ou Nulland. Eles consideram – segundo informações mais ou menos veladas – que é possível aos EUA, usando a sua faculdade de “first strike” (primeiro tiro), ganhar uma confrontação nuclear com a federação russa. O governo de Sunak, como conservador que é, tem as suas maiores ligações com os republicanos neoconservadores americanos, como é óbvio.

Segundo esta gente absolutamente abominável, é possível com este “first strike” destruir uma parte muito grande dos silos terrestres contendo armas nucleares russas prontas a disparar, e depois, o que sobrar, é, em parte, abatido pelo escudo antimíssil instalado na Europa e EUA. Claro que, não garantindo que os fariam cair todos, algum haveria de ir ali parar… Mas, nesse caso, é preciso ver em que plano mental esta gente se situa. Para esta gente, o poder é a coisa mais importante de todas e, mesmo acreditando que sobreviveriam, também suspeito de que preferiam morrer a prescindir de tal poder. E é, em parte, a este tipo de gente que estamos entregues.

Claro que, a suspensão, pela federação russa, do último dos tratados de não proliferação que ainda sobrevivia – o 2010 New Strategic Arms Reduction Treaty (New START) -, levantou um problema importante, pois impede os inspectores dos EUA de acederem aos locais de instalação dos silos, podendo estes serem trocados, aumentados, etc… Por outro lado, e como já nos foi possível observar, o arsenal nuclear russo também se fará sentir nos submarinos, barcos e aviões. Ou seja, a força destrutiva remanescente é demasiado grande para ser desconsiderada. Mas, como alguém disse, estamos a falar de gente louca, em estado de pânico, o que é tremendamente perigoso.

Uma vez que a Ucrânia, não sendo membro do TPI, concedeu jurisdição ao mesmo no seu território, caso esta farsa judicial funcionasse, seria esta a hora de declarar o uso de urânio empobrecido como crime de guerra e crime contra a Humanidade. O que poderia impedir, depois da histeria toda montada em torno do mandato de prisão ao presidente russo, o uso destas munições neste conflito, evitando, assim, as portas apocalípticas que, num caso ou outro, se abririam.

Mas, para tal, o TPI tinha de funcionar como tribunal e não como moçoilo de recados dos poderosos, actuando, apenas, quando alguém – faça bem ou faça mal – belisque os interesses da elite autocrática dos EUA e seus apêndices.

Estamos, pois, perante uma das últimas cartadas a jogar por estes incompetentes, cujas acções funcionam sempre ao contrário do que pretendem. Esta, estou em crer, que não será diferente. Até adianto mais, hoje, o Sul Global deve estar, uma vez mais, horrorizado perante o nível de loucura a que esta gente chega no seu seguidismo. Muitos, por lá, se devem mesmo questionar se não sobra alguma réstia de sabedoria e bom senso nos EUA e, principalmente, ao apêndice europeu, continente já destruído por duas Guerras Mundiais.

Esta situação deveria mesmo suscitar que fosse colocada, aos governos dos países da NATO, a seguinte questão: o que têm V.ªs Exas a dizer, sobre a introdução do elemento nuclear, na guerra da Ucrânia, e os perigos que tal comporta, de possível confrontação apocalíptica! A resposta seria: “Não! Todos trabalhamos para que não cheguemos aí… Se chegarmos aí, a culpa é do Mr. Putin!” E, pronto, por aí seguiríamos até ao descalabro final, contentes de que a culpa é do inimigo. Como se numa guerra, só houvesse um culpado!

Perante a incapacidade de provocarem a “revolução colorida” que queriam e de o povo russo não fazer quase ideia do que são as sanções “do inferno”, realidade bem traduzida numa visita por parte de um jornalista americano a Irkutsk, na Sibéria, em que, visitando um concidadão ex-marine, pôde constatar, em directo, que “nada mudou” (ver aqui), e, incapazes – como qualquer ser pensante preveria – de dobrar o maior país do mundo, com um dos dois exércitos mais poderosos, eis que, a opção desta brigada de “escuteiros” consistiu em escalar o conflito para níveis em que tudo correrá o risco de se tornar irreversível.

E para que se perceba que, mesmo estes missionários, já estão a atingir o seu limite, foi o próprio Primeiro-ministro checo que foi o escolhido para anunciar ao mundo – leia-se “Ucrânia” – que, “ou aproveitam esta próxima ofensiva”, recheada de urânio empobrecido, diria eu, ou “irá acabar-se o apoio ao país”.

Ora, a não ser que – e eu acredito piamente nisto -, o uso de urânio empobrecido abra a porta para uma farsa do tipo daquelas que os EUA e as forças do regime neonazi têm tentado vezes sem conta; como seja, a de acusarem a federação russa de usar armas nucleares tácticas e, utilizando a contaminação, das suas próprias munições, como prova, fazer entrar os EUA directamente no conflito – leia-se aqui “apêndices dos EUA como a Polónia e bálticos” -; julgo que não será a introdução deste elemento nefasto que fará alterar, o que quer que seja, no curso desta guerra.

Não custa nada acreditar nisto, uma vez que, quem segue as informações do “inimigo” – e é um dever de quem procura conhecer a realidade -, sabe que estes têm denunciado, inúmeras tentativas, por parte do regime ukronazi, de provocarem situações de bandeira falsa, através da contaminação das zonas de combate com produtos químicos, que armazenam para o efeito, ou, de forma ainda mais desesperada, com os bombardeamentos quase diários à central nuclear de Energodar.

Quanto à desfaçatez do governo de Sunak e companhia… O que esperar de um governo autocrático, não eleito sequer – como se isso fizesse alguma diferença para quem domina os meios poderosíssimos de propaganda à disposição -, liderado por um multimilionário oligarca? Também me vão dizer que representa os interesses do povo? Ora essa!

O que demonstra toda esta corrida desenfreada para o precipício é que, ou os povos europeus se preparam para a luta pelos seus direitos, pela sua liberdade, pela sua democracia, ou, acabarão como acabaram os que estavam do lado de lá das forças nazis… a punição colectiva e a terra queimada!

Em França, já todos podemos antecipar com que disposição estes funcionários estão para nos ouvir! Está na hora do confronto! Ou cairemos, inevitavelmente, no precipício!


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8 pensamentos sobre “À beirinha do precipício

  1. Alguém acena mais com o nuclear que a Rússia, pela voz do seu maior representante de segurança, Medvedev?!
    Urânio empobrecido não é radioactivo.
    Será mau de inalar, como o fósforo e tudo o mais que a guerra traz.

  2. Não custa estar informado

    https://www.epa.gov/radtown/depleted-uranium

    Like the natural uranium ore, DU is radioactive. DU mainly emits alpha particle radiation. Alpha particles don’t have enough energy to go through skin. As a result, exposure to the outside of the body is not considered a serious hazard. However, if DU is ingested or inhaled, it is a serious health hazard. Alpha particles directly affect living cells and can cause kidney damage.

  3. ” Ao nível disto, só a “ameaça”, por parte da primeira-ministra relâmpago, Liz Truss, de “não hesitar carregar no botão” nuclear, caso alguma situação o suscitasse.”
    Lembro-me de ouvir isto em directo na televisão e ficar chocada; lembro-me também que uns dias depois, nas noticias nacionais, internacionais e claro pelo voz amestrada dos comentadores do costume, era Putin quem ameaçara com a bomba nuclear (na verdade o que ele disse foi que a Russia responderia nuclearmente a qualquer ataque nuclear (e isto já depois da Truss ter falado). E foi a última a mensagem que passou ! e ainda ontem um cliente me dizia com ar preocupado que se não mandarmos mais armas para a Ucrania o Putin vem por aí abaixo comer-nos a todos…
    Na verdade, sinto-me em pleno matrix! só ainda não percebi bem qual foi o comprimido que tomei apesar de estar convencida de que foi o vermelho 🙂

  4. Meus e minhas, sejamos rigorosos. Apenas o Putin, o Medvedev e os restantes demónios da Moscóvia fazem ameaças, como é próprio dos demónios. O Biden, o Blinken, a Liz Struss e restantes escuteiros fazem advertências, avisos e sugestões, como é próprio dos escuteiros. Infelizmente, tinha razão o Astérix quando dizia (ou podia ter dito): “Estes escuteiros são doidos!”

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