Tanta verdade junta mereceu publicação – take XX

(Por DE, in Estátua de Sal, 02/10/2022)


(Este texto resulta de um comentário a um vídeo que publicámos de Pedro Tadeu e Nuno Ramos de Almeida ver aqui. Perante tanta verdade junta, resolvi dar-lhe o destaque que, penso, merece.

Estátua de Sal, 02/10/2022)


O regresso do Marques Mendes. As técnicas de venda esmeradas, interiorizadas até ao sinapse. O produto é tóxico, mas para ele conta a embalagem e os dotes retóricos do traficante perfeito. Na lota adoramos a peixeira, “venha cá, freguês!”, na televisão o Marques Mendes, com o gesto estudado, a levantar a “europa frouxa”. O ambiente litúrgico que envolve o freguês, na lota e na televisão, levou anos a construir. O freguês de ambas interiorizou-o, é disto que ele gosta.

A NATO é uma instituição grave, discreta, que se move na sombra. A morte não quer publicidade. O crime é sagrado, o terror cuidado. A NATO é uma força militar de ocupação da Europa, sob o comando dos Estados Unidos. Criada em 1949, a Europa lambia as suas feridas da II Guerra Mundial. A União Soviética tinha acabado de quebrar os dentes ao nazismo. Por todo o mundo civilizado uma profundo suspiro de alívio, uma admiração e um respeito sem limites pelos sovietes.

A União Soviética derrotou o nazismo mas não o eliminou. As entranhas onde foi gerado e criado, as forças que o sustentaram continuam vivas. Na Europa foram debilitadas mas nos Estados Unidos estavam intactas. Para o capitalismo americano a guerra fora um bom negócio. O colonialismo americano aperfeiçoou-se e expandiu-se. O racismo levou uns retoques de marketing. O militarismo dilatou-se.

A NATO veio ajudar as elites europeias desmoralizadas a ganhar pé. Os cacos espalhados pela guerra foram apanhados e colados. O capitalismo americano tomou conta do capitalismo europeu. Tomou conta das suas colónias, adaptou e puxou lustro ao seu racismo. Sob o manto da NATO o militarismo alemão foi europeizado. Bases militares instaladas, armas nucleares camufladas, apontadas para Leste. O anticomunismo foi aprumado, restaurado, modernizado. Com amplas e profundas campanhas de marketing e publicidade, sustentadas e apoiadas pela comunicação social e por Hollywood, os povos europeus aprenderam as novas verdades: Os Estados Unidos é que tinham derrotado os nazis e o comunismo libertador era uma ameaça para o mundo.

Não se pode dizer que Marques Mendes mente. Marques Mendes é um traficante das grandes “verdades” americanas. As suas técnicas de venda das verdades construidas nos laboratórios de marketing da NATO são rebuscadas. Como qualquer traficante de produtos tóxicos nem sequer tem de se interessar pelas qualidades do produto, ele quer é vender, esse é o seu negócio. E a cartilha do marketing é a mesma para toda a fauna que pulula nos estúdios.

Marques Mendes recebe as latas de pomada tóxica dos armazéns da NATO, a televisão monta-lhe o palanque, ele divulga o produto rançoso. Nas feiras o arengueiro está em cima de uma grade de cerveja e propala aos quatro ventos. O Marques Mendes tem a televisão do amigo, a bem-querença do Presidente, a cobertura do PSD e do PS e todos os seus satélites, a anuência decorativa das moderadoras, a ausência forçada das moscas.

A esquerda, falo da esquerda, que resiste e insiste na qualidade do seu produto, não pode nem deve usar estes estratagemas sórdidos próprios da candonga. A democracia da esquerda, falo da esquerda, não pactua com nazis, militaristas, colonialistas, racistas. A esquerda quer conhecer o produto que vende ao seu povo. A esquerda abre a embalagem, perde muitas horas a analisar e a explicar o produto. Em nome da verdade.


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5 pensamentos sobre “Tanta verdade junta mereceu publicação – take XX

  1. «A esquerda abre a embalagem, perde muitas horas a analisar e a explicar o produto. Em nome da verdade.»

    O problema é que quando o produto é bom, mas a publicidade é má, e a propaganda da concorrência convence as pessoas que que a mentira é a “verdade” e de que a m*rda reluz como ouro, de pouco vale que a esquerda, também falo da esquerda, mantenha SÓ essa actitude.

    Ou seja, tem de manter essa atitude, mas tem também de levar a sua publicidade para o século XXI. Se havia um Avante há 100 anos atrás, no tempo das coisas escritas, hoje tem de haver um Esquerda TV, um Observador Mesmo Atento, e até tik-tok e instagrams.

    A cada ano que passa, a morte da velha geração mostra-se através da definhar do peso eleitoral do PCP. O BE chegou àquilo que podia dar (10%), mas a sua ingenuidade permitiu ao raposo P”S” (a “esquerda” de que não estamos a falar) voltar a comer metade desse eleitorado. O Livre é o PEV do P”S” (e peço já desculpa ao PEV pela comparação).

    E o resto da juventude divide-se entre dois grupos principais: os que não acreditam no regime e são abstencionistas, ou pior, emigram de vez; e os que são captados nas novas formas de propaganda para acreditar nas velhas m*rdas pintadas de ouro reluzente, uns deixando-se levar pelo FOMO (fear of missing out) votam no PSD pois não sabem bem o que esse partido fez ao país, outros deixam-se levar para o lado Pinochetistas pelos que prometem basicamente “tudo bom, nada mau”, e há ainda outro grupo revoltado com o radicalismo woke, que acaba por votar na facharia propriamente dita.

    A esquerda, e também repito que também falo da esquerda, ou reinventa a embalagem e treina melhor o vendedor, ou pode até ter o melhor produto do Mundo a encher as prateleiras sem que a esmagadora maioria o queira sequer inspeccionar, quanto mais comprar.

    Eu peço portanto desculpa se vou chocar alguém, mas a ingenuidade que me restava morrer em Janeiro de 2022 após a facada que a facharia mascarada de rosa deu na Democracia e no futuro que Portugal ainda podia ter. Sim, a Esquerda deve continuar a ter o bom produto com a boa e profunda análise do vendedor honesto, mas para que o produto seja comprado, a verdade é que é preciso vender também aos idiotas. E para chegar aos idiotas, é preciso que uma parte (eu diria metade) dos vendedores da esquerda sejam pelo menos tão bons manipuladores de emoções como são os vendedores da banha da cobra (a “esquerda” do P”S”) e os vendedores de m*rda reluzente como ouro (toda a Direita super-reaccionária Portuguesa).

    Insistir no método de sempre, por uma questão de uma qualquer “superioridade moral”, seria como tentar combater as novas redes sociais usando cartas escritas com uma pena e lacradas com cera.
    Estamos no século XXI. A Esquerda não ganha votos com um avozinho a repetir a cassete. A Esquerda pode ganhar votos com um jovem preparado como o João Ferreira, em cima do qual foi acrescentada a capacidade de venda que actualmente não existe em NINGUÉM na Esquerda.

    E mais, é preciso ter atenção à Janela de Overton. Na tal nova imprensa que sugeri, deve haver espaço para um substituto “moderno” do MRPP, a puxar essa janela para a Esquerda-Radical, de modo a que depois a Esquerda e a Esquerda moderada (PCP e BE, com estes ou outros nomes) possam apresentar-se como os que têm juízo. Ou seja, aquilo que o Observador, Sol, i, etc, fizeram com as posições mais reacionárias da facharia Portuguesa. Em breve irão colher os frutos, com duas hipóteses igualmente prováveis: uma coligação entre a Direita “com juízo”: PSD+IL – ou um governo de “geringonça” com o Ch normalizado.

    Agora que revelei como vejo a situação, voltemos ao início para comparar a minha sugestão com aquilo que está a ser feito: algum destas coisas é possível só com o Avante impresso e o Esquerda .net, com um partido chamado Comunista e uma Catarina que ainda não abriu a boca e já todos sabem o que vai dizer da mesma maneira pela N-ésima vez? Com uma CGTP que chega aos locais de trabalho e só por se dizer a sigla aliena imediatamente a esmagadora maioria dos que lá trabalham e precisavam tanto de um sindicato a sério que não fosse uma cassete do PCP?
    Com uma imagem ou umas palavras num post na rede social do partido que só é seguida por quem já é eleitor desse partido, e que mesmo que fosse vista por mais gente, não anularia nem uma parte das 24 horas de lavagem cerebral da “imprensa livre” escrita, mas acima de tudo da televisiva?

    E depois há ainda aquele eleitorado que o BE chegou a ter mas não conseguiu reter. Os indecisos que andam ali entre a estrela/punho/foice e a rosa. O Livre não mostra que já não há espaço aberto. O que o Livre mostra é que o excesso de extremismo woke, ligado a um EUropeísmo demasiado fanático, e tão encostado ao P”S”, é mortal para qualquer ambição de crescimento pela via do “roubo” de eleitorado rosa. Falta portanto um partido de Esquerda, e é da Esquerda da que continuo a falar, que seja o que o PCP/BE são (na defesa do trabalho, SNS , etc), mas que seja Europeísta. É essa a faca que falta para ao P”S” a expressão eleitoral mais reduzia que ele merece.

    E depois falta um partido de Direita que seja tão €Urocético quanto o PCP, que permita ao mesmo tempo tirar votos ao PSD e mostrar o quão extremista é a IL, mas isso é outra estória, e um passo que só vale a pena tomar se se tomarem os outros que sugeri.
    Há alguém, ou algum grupo de pessoas, na Esquerda portuguesa, que esteja à altura deste desafio?
    É que ou há, ou a Esquerda, e é da Esquerda que falamos, está arrumada.
    E sem Esquerda, podem também começar já a escolher as flores para o velório de Portugal. A morte lenta continua, e a esmagadora maioria, de cérebro lavado, continua a acreditar que o remédio é “extremista”, e que o veneno é merecedor de “maioria absoluta”.

    • Suponhamos então que a esquerda, e falo também da esquerda, ganhava umas eleições com maioria absoluta… alguma vez seria possível um governo de esquerda com políticas de esquerda em Portugal, nesta UE, neste NATOstão, neste mundo Ocidental? Bem, a todos os que acham que sim, informo que tenho um unicórnio no meu quintal que vou pôr à venda no OLX por um bom preço…

    • O que é FOMO?
      O medo de perder se refere ao sentimento ou percepção de que os outros estão se divertindo mais, vivendo uma vida melhor ou experimentando coisas melhores do que você. Envolve um profundo sentimento de inveja e afeta a auto-estima. Muitas vezes, é exacerbado por sites de mídia social como Instagram e Facebook
      obs >>> enquanto prevalecer, neste mundo aonde vivemos, os sentimentos de ‘ganância’ e ‘inveja’ JAMAIS haverá o tal lema … de cada um de nós segundo as nossas ‘capacidades’, para cada um de nós segundo as nossas ‘necessidades’ …

  2. Excelente texto, como sempre. Muito “literário”, digamos assim, sem segundas intenções. Eu gostava de ter vocação semelhante para jogar com as palavras e construir frases assim interessantes. Mas enfim, faz-se o que se pode. Por detrás do pseudónimo eu vislumbro um escritor profissional. Talvez me engane e se sim, é pena, se não publica devia publicar. Uma palavra para a coerência ideológica, inatacável, como também é costume. Que fique por cá muito tempo!

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