Como se faz um preço? Com lucros e salários

(Raquel Varela, in Facebook 15/09/2022)

Sem surpresa, quando disse aqui que os preços são exclusivamente fixados por lucros ou salários, muitos perguntaram “então e as matérias-primas, a energia, o mercado…a oferta e a procura?”. Alguns, com a ignorância atrevida dos tempos que correm, lembraram-se de dizer que eu não era economista (a certificação do “especialista”). Aqui fica a explicação de um economista Adriano Zilhão, na minha página, que publico por ser didática e impecável.

E deixo um conselho: eu não sou economista, podia ser e nada saber. Sou professora de história e historiadora e também professora de história económica e social. Estive um ano da minha vida dedicada a estudar a teoria do valor trabalho e as crises capitalistas porque, em 2008, e escrevi e lecionei muito sobre elas, compreendi que não podia deixar de o fazer. São as primeiras páginas, muito difíceis do Capital de Marx. Estudam-se, não se leem. Sem conhecer a teoria do valor marxista, hoje, arrisco dizer não se compreendem as sociedades, seja em que disciplina for. Mas, agora o que é relevante: eu podia ser economista e não perceber nada de economia, o que aliás se viu nos comentários onde tantos economistas perguntavam pela “lei da oferta e da procura”, algo que só fixa preços na imaginação deles. Também podia ser operária, física e cozinheira e conhecer bem a teoria do valor-trabalho. O que impressiona nos comentários, e que nos devia fazer refletir, é como tanta gente formada em economia, repete as mesmas vacuidades do governo a explicar que nada pode fazer face à inflação.

Um mergulho nos currículos das escolas de economia, que varreram a ciência social e a transformaram em matemática técnica ou comunicação em business devia há muito ter alertado tanta gente sobre o que (não) aprendem de economia em alguns cursos de economia.

Aliás, há dias perguntei a um grupo de jovens de 18 anos, com média de 18 em economia no 12º ano, todos a caminho de escolas de economia se conheciam Marx e, tirando uma, os outros olharam com espanto, nunca ouviram tal nome. Suspeito que assim continuarão, a achar que a lei da oferta e da procura fixa preços. Podem fazer como eu, também ninguém me ensinou Marx, enfiei a cabeça no livro anos para não fazer a chamada “figura de urso” ou, como se diz em business, ou zeinalbavês, bear looking. Agora leiam e aprendam.

Dando a palavra a Adriano Zilhão:

Pode-se deduzir do comentário de J. P. Costa que a sua formação é, “de todo”, económica. E, como qualquer um que estudou a economia escolástica e/ou nela crê, J. P. C. acredita que o “mercado”, local em que se “formam” preços, opera por uma espécie de magia.

Mas olhe-se melhor para a magia. Olhe-se para o mercado do petróleo (ou do gás). O que aconteceu, recentemente? Perante a guerra, sobretudo perante as sanções, passou a ser provável que a quantidade de petróleo oferecida no mercado baixasse muito, pelo menos no curto prazo.

Consequentemente, os grandes compradores de petróleo precipitaram-se para comprar o máximo possível, para poderem revendê-lo durante o máximo de tempo possível (antevendo, por outro lado, que os preços continuariam a subir, e eles fariam lucros chorudos na revenda).

Deu-se, assim, aquilo que em economês, se chama um desequilíbrio entre oferta e procura: o preço subiu, em consequência.

Mas o mercado não “fez” subir coisa nenhuma. O que aconteceu foi que os grandes vendedores viram que, se passassem a vender mais caro, continuariam a escoar todo o produto. Ou seja, disseram aos compradores: querem comprar? A gente vende, mas agora só vendemos a quem der (ainda) mais. Podes, compras; não podes, ficas de mãos a abanar, que há mais quem compre.

O preço não “ficou” magicamente mais alto, os vendedores aumentaram-no. Ora, e os custos, salariais e outros, dos vendedores de petróleo? Ficaram na mesma.

À diferença entre preço e custo (salarial e outro) chama-se lucro. Portanto, a subida de preços provocou uma subida dos lucros dos vendedores.

A economia é uma coisa complexa? É. Empresas têm custos de todo o tipo: os salários que pagam diretamente e muitas outras coisas, matérias-primas, produtos intermédios, serviços de transporte, financeiros, amortizações e por aí fora (deixemos de lado os impostos, que incidem sobre salários e lucros a jusante). Mas as matérias-primas e tudo o mais foram extraídos ou produzidos por outras empresas, que para o fazer também usaram trabalho: portanto, pagaram salários. E assim sucessivamente.

Se se “descascar” a produção de bens e serviços ao longo de todas as cadeias de produção entrecruzadas, tudo se reduz a trabalho humano.

E reduz-se a duas categorias de trabalho humano: a parte do produto do trabalho dos trabalhadores que lhes é paga (os salários, que são o preço pago pelo patrão para alugar a força de trabalho pelo tempo convencionado); e o trabalho dos trabalhadores que não lhes é pago (o lucro, o valor restante, a diferença que, depois de vendidas as mercadorias/serviços, fica no bolso do patrão).

Por essa razão, mesmo nas escolas de economia, há uma equivalência entre produto e rendimento: a soma do valor de todo o produto é igual à soma do valor de todos os salários e lucros (e suas subdivisões).

Em conclusão: Raquel Varela tem razão. Todo o valor criado se reduz a salários e lucros, a soma dos preços todos é igual à soma de todos os salários e lucros. O “mercado” (incluindo o de trabalho) é o “local” em que se medem forças, onde se vê quem consegue torcer o braço de quem.

É menos mágico do que parece.


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2 pensamentos sobre “Como se faz um preço? Com lucros e salários

  1. A terceira mundialização de Portugal e da Europa, eviscerando o trabalho, “porque é o nosso projecto!!”! Quando ouço o super Costa do petróleo a encorajar a comprar um carro eléctrico para que possa ligá-lo à rede para voltar a ligar a electricidade, se necessário… Acho que estamos a bater no fundo do poço e a cavar mais fundo. Em suma, ainda não estamos fora de perigo.

    Não sei como, mas é absolutamente necessário ajudar os nossos “políticos” porque os pobres trabalhadores estão claramente sobrecarregados e não estão à altura da tarefa.

    Os cheques do governo dizem muito sobre a saúde da economia e do sistema social em Portugal, e aqueles que tentam conter a crise do país com cheques são fracos e incompetentes.
    Uma forma de resolver os problemas em Portugal seria agir com senso comum e não com base em conceitos ideológicos.
    Não está dito que “governar é prever”?

    Mas ao mesmo tempo, todos têm de compreender que é a classe média que vai pagar o preço.

    A desclassificação das classes sociais está bem encaminhada e já o tem sido há algum tempo.
    Sejamos lúcidos, estamos a viver momentos históricos de degradação total, é uma realidade.
    “Precisamos desta queda para o renascimento do capitalismo, ou mais precisamente, para dar início a uma reviravolta de modo a que ele possa erguer-se das cinzas. (O Grande Reset)
    Mas entretanto, a classe média vai ter muitas dificuldades.
    Esta é uma verdade absoluta, uma rápida mudança de paradigma vai ter lugar..
    Lamento, mas é assim que as coisas são.
    Em qualquer caso, esta é a minha visão e sei que os próximos dias,mese,anos serão difíceis.

    Isto não vai impedir as pessoas de viver! A julgar pelas redes sociais, a recessão está à nossa porta, a realidade parece bem diferente! Posso dizer-vos que a classe média continua a sua vida sem se privar a si própria! Não há falta de coisas para fazer! Este ano, o mercado hoteleiro explodiu, os Portugueses gozaram as suas férias como eu!

    Eles não vão parar a inflação, é uma boa ferramenta para destruir a poupança e baixar os salários reais, e pagar a dívida publica além de ajudar a desreferenciar o Euro como uma potencial moeda de reserva, o que convém a Von der Truc e aqueles que o conduzem)..

    Muitos portugueses vão receber um cheque de 125 euros. Mas isto é apenas um cautério sobre uma perna de madeira, faz-nos sentir bem durante dois segundos. Devem deixar de nos mentir e enfrentar os verdadeiros problemas de uma vez por todas. E antes de nos dizerem para desligarmos o nosso Wifi, para nos lembrarmos de apagar as luzes quando saímos de uma sala e eu não sei que outros grandes conselhos existem. Eles realmente tomam-nos por parvos!

    Quanto ao aquecimento, não me importo de o baixar em um grau, mas tenho um grande problema, não aqueço no Inverno.

    Portanto, são muito simpáticos com os seus cheques de 125 euros mas com os aumentos isso é outra história.

    Deixem-nos tirar a electricidade do mercado e deixem a mãe Von Der Truc com o seu fato azul e verde ir viver no fim do mundo e deixar-nos em paz!

    O objectivo do governo é fazer passar o seu orçamento, por isso tem de cortar nas despesas, os cheques voltarão depois para acalmar a revolta, ou pelo menos atrasá-la, alguns não estando conscientes de que estas despesas serão pagas… A gestão do Estado é catastrófica e irá piorar até ao fim da Europa, é inevitável.

    Parece que o objectivo não é resolver o problema: é demasiado complicado, e ninguém ficará grato aos nossos administradores politicos (uma vez que este é, normalmente, o seu papel). O objectivo é ser capaz, através destas ajudas, de seleccionar quem merece ser ajudado: eventualmente, o governo dir-lhe-á que não receberá ajuda porque baixou a sua pontuação de cidadania por causa de um comentário que publicou em 2014 no Facebook.
    “Vive-se; vive-se; morre-se”. Cada crise parece ser sobre o aumento do controlo estatal.
     
    ” Tenho uma reflexão que pode interessar, sou solteiro com um salário bruto de 2700 euros e recebi um cheque de 125,e não consigo perceber porque recebi este montante quando em termos absolutos não me deveria ter sido dada prioridade, se alguém tem uma explicação que me interessa, penso que estes cheques estão mal distribuídos, outro belo desperdício”..

    Quando os cheques “miséria” são dados, é apenas para manter os pobres sob controlo. E para os habituar pouco a pouco ao rendimento mínimo europeu.
    O bem-estar é uma medida política, não uma medida económica.
    Quando 30 a 40% das pessoas em idade activa são “pagas” desta forma, não haverá mais distúrbios sociais!

    “Arbeit macht frei!”

    Mesmo que hoje o emprego assalariado se pareça mais com a escravatura.
    (E não, obviamente nenhum cheque para mim, pelo contrário, tributado a cheio sem qualquer abatimento…se não moral, quando vejo o fundo da minha folha de pagamento e a diferença crescente entre o líquido a pagar e o líquido tributável).

    O Estado poderia continuar a distribuir cheques se desistisse de um monte de despesas totalmente estúpidas e improdutivas. Como os subsídios às associações,(Por Ex: associação de politicos incompetentes) as energias renováveis, a imprensa, etc. E inflação administrativa. A fraude social cessada é poupada em dezenas de milhares de milhões. Etc

    Até agora nunca recebi uma ajuda, mas aparentemente estou no alvo.
    Assim sendo, as promessas são apenas vinculativas para aqueles que as fazem, por isso tenham cuidado.

    Fico horrorizado ao ver, ano após ano, políticos perseverantes na política do penso (ou do remendo) cuja (in)eficácia conhecemos.
    A ideologia é provavelmente uma religião…
    Existem soluções que são mais eficazes a longo prazo. São discutíveis e abertos à crítica, mas têm o mérito de existirem e, sobretudo, de serem muito piores do que os cheques!
    Além disso, penso que há dogmas que os nossos líderes, sob a influência de preconceitos, se recusam a tocar.
    Tudo isto os leva a agir como um caracol, enquanto que as emergências estão lá!

    O BCE vai aumentar as taxas de juro que será um colapso do mercado obrigacionista, do mercado de acções e do mercado imobiliário. Vamos acabar com os Portugueses insolventes porque os bens imóveis valerão menos do que a dívida falida, os Estados não terão os meios para salvar o sistema bancário desta vez. Em suma, o aumento das taxas de juro parece-me trazer mais problemas do que soluções.

    Uma subida repentina, e é a propagação Itália/Alemanha, França/Alemanha, Espanha/Alemanha que irá saltar e conduzir a um incumprimento por parte de um destes países e, por conseguinte, à explosão do euro e certamente da UE tal como a conhecemos hoje….

    Quanto ao BCE, posso vê-lo a aumentar as suas taxas lentamente, para não prejudicar o FED,mas para destruir a classe média, que verá os seus activos comprados pelo dinheiro dos fundos de cobertura (hedge funds)….

    Se o Estado quisesse realmente ajudar-nos no futuro imediato, começaria por baixar as taxas do IVA sobre a electricidade e o combustível…
    Tal como o imposto de 60% sobre o combustível.
    Ao mesmo tempo, deixaria de fazer figura de parvo com Putin, sairia deste conflito que não é nosso e cancelaria estas sanções que não têm nem pés nem cabeça, excepto para nos colocar na situação em que hoje nos encontramos.

    Há obviamente muitas outras coisas a fazer, tais como reindustrializar ,dinamizar a ciência e o país e assim diminuir realmente o desemprego sem tocar nos nossos benefícios sociais.
    Mas eles sabem tudo isso e que o objectivo é chegar a um rendimento universal que dependerá de um crédito social que já está em preparação…
    Estava a esquecer, claro, que para levar a cabo estas verdadeiras reformas, temos primeiro de deixar a Europa, mas, mais uma vez, há demasiados interesses pessoais e compromissos inabaláveis.

  2. Nem é preciso Marx, a curva faz sentido para productos com procura flexível e com forte concorrência; não está perto de ser o caso. O tal “senso comum” nem sequer é economia, nem sequer ideologia, é só propaganda, daquela que basta usar mais do que um neurónio.

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