A entrada da Ucrânia na NATO vale quantas vidas humanas?

(Pedro Tadeu, in Diário de Notícias, 27/07/2022)

A guerra na Ucrânia matou, segundo um relatório da ONU de há um mês, pelo menos, no mínimo dos mínimos, 4731 civis. O número de soldados mortos é, também no mínimo dos mínimos, de 10 a 11 mil pessoas.

Esta tragédia começou porquê?… Não, não vou falar do Euromaidan, do golpe de Estado de 2014, da guerra civil no Donbass, pois, se o fizer, dizem logo que sou putinista, que qualquer contextualização histórica do conflito serve os interesses do governo russo, que não se pode relativizar a invasão, que o que interessa é o começo da guerra.

Muito bem, aceitarei, derrotado pelo cansaço e mortinho para ir de férias, essa argumentação. Passo então a analisar o começo da guerra sem fazer qualquer enquadramento histórico.

Quando a guerra começou, li centenas de vezes nos melhores órgãos de comunicação social do mundo antiputinista, o governo da Ucrânia, na sua inocência, só queria poder fazer uma coisa: entrar na NATO. Foi esse o pretexto para a invasão ordenada por Putin, que exigia que essa entrada não acontecesse, para garantir um “tampão” no avanço de instalações militares da Aliança Atlântica junto à sua fronteira.

O presidente norte-americano e os líderes europeus juntaram-se ao presidente ucraniano e proclamaram: “A Ucrânia tem todo o direito de entrar na NATO e a Rússia não tem a nada a ver com isso”. O que, à luz da abstrata autodeterminação e independência dos Estados tem, sem dúvida, lógica.

Acontece que a defesa da concretização do direito da Ucrânia de pertencer à NATO vale, segundo essa lógica, o preço de todas as vidas, entretanto, perdidas, mais os 6,5 milhões de desalojados, os 10 milhões de refugiados, uma enorme devastação, a ameaça de uma guerra nuclear, o perigo do crescimento da fome no mundo, uma crise energética, a possibilidade da generalização da pobreza na Europa rica, a entrada da era da globalização numa era global de medo – tudo coisas previsíveis (e foram-no!) antes da guerra começar.

O lado moralmente certo da guerra na Ucrânia não é apoiar Zelensky contra Putin. É contestar os dois e é combater pela paz.

A lógica que levou a Ucrânia a não ceder na questão da sua entrada na NATO é, portanto, uma lógica assassina, tão assassina quanto a lógica apresentada pelo poder russo para justificar o começo da invasão do país vizinho.

Porém, ao fim de cinco meses de guerra, as razões do seu início são, para muita gente, irrelevantes, secundarizadas pela evolução das tropas no terreno, a avalanche de imagens de aflição e de morte, as denúncias de crimes de guerra, a corrida generalizada aos armamentos, os movimentos e confrontos diplomáticos por todo o mundo.

Para mim, porém, são relevantes. São as razões do começo da guerra que me levam a recusar o entrincheiramento que me exigem: “Ou és pro-Zelensky ou és um traidor”.

Além de o meu país não ser a NATO, não ser a União Europeia, nem ser a Ucrânia (é Portugal, e isso não é a mesma coisa), a condenação moral que se faz a todos os que não embarcam no navio do entusiasmo suicida em que navegam os dirigentes ocidentais e da Rússia é um lamentável exercício de hipocrisia.

Quem apoia incondicionalmente o governo da Ucrânia não apoia a proibição de partidos políticos no país, mesmo de insuspeitos de comunismo ou de apoio à Rússia? Não apoia o fim da liberdade de opinião? Não apoia as infiltrações nazis no Exército e no governo? Não apoia a mal explicada perseguição a 650 responsáveis ucranianos por suspeitas de conluio com os russos? Não apoia o despedimento da procuradora-geral ucraniana que investigava crimes de guerra? Não apoia a demissão sucessiva, desde o princípio da guerra, de governantes, de autarcas, de responsáveis militares, de segurança, da espionagem, de embaixadores, numa evidente, constante e autoritária operação de concentração de poder absoluto? Não apoia os crimes de guerra ucranianos que a ONU, a par dos crimes russos, já identificou? Não apoia a utilização ucraniana de armamento de destruição de alvos civis, tal como fazem os russos? Não apoia o torniquete informativo que nos cerca, tal como a Rússia faz?

É por isso, para reclamar pela paz, que, entre outras coisas, lá estou a ajudar a fazer a Festa do “Avante!” que, pelos vistos, não terá a visita de José Milhazes, o suposto democrata que na TV tentou lançar um anátema moral sobre artistas que lá vão trabalhar e que não pensam exatamente como ele – como se a sua admiração por Vladimir Zelensky não fosse, como o tempo está a comprovar, moralmente equivalente a uma admiração por Vladimir Putin.

Jornalista


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8 pensamentos sobre “A entrada da Ucrânia na NATO vale quantas vidas humanas?

  1. Até o Pedro Tadeu? Do DN? Na semana passada foi o MST e hoje este?
    Alguém está a fraquejar na frente propagandista. Já forçaram o Tadeu a despedir-se? Ou pelo menos uma retração pública deste artigo? Não? Que se passa? O lápis azul ficou demasiado caro com a inflação?
    Ui, só falta mesmo o Pacheco Pereira porque o António Guerreiro à muito que também anda a recusar propaganda. Mas pronto, os russos estão há 4 meses sem McDonalds, já devem andar delirantes de fome, pelo que Putin deve render-se no final da semana que vêm, para que a malta possa ir para os banhos do Algarve descansado. Pode ser que o gasóleo baixe 10 cêntimos, entretanto, para compensar na viagem de volta. Segundo o resto da imprensa nacional, está tudo a caminhar nesse sentido

  2. Tem toda a razão Carlos Marques (publicação de 25/07/2022) quando chama a atenção para a incoerência dos discursos dos pacifistas, PCP incluído. Este artigo do Jorge Tadeu é a prova disso mesmo. Como diz CM, é como se “condenassem a Alemanha Nazi, mas depois condenassem também o desembarque na Normandia”, apenas porque se é contra a guerra.
    Tadeu é dos que sabe perfeitamente que esta guerra foi fabricada, quem a fabricou e porquê. E sabe que ela não começou a 24 de fevereiro do corrente ano, como sabe também que os que a fabricaram não parariam a escalada de provocações até forçarem os russos a intervir. Por isso, prepararam o terreno, ao longo de 8 anos, treinaram e armaram até aos dentes os batalhões de “ucranaZionalistas”. E hoje continuam a fornecer aos “democratas” do Zé Lenski armamento em grande quantidade e cada vez mais sofisticado, sem sinais de arrependimento, ou recuo. Ao contrário, determinados a ir até às últimas consequências.
    Mas os comunistas também detestam Putin. Daí a incoerência do seu discurso.
    Como diz CM: “É por isso que é tão fácil aos atlantistas anti Rússia atacar o PCP e colocar o público contra o PCP. É difícil defender o que é incoerente.”

    • Muito bem. Vinha mesmo comentar sobre isso. E desta vez o Comunista Tadeu faz ainda pior, dá de barato dois argumentos ao regime ocidental:

      – que a guerra só começou a 24-Fevereiro com Rússia a invadir, e não a 16-Fevereiro com Ucrânia a bombardear o Donbass (como provam os relatórios da OSCE) re-começando a guerra em mais uma violação dos acordos de PAZ de Minsk, que eram os documentos (assinados por Macron, Merkel, e Putin) que garantiam a integridade territorial da Ucrânia;

      – e que a razão disto é o alargamenro da NATO, argumento válido mas não A razão, pois sabe-se que a Rússia foi dedender o Donbass dos Nazis, mas não invadiu a Finlândia perante a sua adesão. E sabe-se que Zelensky admitiu que Biden lhe pediu para anunciar entrada na NATO, mesmo sabendo que não ia entrar.

      E depois, lá está a incoerência, condena igualmente a Alemanha Nazi (ditadura UcranaZionalista que bombardeou Donbass) e quem desembarcou na Normandia (Russos e LDPR que lutam pelo fim da guerra). E diz que defender a paz é criticar de forma igual o Hitler (Zelensky, Azov, Biden, etc) ou os Aliados Roosevelt, Churchil e Stalin (Putin, Pushilin, Khadirov, etc).

      Pior, o Comunista Tadeu que já ia por mau camingo argumentativo, dá uma guinada repentina para acabar a falar do PCP, do Avante, e do Milhazes.
      Quereria garantir que o seu texto é ainda mais facilmente atacado pelos do pensamento único?
      Pois então que o Comunista Tadeu vá de férias, e que regresse o Pedro Tadeu, que também é Comunista, mas que dá prioridade à escrita de bons textos com exemplares argumentações.

      E depois fala do “torniquete informativo” da Rússia, como se a Rússia não tivesse meios privados e comentadores da oposição. Sim, uma jornalista anti-guerra teve de pagar uma multa de algumas centenas de Euros. E por cá, o que se faz a quem mostra a guerra do lado do Donbass?

      E o que aconteceu a Assange, estará lembrado?
      À Alina Lipp, e a tantos outros, presos, processados, des-plataformizados, perseguidos, despedidos (ou sem nenhuma MainStreamMedia a quem vender a sua “colaboração” precária), e censurados! Tudo isto na “democracia liberal”.
      Não é Zelensky que “quase pode ser comparado” a Putin, é o regime Russo que pode ser comparado ao regime Ocidental, e cada vez mais vezes o Ocidental fica pior na fotografia.

      Os corajosos Europeus que agitaram de forma igual as bandeiras USAmericana, Britânica, e Soviética no Dia da Vitória e celebrações seguintes em 1945, estariam hoje furiosos com os covardes que se colocam em posição neutral perante Zelensky e Putin. É que um glorifica Nazis, enquanto o outro os combate. Não há equivalência possível, nem é aceitável um Democrata dizer-se equidistante. Nem sequer se considererem Putin um Fascista!

      Espero só que a Espanha não volte a invadir Portugal, senão ainda teremos de levar com os PCP e “pacifistas” (ou pró-paz) a dizer que Espanha é muito má, sim senhor, mas que não apoiam a intervenção militar do exército de Portugal nem a Padeira de Aljubarrota… O que interessa é ir ao Avante cantar o Kumbaya e fazer figas pelo fim da guerra entre dois lados igualmente condenáveis…

      Eu, que sou Social-Democrata admirador dos resultados do Modelo Nórdico com Sistema de Ghent, perante um Ventura e um Tadeu, não sou equidistante, sou Comunista. Perante um Maduro e um Guaidó, sou Bolivariano anti-imperialista. Perante um Hitler e um Stalin, sou Soviético. Perante um Hitler e um Roosevelt, sou 100% USAmericano. Perante um soldado da NATO e um Afegão, sou Talibã. Perante a NATO original e o Pacto de Varsóvia, seria pró-NATO. Perante um Franquista e um Basco, sou da ETA. Perante um Israelita e um Palestiniano, sou do Hamas. E perante um UcranaZionalista e uma criança do Donbass, sou pró-Donbass dos pés à cabeça, nem que para isso tenha de estar do mesmo lado de Putin!

      Isto não é falta de valores ou incoerência. Bem pelo contrário, é ter coragem para fazer decisões difíceis em tempos excepcionais. Tendo só duas opções a escolher, eu teria gosto em usar uma fita de São Jorge ao peito na parada do Dia da Vitória em Moskva, mesmo tendo de estar ao lado de Putin. Mas nunca na vida aceitaria ir a Kiev para ser filmado ao lado do ditador, belicista, torturador, assassino, glorificador de Nazis, aldrabão e corrupto Zelensky.

      Mas também eu tenho dúvidas. Por exemplo ainda não decidi de que lado da fotografia ficar, perante o recente convívio com abraços e sorrisos e muitos “valores europeus” entre Emmanuel Macron e Mohammed Bin Salman. Um manda armas para matar crianças no Donbass, o outro manda armas para matar crianças no Iémen. Um corta jornalistas aos pedaços, o outro é amigo de quem o faz. Um odeia pessoas da oposição, o outro odeia pessoas eacuras da imigração. Aqui, para escolher um lado, tenho de usar o um dó li tá…

      • Grande comentário. Sobretudo este parágrafo: “Eu, que sou Social-Democrata admirador dos resultados do Modelo Nórdico com Sistema de Ghent, perante um Ventura e um Tadeu, não sou equidistante, sou Comunista. Perante um Maduro e um Guaidó, sou Bolivariano anti-imperialista. Perante um Hitler e um Stalin, sou Soviético. Perante um Hitler e um Roosevelt, sou 100% USAmericano. Perante um soldado da NATO e um Afegão, sou Talibã. Perante a NATO original e o Pacto de Varsóvia, seria pró-NATO. Perante um Franquista e um Basco, sou da ETA. Perante um Israelita e um Palestiniano, sou do Hamas. E perante um UcranaZionalista e uma criança do Donbass, sou pró-Donbass dos pés à cabeça, nem que para isso tenha de estar do mesmo lado de Putin!”

    • Qual regime “democrático”?
      O que faz censura e prende denunciantes?
      O que invade meio Mundo e mata milhões mas depois aplica sanções ilegais a quem se defende?
      O que apoia um Apartheid e compra petróleo a Sauditas e dá armas a neoNazis?
      O que tem instituições supra-nacionais com NÃO-eleitos a ditarem ordens para os povos obedecerem?
      O que manda pessoas poupar água e gás ou andar a pé, ao mesmo tempo que a sua oligarquia se passeia em campos de golfe, aviões a jacto privados, e naves espaciais?
      O que tem um gulag num zona invadida de Cuba?
      O que vai agora a caminho de Taiwan para provocar mais uma guerra?
      Ou em particular aquele país onde há uma “maioria” de 52% obtida com 41% dos votos de 21% dos eleitores, que entrou ilegalmenre no €uro e aplica austeridade permanente de maneira que em 20 anos aumentou o número de pobres (antes de apoios sociais) em meio milhão, para o total actual de 4.3 milhões?
      Etc.

      Experimenta olhar para o “regime democrático ocidental” com a mesma lente que usas para olhar os outros.

      Ou então faz como o Borrel, chama a isto um “bonito jardim francês bem organizado” e chama “selva” aos outros. Mas se o fizeres, então o local onde vives fisica e mentalmente, não é uma Democracia. Nem é sequer respeitador dos Direitos Humanos.

      Felizmente 85% do Mundo sabe isto, e a ordem Mundial Multipolar está a nascer. Se isso significar que acabaram os golpes e as invasões da NATO/EUA, já valeu a pena!

  3. Portanto o Pedro Tadeu, na sua marcha triunfal pela paz, sugere ficar entre dois fogos.
    Ninguém disse ao escriba, que esse é o pior sitio para montar a tenda da paz?
    O complexo Putinista é aquele que abre as portas ao colonialismo nazi europeu, e ao terrorismo norte americano, neste contexto, depois logo se verá.

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