Costa e Cavaco, um duelo português

(Carmo Afonso, in Público, 08/06/2022)

(Convém não perder de vista o que se vai passando por cá, apesar da pouca relevância que possa ter, quando até a continuidade do planeta pode vir a estar em causa. Contudo, como o Cavaco não sai da toca todos os dias, devemos dar-lhe, ao menos, uns minutitos de atenção. E novela por novela sempre é melhor a do Cavaco com o Costa do que a do Rogeiro com o Milhazes…

Estátua de Sal, 09/06/2022)


A simplicidade da provocação de Costa e o tapete de arraiolos que Cavaco teceu para lhe responder dizem muito sobre o que distingue os dois políticos. Os portugueses deram maiorias absolutas a duas personalidades opostas.


Há implicâncias unilaterais. Alguém pode jogar sozinho o jogo de lançar, sempre que pode, uma farpa mais ou menos evidente sobre o seu rival eleito. Tem o seu interesse, mas nada que se compare a uma implicância correspondida. Um duelo tem outro valor. É com muito gosto que acompanho o desenrolar do que opõe, e une, António Costa a Cavaco Silva.

A assistência, mesmo sendo altamente previsível nas suas leituras e interpretações, também contribui para o interesse desta disputa. À esquerda considera-se que António Costa leva a melhor e à direita que é o ex-presidente a pôr os pontos nos is. Nada de novo nesta parte.

Cavaco afirma que ninguém é perfeito. Mas é evidente que faz os possíveis para defender que está a passo de o ser. Ler o seu artigo no Observador é presenciar um exercício de autoelogio como há muito não se via. Mais, Cavaco Silva fala sempre do seu Governo e da sua maioria. Os pronomes possessivos e o emprego da primeira pessoa – bom, à exceção da parte em que fala de si mesmo na terceira pessoa – são uma constante.

Todas as propostas e reformas que Cavaco elenca, e que elogia, são a seu ver trabalho, e mérito, da sua pessoa e não da equipa que com ele integrava o Governo à época. Desses não reza a história contada pelo ex-primeiro-ministro. Quando falamos de elogios poderia pensar-se que Cavaco apostou no uso de adjetivos. Nada disso. São descrições e alusões a matéria factual seca, pura e dura. Leis de Bases e afins. Note-se que Cavaco Silva tem muita paciência e não falha ao rigor. Precisou de ambos para escrever aquele artigo.

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Conseguiu, contudo, apontar um defeito a si mesmo: a falta de talento para seduzir jornalistas. Claro que se encarregou de caracterizar esse defeito como sendo uma virtude e de o atribuir a António Costa. Neste aspeto, concede Cavaco Silva, Costa é muito melhor que ele. Ou seja: muito pior.

Disse o próprio, numa entrevista posterior a Maria João Avillez, que já tinha o artigo/carta aberta a António Costa escrito há um mês, mas que aguardou o final da discussão do Orçamento de Estado para a publicar. Se não se fica a imaginar uma cartinha dobradinha à espera do momento certinho.

Boa altura para introduzir a participação de António Costa nesta dinâmica. Primeiro, as palavras que proferiu no discurso da tomada de posse e que estimularam Cavaco, foi o próprio que o admitiu, a escrever o seu artigo: “Faço parte de uma geração que se bateu contra uma maioria existente que, tantas vezes, se confundiu com um poder absoluto.”

Foi uma só frase. Costa não tem a paciência de Cavaco nem quando tem vontade de discutir. Mas mais importante: não era uma frase que estivesse escrita num discurso preparado há semanas. Nada disso. António Costa aparentemente nem a tinha escrita no seu discurso e tê-la-á dito por impulso e de improviso. E aqui estão dois substantivos que não combinam com Cavaco Silva. É mais fácil, e mais certo, misturar água com azeite.

A simplicidade da provocação de Costa e o tapete de arraiolos que Cavaco teceu para lhe responder diz muito sobre o que distingue os dois políticos e os dois homens. Os portugueses deram maiorias absolutas a duas personalidades opostas.

Mas, convenhamos, existiu mesmo a provocação. Desta vez foi Costa que começou. Na verdade já tinha começado quando obrigou Cavaco a indigitá-lo como primeiro-ministro, em 2015, depois de um resultado eleitoral que não lhe foi favorável. Foi a decisão de um presidente vencido, mas não convencido, recordar-se-ão. E foi a que marcou a sua despedida da vida política.

Mas depois Costa continuou:

Logo em 2016, com a “gerigonça”, inverteu uma tendência de desaceleração da economia que vinha de 2015. No último trimestre de 2016, Portugal foi o país que mais cresceu na zona euro. E ainda agora continua: a Comissão Europeia acaba de prever que Portugal será o país com maior crescimento económico em 2022. Ora, quando Cavaco Silva aponta a falta de reformas estruturais, do Governo de António Costa, tem sempre em vista a inversão da tendência de empobrecimento relativo em relação aos países da União Europeia. Preocupa-se, e agasta-se, em vão o ex-primeiro-ministro.

Cavaco não trava um duelo fácil.

É que as críticas que podem, e devem, ser feitas à governação de António Costa não são de direita. É a esquerda que tem do que se queixar. Com as críticas de Cavaco pode António Costa bem. E podemos todos. E ainda agradecemos a oportunidade. Cavaco continua a ser o cimento da esquerda.

Não é todos os dias, nem todas as semanas e nem sequer todos os meses que temos esta animação. Venham mais cartas abertas conservadas em local seco e protegido do sol.

A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico


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9 pensamentos sobre “Costa e Cavaco, um duelo português

  1. Venham mais artigos da Carminho sobre o António Costa vs Múmia Paralítica e menos, muito menos, sobre a “Operação Militar Especial” da impoluta Rússia na nazi Ucrânia.

    • Você nem dorme a pensar nos seus amigos NeoNazis que com armas da NATO (Howitzers americanos) continuam a bombardear zonas civis de Donetsk e arredores e a matar pessoas inocentes e decentes (e como tal revoltadas contra o golpe de estado de 2014 no seu ex-país). Deve estar orgulhoso por a Rússia ainda não os ter travado a todos nessa zona…
      Aliás você todos os dias celebra a cada novo Km conquistado pela Turquia (NATO) no Norte da Síria, e por cada bomba da NATO que mata um Curdo. Ah, mas disso a “imprensa livre” não fala, e você não quer saber dos “peles escuras”… Aliás, durante 8 anos, você nunca quis sequer saber dos peles claras russófonos. em mesmo com um relatório da OCSE à frente do seu focinho, a mostrar os MILHARES de bombardeamentos diários (feitos por NeoNazis com armas da NATO contra zonas civis) na semana ANTES da Rússia ir em defesa do povo do Donbass!
      Contexto para quê? Quando se pode ser só um mero parvo pró-NATO a debitar propaganda de Kiev/Pentágono?! Não é verdade?

      «quando obrigou Cavaco a indigitá-lo como primeiro-ministro, em 2015, depois de um resultado eleitoral que não lhe foi favorável. Foi a decisão de um presidente vencido, mas não convencido»
      – quanto à Carmo Afonso, e outras pessoas adeptas da Geringonça, digo o que não gostam de ouvir, mas é a mais pura das verdades: foi graças ao profissionalismo de Cavaco Silva que Portugal teve uma legislatura (2015-2019) estável, pois foi baseada em acordos escritos.

      E foi graças ao palhaço Marcelo, e à recusa de acordos escritos (por parte do PS por mero taticismo, por parte do PCP por pura loucura inexplicável) que hoje já não temos Geringonça, e passámos 2019-2021 só com crise política atrás de crise política.

      Obrigado Putin, e obrigado Cavaco. Não temos de gostar deles (nem das suas políticas) para perceber quando os políticos são bons, e baseiam as suas decisões naquilo que está certo a médio/longo prazo, e não naquilo que lhes dá mais selfies no curto prazo… Olha, e fica assim também comentado indirectamente o chorrilho de alarvidade da Merkel esta semana…

      • Lê a informação abaixo, Cavaquista do raio que te parta:

        ‘A expressão «você é estrebaria»
         
        Qual a origem e significado da expressão «Você é estrebaria» ou, noutra versão, «você na minha terra é estrebaria» ou ainda «você na minha terra é um burro»?

        Nuno Albuquerque Advogado Lisboa, Portugal 23K
        Em Portugal, a forma de tratamento você nem sempre é considerada muito educada, e, ainda hoje, fora da intimidade, não é raro associá-la a alguém que não é muito culto e tem falta de educação. A propósito deste pronome de tratamento, Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 294), observam o seguinte (manteve-se a ortografia):

        «[O valor] de tratamento igualitário ou de superior para inferior (em idade, em classe social, em hierarquia), e apenas este, [é] o que você possui no português europeu normal europeu, onde só excepcionalmente – e em certas camadas sociais altas – aparece como forma carinhosa de intimidade. No português de Portugal não é ainda possível, apesar de certo alargamento recente do seu emprego, usar você de inferior para superior, em idade, classe social ou hierarquia.»

        Quase trinta anos depois de estas palavras terem sido publicadas, a perspetiva por elas descrita ainda se mantém em Portugal, embora no passado a atitude fosse, em certos meios, mais exacerbada, quando se encarava o emprego de você (e não o uso da 3.ª pessoa do singular com um interlocutor) como traço de falta de trato em situações de comunicação. Não é possível identificar com segurança a origem factual das expressões em apreço, mas parece plausível que você fosse usado com serviçais, entre os quais se incluiriam, por exemplo, moços de estrebaria, que tinham um trabalho rude. Note-se, aliás, que, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, estrebaria é  local onde se recolhem cavalos e guardam arreios; não obstante, designa igualmente «um alojamento impróprio, imundo». Quem se julgasse superior a este grupo de criados deveria relacionar a estrebaria não só com os cavalos, aos quais se atribuía certa nobreza, mas também aos burros, animais rudes, do ponto de vista da tradição. No fundo, as expressões em causa seriam réplicas para significar que o tratamento por você não é recomendável, pois é mais usado por quem só sabe lidar com animais.’

        in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa,

        https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-expressao-voce-e-estrebaria/32198#

  2. Esta história é um reinício das outras historias..Apenas o contexto é diferente..

    Considerando que somos um país de resmungões.
    Tendo em conta que muitos dos nossos deputados de política percebem pouco.
    Considerando que a gestão do país foi desastrosa.
    E enquanto que chegou o momento em que cada Portugués deve considerar-se um cidadão.
    Seria aconselhável carregar o smartphone a aplicação :
    “Costa e Cavaco, um duelo português”.
    Podem consultar as contas, votar, consultar os resultados e possivelmente escrever os comentários aos deputados em questão.

    Costa e Cavaco dois grandes boomers..

    Não terão nada e serão felizes, isto é a política de Davos, os outros são marionetas que seguem o guião…
    Um Estado endividado a 140% do PIB que passa cheques, podemos falar de um mau cheque?
    Poder de compra num mundo onde já não somos livres e totalitários, qual é o objectivo?

    Um pequeno lembrete.
    A inaptocracia (ou “ineptocracia”) é o governo dos incapazes.

    “Inaptocracia: um sistema de governo no qual os menos capazes de governar são eleitos pelos menos capazes de produzir, e no qual os restantes membros da sociedade menos capazes de se sustentarem ou serem bem sucedidos são recompensados com bens e serviços que foram pagos pela confiscação da riqueza e do trabalho de um número continuamente decrescente de produtores”.

      • Eu não bebo Uisque é muito caro para mim..Raramente bebo,nunca fumei.

        Por isso vou explicar o que penso da política e de políticos.

        Estes políticos são os coveiros da democracia.
        Quer um programa político seja bom ou mau de acordo com a percepção de cada um, existe apenas uma percepção válida, a dos capangas da UE.

        Por outro lado, as actuais “altas esferas” do nosso país distinguem-se pela sua arrogância e contrabando intelectual…

        Ainda acreditam nas promessas de políticos? Ele não terminaram o mandato e as promessas desaparecerão com ele! Outra categoria social que não deve esperar nada deste Pai Natal!!!

        A Política em Portugal é também :
        – um sistema de algumas escolas que permite o acesso ao poder (seja ele político, financeiro ou económico; eleito ou não) e difundir a boa palavra do totalitarismo do mercado

        – a confiscação do poder local, graças ao paraquedismo político, especialmente nas grandes cidades

        – a confiscação do poder dos funcionários eleitos, graças aos funcionários à frente dos vários gabinetes (os funcionários eleitos vêm e vão, os funcionários públicos ficam…)

        – a confiscação da liberdade de investigação, ensino, práticas profissionais (através de financiamento, acesso a certos cargos, leis, etc.)

        – vida associativa e cultura controladas (através do sistema de subsídios (financeiros, empréstimos gratuitos de instalações…), concursos, RSI, acreditações, deduções fiscais, aumento dos padrões, campanhas nos meios de comunicação social…)

        • “a confiscação do poder dos funcionários eleitos, graças aos funcionários à frente dos vários gabinetes (os funcionários eleitos vêm e vão, os funcionários públicos ficam…)” ? Com esta é que o Senhor me “fecundou” ! Nunca imaginei que houvesse funcionários eleitos !!! Quem são ? Três nomes, bastam…………………
          Quanto ao resto das suas observações, o André Ventura não diria melhor.

  3. Costa, enfim. É um político no ativo, função que pressupõe uma certa dose de animosidade política e algum combate.
    Mas, Cavaco? Deve ter-se esquecido de que foi, em tempos, o supremo magistrado da nação.
    Sugiro a leitura de https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2022/06/sentido-de-estado.html, ou de uma pequena sátira, para descontrair, em https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2022/06/contra-informacao-carta-de-acabado-silva.html (esta, NÃO PERCAM!)

  4. Duelo de titãs! Isto promete! Só falta o Marcelo pró palpite! Por favor, uma imperial fresquinha com amendoins para a mesa do fundo! Melhor que Chuck Norris, Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger numa fita juntos.

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