(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 08/06/2022)

A ex-chanceler alemã Angela Merkel participou há dias numa palestra em Berlim organizada pela editora Aufbau e transmitida pela televisão nacional de que os meios de comunicação retiraram um título: Angela Merkel já sabia que Putin queria destruir a Europa!
Não faço ideia se Angela Merkel terá de facto feito a afirmação e, menos ainda, em que contexto. Mas tomando como boa a transcrição e descontextualizada, o que sempre uma forma de manipulação, de colocar alguém a dizer o que convém ao citador há que pensar na afirmação. Independentemente da consideração intelectual e da experiência política de Angela Merkel esta afirmação deve ser sujeita ao crivo da crítica.
Assim a “seco” a afirmação é a-científica e a-histórica. É uma frase empírica, vulgar e que podia ser adequada a uma conversa de pé da porta. Angela Merkel é uma cientista e é culta, conhece a história do mundo e da Europa, em particular.
Não há memória (e não é sequer possível) duas entidades políticas, de dois grupos humanos socialmente organizados, no mesmo grau de desenvolvimento social, político e tecnológico terem como objetivo destruírem o outro. Nem na antiguidade os impérios em disputa tiveram como finalidade a destruição do adversário, mas sim o seu domínio. Continua válido o objetivo da guerra definido por Clausewitz: a imposição de uma vontade. E não a destruição de uma civilização, de uma cultura. Angela Merkel conhece com certeza exemplos (maus exemplos) dessa formulação: a destruição do império romano pelos bárbaros conduziu a mil anos de escuridão civilizacional da Europa (Duby — Ano Mil); a destruição do que restava dos impérios do Crescente Fértil (Iraque) pelos estados Unidos no século passado teve o resultado que ainda hoje é observável. A destruição de uma entidade política como a Jugoslávia, da qual Angela Merkel foi co-responsável, deu origem ao que se sabe, a emergência dos grupos terroristas que invocaram a religião muçulmana para impor uma nova desordem, os massacres na região, incluindo a destruição da Sérvia!
Angela Merkel devia saber que nem Hitler pretendia destruir a Rússia quando ordenou a Operação Barbarossa, copiando a paranoia de Napoleão, de que se evoca agora um duplo centenário para a invasão da Rússia. Nem Hitler, nem Napoleão tiveram por objetivo destruir a Rússia, mas conquistá-la, ganhar para os seus países as matérias-primas que ela pudesse fornecer, para com elas fortalecerem o seu poder nas suas bases de partida: a Alemanha e a França. Nas duas invasões europeias à Rússia, o objetivo não foi destruí-la, mas explorar riquezas.
Que lógica, ou que racionalidade existiria agora numa decisão da Rússia, dos seus dirigentes, de fazerem uma volta de 180 º na História, apontarem batarias a Ocidente e destruírem a Europa?
Militarmente isso não é possível. A Rússia não tem capacidade militar para isso, como se prova com as dificuldades em ocupar uma estreita faixa de terreno na sua fronteira, o Donbass, na Ucrânia, a não ser com armas nucleares que levariam ao Armagedão, à destruição mútua. Raciocinar com base no pressuposto de que para a Rússia a destruição da Europa faz parte da sua estratégia de defesa de interesses vitais é um absurdo. É absurdo mesmo no sentido figurado de entender a destruição da Europa como a destruição da unidade europeia. Continua a ser absurdo.
A primeira entidade que rompeu essa pretensa unidade foi o Reino Unido, com o Brexit. O euro também não é um exemplo de unidade. As relações muito tensas entre os Estados ocidentais e orientais da EU, nomeadamente com a Polónia, a Hungria, a República Checa a propósito de questões essenciais como o Estado de Direito também não são fatores de coesão que seja indispensável a Rússia destruir vinda de fora.
De facto, lendo a história e as estatísticas, percebe-se que a Rússia é autossuficiente em bens alimentares, energia, terras e minérios raros, em tecnologia desde a necessária aos domínios dos mares, à terrestre e espacial, tem baixa densidade populacional e sofre de entraves ao desenvolvimento interno e à promoção de bem-estar às suas populações. Estas condições não tornam necessário, nem sequer conveniente que a Rússia se expanda a partir do uso da força. A Rússia não necessita de espaço vital, necessita de desenvolvimento interno, de um mercado interno dinâmico.
A afirmação de Ângela Merkel, se foi feita e descontextualizada como surgiu, é preocupante, porque se a mais lúcida e intelectualmente estável dirigente europeia faz esta leitura da situação internacional, nós, os europeus, corremos sérios riscos de nos vermos envolvidos pelos atarantados políticos de Bruxelas num dos vários conflitos que se iniciaram por um caso estúpido, que após milhões de mortes ninguém consegue justificar, como aconteceu com a I Grande Guerra, e até com a Segunda.
Para a Rússia, a Europa é a Alemanha, a França é um intérprete simpático entre a Europa a Alemanha e os países latinos, o Reino Unido é uma colónia dos EUA e os países do antigo Pacto de Varsóvia são uns oportunistas que se vendem a quem tiver mais poder.
A Europa, seja a Europa o quer que seja, não necessita da Rússia para ser insignificante e não vale a pena destruir o que está à nossa mercê. E a Europa está à mercê da Rússia, por muito que custe a alguns europeus que gostariam de viver numa Europa autónoma e afirmativa, que merecesse que a ameaçassem, mesmo a Rússia. Os estados, tal como os indivíduos, também se avaliam pelos inimigos. Angela Merkel talvez quisesse dizer que a Europa necessitava de ser importante para merecer uma disputa com a Rússia…
A inteligência é um bem muito, muito, raro. Muito obrigado pelo artigo.
Angela Merkel esteve ontem presente num colóquio no Theater Berliner Ensemble com o jornalista Alexander Osang. Casa cheia como era de esperar. O que a informação corporativa alemã e a seguir todo o jornalismo mainstream europeu fizeram das declarações de Merkel não merece comentários. Qualquer político dos países da NATO que tenha tido antes da intervenção militar um relacionamento normal com o Presidente da Federação Russa sofre hoje, digo assim, tratos de polé.
A comunicação social europeia está ao serviço da NATO e da guerra. Não há meio termo, não há compromisso, não há nuances. Toda a opinião pública europeia está a ser mobilizada contra a Rússia. Vale tudo e de qualquer maneira. O título „Angela Merkel já sabia que Putin queria destruir a Europa!“ é apenas um exemplo simples da informação bizarra que hoje é fornecida aos europeus. Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda de Hitler, ainda teve de andar a berrar por praças e estádios. Hoje não precisaria, os jornalistas da NATO manipulam e açulam muito melhor.
Também…
Já viu o que era Von der Leyen aos berros num estádio ?
Pobre coitada! Haja misericórdia!
Não, uma coisa dessas não!
Ouça, faz-se muita coisa… Mas… Aos berros ?
Figura descomposta ? Cabelo desalinhado ? Só de pensar nos perdigotos! Minha nossa senhora, não…
Estes senhores e senhoras, que já fazem esforços impensáveis para alimentar guerras em recantos sombrios governados por nazis, de pé, num estrado, aos berros e no meio da plebe ? Haja pudor!
Afinal, somos o quê ? Selvagens ?!? Para alguma coisa serviriam estas tecnologias todas que inventamos!
Imagina Charles Michel a fazer uma coisa destas ? Ai, que horror! Os óculos embaciados com a escandecência provocada pelo êxtase do momento, o rubor das faces, a careca exposta à inexorabilidade dos elementos… Que visão horripilante! Políticos a fazerem esforços deste género ? Isso não é democrático e, pior… Isso pertence ao séc. XX!
Não é progresso!
E depois, considere o seguinte: assim alcançam toda a gente duma vez.
Se dependessem de aparições em locais públicos – sem o apoio de câmaras, equipes de maquilhagem, os telepontos, os auriculares da NATO, etc… – ainda tinham que andar em viagens de país em país!
Que estrénuo!
Já viu aquelas viagens em primeira classe todas ? O quão cansativas podem ser ? Ainda se falássemos dum branqueamentozinho de capitais… Uma corrupçãozinha com o dono da Pfizer… Mas… Fomentar guerras ? Isso dá trabalho!
Mais vale viajar de parlamento em parlamento!
Melhor!
Nem sair do Parlamento Europeu e de Bruxelas!
Todas as câmaras no mesmo sítio e já está! Forçar as pessoas a esperar pelas notícias da noite!
Se Von der Leyen não vai à montanha é porque pôs meia dúzia de nazis no sítio e não sabe como se livrar deles!
Meia dúzia de tweets e faz-se um curso rápido em geopolítica do Séc. XXI com um renomado lente que escarnece e educa Diplomatas Russos com a “verdade”, isso é que é!
E depois… Esta gente é tão esforçada no que diz a respeito a Paz, Democracia e Liberdade, já para não falar na sua benevolência e candura, que chegam a relacionar-se com uns simpáticos exterminadores de humanos e Russocondríacos que não desminam Portos MARÍTIMOS para exportar o grão de Trigo – que, segundo os mesmos Políticos amantes de Liberdade, é fulcral para inúmeros países do Mundo dependentes do mesmo – porque têm medo duma Intervenção Militar de PARAQUEDISTAS e depois vêm atribuir culpas das fomes de África aos pobres patetas que andam às voltas das minas colocadas por indivíduos que esperavam um ataque de anfíbios quando foram invadidos por TERRA.
Ouça, coordenar tudo isto é trabalho duro.
Não passa pela cabeça de ninguém andar dum lado para o outro quando meia dúzia de coartadas pela TV contra o “mauzinho” do Selvagem de Leste servem para alimentar a cabeça dos palermas que acreditam no que dizemos.
Por outro lado, a comunicação social está ao serviço da guerra ? Então, eles não fomentam a Paz com a venda de pacotes de batatas ? Perdão! Armas, armas! Era isso que queria dizer! As batatas já nem as podemos importar se calhar!
Sanções eficientes, impedem tudo. A estes homens e mulheres não lhes escapa nada!
Nem as formigas ou os morcegos dos laboratórios biológicos! Somos tão humanistas que houve um esforço frenético de resgatar os pobres bichinhos que ficaram esquecidos do lado de lá!
Imagine-se as sevícias que devem sofrer com os russos, ai que barbaridade…
Não vi a entrevista de Angela Merkel nem li qualquer transcrição da mesma, porque gosto de preservar a minha sanidade mental. No entanto só entendo a afirmação divulgada pelo articulista como uma demonstração de que, na sua já avançada senilidade, a ex-chanceler identifica “a Europa” com a União Europeia. São coisas diferentes. Acredito que a Rússia preferisse dialogar com cada um dos países individualmente, tendo como base o pragmatismo, ao invés de ter de aturar uma UE completamente insana e domesticada por Washington. Mas não tenho notícia de qualquer ação de Moscovo no sentido de dividir a União. Pelo contrário, quem o fez foi a Inglaterra, como é muito bem lembrado no texto.
Já quanto à análise militar tenho algumas dúvidas. Em primeiro lugar, dizer que não é fácil vencer em poucos dias uma guerra em que os oponentes têm grande mobilidade e raio de ação. Os americanos acabam de perder uma guerra assim no Afeganistão contra uma horda de pastores de cabras, como muito bem lembrou recentemente um seu senador.
Não convém esquecer que os russos estão a usar na Ucrânia menos de 10% do seu potencial militar, como lembrou Pepe Escobar, colocaram na Ucrânia cerca de 150 000 soldados, muito jovens e ainda sem nenhuma experiência de combate real, mais 50 000 de prevenção na Bielorrússia, enquanto a Ucrânia se estima que tenha na região leste cerca de 200 000 homens a sua força de elite, fortemente treinada durante os últimos 8 anos e armada pela NATO. E a força ucraniana tem vindo a ser sistematicamente destruída no Leste e estes militares que morrem às centenas diariamente, por serem a elite do exército ucraniano, não poderão ser substituídos.
Dizer ainda que a relativa lentidão do avanço russo e das FPD se deve ao facto de quererem causar um mínimo de destruição nas zonas urbanas onde os batalhões ucranianos se acoitam, e dar aos civis tempo e auxílio para saírem dos locais de combate. Se flagelassem os locais com bombas de alta potência, como fazem habitualmente os americanos, a guerra já teria terminado ali. Aliás, eles poderem destruir completamente a própria Kiev quando quiserem só usando o tiro à distância das suas armas pesadas. Se por infelicidade algum dos mísseis de longo alcance que os americanos dizem ir enviar para a Ucrânia chegar a causar perda de vidas em território russo, isso provavelmente irá causar uma retaliação infernal.
Os russos não podem perder a guerra porque detêm o controle total do espaço aéreo e marítimo. O que provavelmente irá acontecer é que a situação de aparente impasse se venha a prolongar por mais algum tempo, até que de um momento para o outro as tropas ucranianas no Donbass, exaustas e completamente isoladas do resto do país, acabem por claudicar sem apelo. é o que me parece ser inevitável.
A Rússia iniciou esta campanha preparada para qualquer desenvolvimento, chegou a encarar fortemente a possibilidade de um acordo de paz logo no início das hostilidades. Agora no entanto, já sofreu demasiadas sansões e humilhações do Ocidente e perdeu demasiadas vidas dos seus próprios soldados para se permitir retirar com base em qualquer acordo semelhante ao de Minsk, que os ucranianos nunca cumpriram e custou por essa razão perto de 15 000 vidas civis de russos no Donbass. A população russa, que está na sua esmagadora maioria em sintonia com a intervenção, nunca iria aceitar algo assim.
A Rússia só dará por terminada a Operção “Z” com a rendição incondicional do regime neonazi ucraniano e a anexação total do Donbass. E assim, mesmo que Kiev permaneça fora do teatro da guerra, sem nenhum acesso ao mar e irremediavelmente separada da sua zona industrial, não estou a ver que reste da Ucrânia o suficiente para continuar a ser um país independente. Tudo aquilo em que os americanos tocam acaba destruído, mas os ucranianos também são culpados.
É que em Democracia, o Povo é co-responsável pelos atos dos governantes que elegeu.