Não saiu o “berbicacho” a Marcelo, saiu pior

(Ana Sá Lopes, in Público, 31/01/2022)

O Presidente da República andava muito preocupado, há bastante tempo, que do resultado das eleições não saísse uma situação clara. Que lhe saísse “um berbicacho”. Não saiu o “berbicacho”, saiu uma imprevista maioria absoluta que António Costa pediu insistentemente (até há dez dias) e os portugueses lhe deram sem questionar muito.

Quando António Costa formulou o seu desejo de ter a maioria que este domingo alcançou, apresentou o Presidente da República como a garantia de que uma maioria absoluta não era “poder absoluto”. Segundo Costa, o Presidente saberia travá-lo quando ultrapassasse determinados riscos. A verdade é que, antes, nunca aconteceu: nem Cavaco Silva por duas vezes (e tinha Mário Soares a cumprir cabalmente as suas funções constitucionais) nem José Sócrates (com Cavaco Silva em Belém) alguma vez conseguiram travar decisivamente as pulsões de poder absoluto dos primeiros-ministros Cavaco Silva e José Sócrates. A Marcelo cabe fazer o que os seus antecessores em Belém nunca conseguiram – e Mário Soares foi muito duro a tentar travar Cavaco, mas os poderes constitucionais não permitiram ao Presidente fazer mais do que fez. E os Governos Cavaco não foram efectivamente travados por Soares.

É caso para desejar ao Presidente Marcelo, com quem Costa agora conta para o “travar”, a boa sorte que não tiveram os seus antecessores. Na verdade, o que Marcelo ganha em estabilidade, perde em relevância política.

António Costa vem falar de “maioria de diálogo”, que é uma coisa que não existe. Pode ser que venha a existir, mas não há precedente nem bibliografia nacional sobre a matéria e o próprio António Costa, sendo primeiro-ministro de um governo minoritário, agiu muitas vezes como tendo maioria absoluta. Agora, o secretário-geral do PS quer “reconciliar os portugueses com a ideia de maioria absoluta”. Será interessante assistir.

Como esta maioria absoluta é uma vitória pessoal de António Costa – que jogou as fichas todas neste cenário, apesar de ter recuado na estratégia a meio da campanha depois de as sondagens começarem a dar sinais de que o PSD se estava a aproximar do PS – é muito difícil que não seja novamente candidato a líder daqui a dois anos, no Congresso do PS. É evidente que terá toda a legitimidade para sair do Governo para ocupar um cargo na Europa, mas será aceitável deitar a maioria absoluta ao chão, daqui a dois anos? É muito complexo. É evidente que pode ser substituído à frente do Governo por outro socialista, mas depois do que aconteceu com Pedro Santana Lopes a solução – constitucionalmente correcta – passou a ser vista como maldita.

O PS tem agora mandato até Janeiro de 2026, altura em que será eleito novo Presidente da República. O agora “vigilante” da maioria absoluta ainda tem a possibilidade de sair de Belém com o consolo que todos os outros anteriores presidentes tiveram: ver a sua família política a regressar ao poder, no fim do seu mandato, ainda que só venham a coexistir nos cargos por dois ou três meses.

P.S. António Costa cumpriu o sonho de muitos socialistas: reduzir ao mínimo os partidos à sua esquerda. Será muito difícil retomar qualquer nova “geringonça” – os abraços de urso deixam marcas.


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3 pensamentos sobre “Não saiu o “berbicacho” a Marcelo, saiu pior

  1. Será muito difícil retomar qualquer nova “geringonça” . Tudo como d’antes, no quartel de Abrantes…
    Numa palavra, Passos Coelho destruiu a Direita em Portugal. Para para os amigos dele a culpa foi de PS…
    Não se enxergam

  2. Contra a vontade de quase toda a comunicação social o PS e mais concretamente António Costa tiveram maioria absoluta. Não estava previsto por eles, comunicação social, e o testemunho está presente no comportamento da mesma ao longo da noite em quase todos os canais e rádios. Quase me atrevo a questionar? O que fez o PS à comunicação Social? O que será que tanto os incomoda?. Não se sabe e é difícil adivinhar. Acho que a AR deve debruçar-se sobre esse tema ou seja a isenção da CS face à democracia e aos seus deveres para com ela. Não sei se estes vão fazer alguma reflexão, mas acho que deviam fazer e essa reflexão devia ser profunda e séria. Há profissionais que se deviam envergonhar do descaramento do seu comportamento.

  3. Ver os Jornaleiros do Canal Publico e a jornaleira feminina ,até tiinha a boca a banda ,o eu azedume era indisfarçavel …..no fim declarava com azedume refinado ,isto surpreendeu-nos a todos…..já incluia todos os Portugueses,aqules mesmos que estes jornaleiros manipularam durante 15 dias ….quando os desejos não se cumprem ,perdem a máscar a e a compostura ,pq o Povão não segue o “Guião” que lhes queriam impigir …..

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