Passos de uma crise que leva ao pântano

(David Dinis, in Expresso Diário, 24/10/2021)

Há Orçamento? O Governo cai? Que fatores podem mudar o curso dos acontecimentos? E até onde pode ir a ingovernabilidade? Eis os caminhos da crise, seguindo o calendário.

27 DE OUTUBRO

VOTAÇÃO NA GENERALIDADE

Este sábado, António Costa tentará convencer Catarina Martins ou, sobretudo, Jerónimo de Sousa: haverá cedências na manga, também um limite de tolerância (orçamental, em alguns casos, de princípio em outros). O objetivo é evitar a crise e/ou distribuir responsabilidades por causa ela. Se o Orçamento passar, a crise não acaba — segue apenas para o dia seguinte no calendário. Se for chumbado à partida, Costa terá o seu pior cenário: só a esquerda poderá ser responsabilizada pela crise. Será o fim da solução política que Costa trouxe para a cena política [saltar para o dia 4 de dezembro].

24 DE NOVEMBRO

VOTAÇÃO NA ESPECIALIDADE

Se o país político chegar aqui, será com alívio de pressão, mas por pouco tempo. O PCP (ou o Bloco) manterá a pressão para as votações alínea a alínea, procurando mais ganhos de causa. Mas o perigo para Costa não é só aumentar a fatura para João Leão, é também o de existirem coligações negativas entre esquerda e direita que tirem o tapete ao Governo. Dentro deste cenário, um dos maiores riscos está no preço dos combustíveis. Com a crise atual, direita e esquerda defendem uma descida do ISP, a que o Executivo resiste. Seria o exemplo sucedâneo do Novo Banco ou do IVA da luz, que fizeram tremer (menos) os dois últimos Orçamentos. Em todo o caso, a crise segue para o dia seguinte do calendário.

25 DE NOVEMBRO

VOTAÇÃO FINAL GLOBAL

Cenário 1, para o terceiro Dia D do Orçamento: tudo passa e Costa ganha um ano no seu calendário político, mas com a ‘geringonça’ ligada às máquinas.

Cenário 2: as coligações negativas, em cima do ambiente de implosão da ‘geringonça’ dos últimos dias, podem colocar um cenário ainda mais dramático no dia da votação final do OE-2022: que as mudanças impostas sejam tantas que levem o próprio Governo a pedir à bancada do PS que vote contra um OE que não assume como seu. A jogada política teria um risco para o PS, que era o de ser ele a carregar no botão da crise e isso ser usado como ataque na campanha. Mas teria também uma vantagem para Costa, pois permitia-lhe apontar o dedo ao PSD por uma “irresponsabilidade” orçamental, não deixando toda a culpa da crise para a outrora sua ‘geringonça’. Mas, claro, tudo isto depende da estratégia do próprio PSD neste processo orçamental. Assim como tudo depende da forma como Costa e o PS perspetivarem o futuro do PSD. Para perceber porquê, o melhor é dar um pulo para a próxima data no calendário.

4 DE DEZEMBRO

DIRETAS NO PSD

Quando chegar o dia da eleição do novo líder, o PSD já saberá se o país vai ou não para eleições antecipadas. Em caso negativo, o resultado — o vencedor — ditará estratégias diferentes: Rio menos agressivo (à espera que a morte da ‘geringonça’ se oficialize), Paulo Rangel mais agressivo, tentando acentuar esse desgaste já visível. Caso o Orçamento chumbe, tudo muda de cenário. Os sociais-democratas terão de acelerar prazos e escolhas, nomeadamente se se juntam ou não ao CDS (mais certo), IL (menos) e o que fazem com o Chega — Rio não o excluirá, Rangel disse que sim. O objetivo, em qualquer caso, será o mesmo: tentar capitalizar o efeito Moedas, de mobilização do eleitorado de direita, e procurar atingir uma maioria na Assembleia da República. Em todo o caso, contará a capacidade de unir o partido. Assim como para a vitória (e para os ­apoios) contará quem tenha maior expectativa de fazer um bom resultado nas eleições.

INCÓGNITA 1

COSTA VAI? OU PASSA A BOLA AO PS?

Em agosto, em entrevista ao Expresso, Costa deixou a dúvida: antes das eleições seguintes teria de decidir se ainda é o seu tempo ou não. Se a ‘geringonça’ cair, a dúvida recoloca-se com maior intensidade, dado que assinala o fim de um percurso — e também por saber que voltar a vencer em minoria pode tornar quase impossível a governação. Costa pode (o PS acredita que deve) ir a jogo, mas há uma hipótese alternativa: Costa sair, Pedro Nuno apresentar-se num congresso extraordinário com a proposta de fazer um acordo sólido à esquerda. Teria concorrência? E com que estratégia?

INCÓGNITA 2

ELEIÇÕES ANTECIPADAS

Sendo, nestas circunstâncias, muito improvável uma maioria absoluta, o país entraria num de três cenários:

1) Vitória do PS com maioria à esquerda. Seria uma repetição do cenário atual, com mais ou menos representantes entre os três partidos, e era provável que o PS tentasse um acordo escrito, com ou sem coligação de Governo, com um ou mais parceiros. Dado o chumbo do Orçamento, o cenário de partida não é tranquilizador para o PS, mas o programa de Governo passaria na votação.

2) Vitória do PSD, maioria de direita. Será possível caso o chumbo do OE levasse a uma desmobilização do eleitorado de esquerda. Mas, sem maioria e com um CDS menos forte, o líder do PSD teria de passar um teste: no caso da estratégia de Rio, negociar com o Chega, como fez nos Açores (atenção, o Governo regional está já sob ameaça), vendo até onde ceder nas bandeiras radicais erguidas por Ventura; no caso da estratégia de Rangel, esperar que Ventura cedesse à sua estratégia — nada lhe entregar, deixando na sua mão a decisão de chumbar ou validar um Governo de direita onde não participará.

3) PSD vence, mas com maio­ria de esquerda. Seria a repetição do cenário de Passos em 2015. Costa teria já seis anos de governação sobre os ombros, pelo que a negociação seria mais dura; mas, por outro lado, teria a garantia de uma ‘obrigação’ da esquerda em se sentar para negociar um terceiro Governo PS. Em coligação? Com acordo escrito? Em caso positivo, o novo Governo salta diretamente para outubro de 2022 no calendário. Em caso negativo, passa para o mês seguinte: abril.

INCÓGNITA 3

OE-2022, TAKE 2

As negociações à esquerda, em qualquer caso, teriam um primeiro teste sério: fazer passar o Orçamento para 2022, chumbado meses antes. Com um acordo de Governo sólido, seria uma primeira etapa de uma legislatura que terá de provar até 2026. Mas num Governo de esquerda sem acordo escrito, seria mais um Dia D para Costa: um novo OE chumbado deixaria Portugal num pântano político, sem solução à vista. Nesse pior cenário, o PS e o Presidente teriam papéis centrais. Os socialistas pode­riam tentar escolher um novo líder — Pedro Nuno Santos seria o melhor colocado — para tentar o que Costa falhou; já Marcelo teria na mão a decisão mais difícil do seu mandato: dar espaço ao novo líder do PS para um acordo à esquerda ou convocar novas eleições?

Todo este cenário teria reverso da medalha, caso seja a direita a governar. Consegui­riam Rangel ou Rio fazer passar um primeiro Orçamento? E se ele dependesse de Ventura? Negociariam com ele? Com que linhas vermelhas? E que garantias haveria de conseguirem novo OE para o ano seguinte? Uma pergunta para a última etapa deste labirinto político.

OUTUBRO DE 2022

OE-2023, TAKE 1

Se Costa chegar aqui, conseguindo evitar uma crise política em 2021, não é nada certo que consiga repetir a proeza no ano que se segue, pois os riscos de chumbo do último OE da legislatura é já assumido por quase todos os socialistas. Mas se Costa não a tiver evitado e for reeleito, tudo depende das circunstâncias do momento. A economia terá melhorado? A crise dos combustíveis passou? A direita recuperou? O Governo foi remodelado, ganhou força? E a esquerda espera pelo calendário ou termina o distanciamento que ficou tão visível nesta crise?

Se o Governo for à direita, repetem-se muitas das mesmas interrogações: Rangel ou Rio conseguiriam estabilidade? Ou a direita entrava também num pântano?


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