Marcelo branqueia Ventura

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 07/01/2021)

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Falar de Ventura sem falar de Passos é branqueamento. Não foi Ventura que obrigou Passos a aceitá-lo como candidato autárquico do PSD em 2017. Não foi Ventura que impôs a Passos o palco de Loures para se ensaiar, pela primeira vez em democracia, um discurso racista, xenófobo e securitário com a chancela de um partido que votou a Constituição e suas sucessivas revisões. Foi Passos quem decidiu, por estar na oposição e não aceitar esse resultado, que era oportuno deslocar o PSD para o discurso do ódio instrumental aos bodes expiatórios que servem de alvo para os ignorantes, os impotentes, os desesperados. Se resultasse em Loures, o seu PSD ganharia um braço armado que poderia ser usado noutros pontos do mapa onde os mesmos ingredientes populistas prometessem ganhos eleitorais.

Falar de Ventura sem falar de João Miguel Tavares é branqueamento. O discurso anti-sistema tem como racional a teoria da conspiração que faz da corrupção o mal supremo da Grei. O caluniador profissional que se iniciou na imprensa a escrever textos sobre filmes, e que assina as suas opiniões como “jornalista”, teve a sorte grande de ser processado por Sócrates como reacção a um exercício calunioso. A partir daí, especializou-se nesse filão por haver muito dinheiro a ganhar com o ódio tribal ao PS e com os assassinatos de carácter respectivos. A necessidade de manter o negócio e a obsessão alimentada nesse ecossistema financeiro e fanático levou-o progressivamente a expandir a teoria, tendo acabado por declarar repetidamente que a corrupção tinha como origem a Assembleia da República, onde se criam as leis que protegem os políticos corruptos, e como executantes dos crimes os governantes que sacam milhões, e ainda como cúmplices os Presidentes da República sucessivos que se limitam a assistir calados (por também estarem a meter no bolso algum, é a fatal inerência). Só se salvam alguns procuradores e alguns, raríssimos, juízes – aos quais aplaude que cometam crimes por ser necessário combater a corrupção dos políticos protegidos pelos deputados que fazem leis corruptas, restando só aos magistrados terem de violar as leis para denunciarem os bandidos. O módico bom senso – que digo, bastariam vestígios de senso comum – faria prever que esta personagem teria uma passagem meteórica pela comunicação social profissional. O contrário aconteceu pois a indústria da calúnia tem público e dinheiro para gastar com as suas vedetas – todas de direita ou ao seu serviço, fica a curiosidade. E depois veio o impensável, Marcelo usou a Presidência da República para dar honras de Estado exclusivíssimas a quem tinha no seu currículo apenas e só a perseguição a Sócrates e as calúnias que atingem toda a classe política. Este caldo dissoluto e alucinado, que se encontra em diferentes tipos e graus da Cofina à Clara Ferreira Alves, do Observador ao Manuel Carvalho, do José Rodrigues dos Santos ao “Governo Sombra”, já existia anos antes da entrada de Ventura no palco. Ele apenas lançou fogo à colossal lenha que outros amontoaram, e continuam a amontoar, à espera disso mesmo.

Falar de Ventura sem falar de Rio é branqueamento. Conviver com um presidente do PSD que prometeu “banhos de ética” e reposicionamento ao centro, e que na primeira oportunidade não só normaliza como se alia a quem ataca a democracia e os direitos humanos, obriga a tomar posição. Fingir que não está a acontecer, abafar, é antinómico tanto para jornalistas, como para comentadores, como para uma certa pessoa com o estatuto de antigo presidente do PSD, de actual Presidente da República e de candidato a um novo mandato. Esse facto novo de Rio ter sido tão volúvel perante um oportunista que congrega saudosos do salazarismo e do nazismo está inscrito na realidade política. Não se entende Ventura, então, sem compreender a tragédia de Rio.

Falar de Ventura sem falar de Cavaco é branqueamento. O apoio de Ferreira Leite, de Maria João Avillez e de Cavaco à aliança do PSD com o Chega expõe esta elite a uma luz que nunca a atingiu por terem estado protegidos, durante décadas, pelos impérios de comunicação e pela decência da esquerda. Assim iluminada, na evidência de olharem para Ventura e começarem a salivar com a tentação do poder, esta gente tão séria – mas tão séria que outros teriam de nascer duas vezes para serem honestos como eles – revela que na sua essência não passam de reles e imorais videirinhos.

Falar de Ventura sem falar de Trump é branqueamento. Ventura copia Trump e outros modelos de tiranetes com sucesso eleitoral em democracias ou à procura dele. Por sua vez, Trump vai ficar não só como o pior presidente dos EUA de sempre como, muito provavelmente, será julgado como traidor e rei louco. Se não for nos tribunais, se não for num hospício, será na História. Ventura decidiu vender a sua alma a esse ogre na lúbrica e fáustica cobiça de explorar indivíduos vítimas da alienação e perseguir indivíduos vítimas da miséria.

Falar com Ventura sendo-se Marcelo acabou em branqueamento. Não foi capaz de lhe dizer quão inaceitável, quão indecente, quão abjecto e quão perigoso Ventura é para todos os que comungam dos valores que Marcelo alega defender. Não foi sequer capaz de lhe dizer que, na sua opinião de católico, talvez Deus não esteja a achar muita graça a isso do Ventura reclamar ser um eleito divino com a missão de se tornar no próximo ditador de Portugal. Em vez disso, Marcelo violou o protocolo de Estado e a sua integridade como Presidente ao usar num debate eleitoral informações relativas às conversas sigilosas que manteve com o deputado Ventura no âmbito da autoridade regimental de que foi investido pelo voto soberano e pela Constituição.

Isso fez de Marcelo um simétrico de Ventura: um Chefe de Estado que em privado, com cafezinhos e bolachinhas, tem a mais cordial das relações com o carrasco dos pretinhos que chegam à Europa com o último modelo de telemóvel na mão para nos roubarem os subsídios, e que em público é capaz do vale tudo para conseguir atingir um adversário e tentar safar-se de um ataque político fútil.

Para explicar o fenómeno Ventura é obrigatório não branquear a pessoa e o papel do Presidente Marcelo. Tristemente para a direita portuguesa, desgraçadamente para todos nós.

7 pensamentos sobre “Marcelo branqueia Ventura

  1. Para ser coerente com o que diz nesta crónica, Valupi seria levado a concluir que falar de João Ferreira sem falar de Estaline ou de Maduro era “branqueamento”, o que é absurdo evidente, João Ferreira não tem nada que ver com esses dois facínoras, mas dá uma ideia da patetice desta crónica.

  2. Nota. Este post é a justa consagração de quem é realmente a personagem Valupiana em todo o seu esplendor, fizeste muito bem em o replicares por aqui (como sabes, talvez,o André Ventura é um filho directo dosescândalos do Socratosmo, repito-me). Numa palavra o gajo é um ALDRABÃO; numa segunda palavra: um NOJO; numa terceira palavra: SOBRA-LHE TEMPO E, TAL COMO O MESTRE JOSÉ SÓCRATES,SOBRA-LHE PORQUE O DINHEIRO NÃO LHE CUSTA A GANHAR! Sobre o palco que deu ao Miguel Romão nem uma vírgula, sobre o facto de ele envolver a ministra e o António Costa na adrabice do caso José Guerra também nada, sobre o que mais esta patifaria revela e quem é o tipo também nada* (serviria ler o JMT por estes dias, ou mesmo o Pedro Marques imaginem vocês!). E é a esta bicharada, e abichanada gente, que o Portugal está entregue… Eu acho é que deveriam comprar uma calculadora para oferecer ao António Costa, só com a tecla de somar, para os legionários do PS irem tratando de enterrar os mortos.

    Asterisco.

    Nota. Onde vão os tempos elogiosos da #Geringonça, pá. “This candidate has a long track record of cases working on fraud involving European funds,” the minister told broadcaster RTP. “He is the best.”: em tempos de bazuca ter um outro Zé lá por casa dá imenso jeito!

    https://www.politico.eu/article/portugal-government-turmoil-eu-prosecutor-pick/

  3. O Ventura não passa de um néscio abrutalhado, esse sim um verdadeiro cata-vento sem princípios e de um oportunismo e manipulação vorazes. Supostamente é um génio do Direito, mas mesmo assim conseguiu aprender umas coisas sobre Ciência Política e Direito Constitucional através do Prof. Marcelo e ainda teve a oportunidade de cometer uma gaffe final ao dar o exemplo Francês enquanto um suposto regime presidencialista (levou logo uma reguada do Professor).

    No rescaldo do debate, os comentadores de serviço cedo se apressaram a declarar a vitória do atual PR. Nada contra, uma valoração correta do que se passou. Ninguém se eximiu de apontar o dedo ao Ventura e de o desmascarar, sensivelmente nos mesmos termos em que anteriormente o fiz. A partir daí, passámos do realismo para o país das maravilhas… e da hipocrisia.

    Na SIC Notícias a expressão-chave foi a dos “portugueses de bem”. Para os doutos comentadores, o PR terá de o ser para todos os portugueses. Certo. Mas é mesmo necessário passar um atestado de estupidez a quem trabalha, estuda, paga impostos, cumpre as leis, enfiando-nos pelos olhos e ouvidos dentro a ideologia de que o livre arbítrio não existe e que quem pratica crimes o faz porque a “sociedade” a isso os obrigou, por mero acaso, ou por desígnio divino? Para estes “humanistas”, o conceito de “crime” (ou mesmo de “contra-ordenação”) é um anacronismo e uma parvoíce, que só leva ao eclodir dos Venturas desta vida. Querem nos impingir que todos devemos ir tirar selfies para o Bairro da Jamaica, acordar num pranto pelos nossos concidadãos a cumprir pena, pugnar pelo fim das cadeias. Afinal, quem é roubado, agredido, só tem o que merece.

    Será que estes comentadores praticam o que exigem aos outros? Duvido muito.

    Vamos dar de barato que sim, que todas as pessoas são pessoas de bem. Se assim é, os mesmos opinion-makers deveriam manifestar a mesma tolerância quando uma boazona qualquer acusa um tipo de a ter tocado num ombro há uns 20 anos e de a ter “assediado”, e depois o mesmo tipo é arrasado publicamente quando ela mais não fez na vida do que se despir para filmes, revistas e novelas da tv? Ou quando um motorista de autocarro, desautorizado ad eternum, entram e não pagam bilhete, gozam com ele, ameaçam-no, chegam a dar-lhe uns tabefes, um dia reage e, se tiver uma tez um pouco mais clara do que a dos “passageiros”, logo é acusado de racismo e pronto, acabou-se.

    E tantos outros exemplos desta nossa pieguice coletiva.

    Nessa altura, já ninguém anda para aí a cuspir que “somos todos pessoas de bem”. E nessa altura, o PR que se põe em bicos de pés para não deixar ninguém para trás, o presidente de todos os portugueses, acaba também por deixar alguns pelo caminho.

  4. Só vou discordar numa coisa o Ventura não é um fenómeno mas sim a comunicação social em geral escrita e televisiva, Ventura não passa de um fraco aldrabão que se apanha ao virar da esquina ,Marcelo é e sempre foi um ver bo de encher que não engana ninguém excepto quem queira ser enganado ,que o outro chamou de catavento ,aquele que andava com um livro de Salazar no carro .

  5. Para a esquerda todos são Ventura.

    Até o Marcelo que é um dos principais apoios da geringonça.

    O Marcelo é a grande oportunidade de converter parte da direita à responsabilidade social, como foi feito em alguns países da Europa pós II GM em que parte da direita colaborou com a social democracia.

    Ao rejeitarem a mão dele em nome de purismo ideológico só vão unir a direita ao torno de bestas como o Passos e o Ventura.

    Brinquem muito que depois levamos com um governo PSD-Chega.

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