Ilíada, Canto IX, 438-43

(Por Valupi, in Aspirina B, 01/10/2012)

Não custa a entender. Quem defende o ostracismo de Ventura, recusando dar-lhe atenção e palco, está cheio de boas intenções: limitar a sua influência, manifestar a repugnância que a sórdida figura suscita, evitar lutar com o porco para não ficar emporcalhado. Acontece que quem assim pensa está também a pensar mal.

Odisseia é muito mais popular do que a Ilíada mas é nesta que se encontra uma lição política fundante e fundamental: aquele que é bravo na assembleia é valente na batalha – aquele que for bravo na batalha será valente na assembleia. A capacidade de tomar a palavra e enfrentar a ameaça de injustiça, como faz Aquiles na abertura do poema na cara de um rei, não é menos heróica do que a capacidade de enfrentar Heitor junto às muralhas de Tróia. As gerações que vieram a criar a primeira forma de democracia beberam desde o berço esta e outras lições – onde o falar livremente numa comunidade, de deuses ou humanos, era toda a civilização.

Se João Miguel Tavares merece ser uma das personalidades mais importantes do regime, tendo-lhe sido oferecida a raríssima e supina honra de presidir ao mais densamente simbólico dos feriados patriotas, por que razão se foge do Ventura alegando ser má companhia? Um e outro devem o seu sucesso exactamente à mesma fórmula, tentam ocupar os mesmos segmentos de mercado. Ambos viram uma oportunidade na decadência da direita, afundada na impotência e no ódio, e criaram marcas fortes e independentes. Um tornou-se caluniador profissional especializado nos alvos de quem lhe paga. O outro alinhou com Passos e serviu de cobaia para se ensaiar em Portugal o radicalismo da direita inimiga dos direitos humanos.

Loures só foi uma derrota nas urnas, no plano da inovação política corresponde a um triunfo da fórmula pois vimos um presidente do PSD, ex-primeiro-ministro, a promover e consagrar uma cópia à portuguesa de Trump. O caminho que trouxe o Chega para os boletins de voto ficou então aberto.

O equivalente da sonsaria torpe do bracinho do Ventura a simular a saudação nazi numa manifestação encontra-se nos artigos e intervenções deste Tavares entretanto rico quando ensaia a defesa do Estado Novo e a diabolização do 25 de Abril debaixo de camadas de torpe sonsaria inspirada em Rui Ramos e quejandos. Ambos, André e João Miguel, comungam da visão intencionalmente mentirosa e alucinada em que a corrupção é a mãe de todos os males, em que quase todos (ou todos, depende do espectáculo) os políticos são corruptos e fazem leis para blindarem a corrupção na impunidade, em que o Estado não presta e deve ser reduzido à expressão mínima para não andarmos a sustentar madraços e estroinas, e em que só Passos Coelho e Joana Marques Vidal nos poderão proteger dos monstros socialistas que nos querem devorar. Os públicos a quem se dirigem são uma mistela de fanáticos, broncos e descompensados.

O Daniel Oliveira, por exemplo, entrevistou com gosto e compadrio o caluniador profissional. E ouviu dele, sem ripostar, a celebração da actividade criminosa no seio do Ministério Público ao serviço de uma agenda de perseguição política. Que razões terá para continuar sem convidar Ventura para o Perguntar não ofende quando estamos, como diria o Jerónimo, perante farinha do mesmo saco? Acaso Ventura não é interessante e importante por desvairadas razões ou sob variegados pontos de vista? Acaso os seus ouvintes não adorariam assistir à conversa sobre a podridão de Pedroso, Vara e Sócrates? Ou será que o Daniel teme ficar outra vez em silêncio face às barbaridades que saíssem do boca do seu entrevistado e, nesse caso, tal já daria que falar, e depois era chato?

Deixar o Ventura, um hipócrita que se desfaz com um sopro de decência e duas ou três noções básicas de História, sem contraditório, olhos nos olhos e de peito cheio, acaba por ser um monumento ao estado degenerado da sociedade. Uma sociedade que tem alinhado cobardemente com a violação do Estado de direito democrático ao serviço de vinganças oligárquicas e corporativas. Uma sociedade que aceitou ser cúmplice da pulsão do linchamento moral. Ventura nasceu nesse esgoto e foi subindo pela sua montanha de merda até conseguir empestar a Assembleia da República. O Portugal da indústria da calúnia sente que Ventura é um dos seus, e cala-se consolado. O Portugal que se respeita a si próprio mas que opta por fugir de um palhaço que nos quer fazer mal pagará o preço de não combater pela liberdade.


8 pensamentos sobre “Ilíada, Canto IX, 438-43

  1. Adenda. E o JMT esse outro qu’é filho da CMTV e dos escândalos do Socratismo, claro.

    […]

    Nota. Sobre a diabolização das fugas de informação, a coisa é tão excêntrica face aos casos concretos que conhecemos mais recentemente em Portugal, que já dei para esse peditório por alturas do processo da Casa Pia exactamente. Em última análise consiste sempre, o dito, em apontar o dedo, condicionar e condenar à fogueira, doentiamente, alguns jornalistas inoportunos bem identificados da imprensa popular por se limitarem a fazer o seu trabalho, como se vê nos lugares do estilo aliás.

    No fundamental é.

    • RFC mais uma afirmação sonsa. Ninguém culpa os jornalistas das notícias escrevem nos jornais. Culpa-se, isso sim, os responsáveis pelos crimes de fuga de informação. Culpam-se os profissionais da justiça que, sabendo o que é o segredo de justiça e estando obrigados a o defender, mesmo assim vazam para os jornalistas informação que agride violentamente o direito à justiça de todos os cidadãos. Culpam-se as estruturas disciplinares dos tribunais que fazem vista grossa às violações do segredo de justiça, isto é, fazem vista grossa a crimes que presenciam todos os dias…

      • Nota. Tanga, o que querias? Quando é que acordaste para as fugas de informação? Com o coitadinho do Menino de Ouro, antes com a Casa Pia e, a partir daí, tudo que toque no PS é vingança dos bandidos? Lê a exemplar acusação do MP ao cabrão do José Sócrates mentiroso e percebes quem é que tentou torcer o tal Estado de Direito a favor dos seus interesses… Ele e o João Galamba que, sendo deputado da Nação, o avisou que andavam a tratar-lhe da saúde…

        Simples, isto.

      • Adenda.

        Então Galvão, camaradão, ficas-te?

        O que é que é feito do ilustre Vassalo com a plêida dos seus maravilhosos posts, a propósito, chateou-se com isto d’A Estátua e retirou-se para a província para tratar da horta e dos pinheiros, andou a tratar de fazer render o eucaliptal que lhe calhou na herança de mangueira na mão?, será ele o novo CEO da fábrica de chouriços do camarada Jorge Coelho, por ora livre das maçadas semanais da Circulatura do Quadrado na TVI e do José Pacheco Pereira e do Lobo Xavier, enquanto o tipo estiver novamente pronto para tratar da sua “outra vida” (JPP dixit), e assim, preparar-se para ajudar o camarada António Costa a tratar da bazuca dos milhões oferecidos pelos anjinhos europeus ao Partido Socialista?, bruxo!, está num retiro espiritual do Grande Oriente Lusitano, ou da Opus Dei?, pensa retrospectivamente sobre o sentido da vida, bateu a bota, mau!, Covid?, ou deixou-se das cenas sem interesse nenhum aqui do rincão e agora só tem olhos também para o seu novo best friend forever, o Joe Biden, como o cabrãozinho bacano que se assina ali de cima?

        Se sabem, tlim-tlim, só peço a Deus que o confessem…

        😉

        Asterisco.

        Pomba Branca
        2 DE OUTUBRO DE 2020 ÀS 13:20

        Valupi: então mas o Donald Trump (tanguista, corrupto, censor, fuga aos impostos, mafioso, trafulha, mentiroso, &etc.) não faz mais o teu género de super-herói? Viste o pintas do Matos Fernandes durante uma acção de propaganda logo de manhã, com o emplastro do presidente do CA do Metropolitano a fazer cenário e a aumentar o cadastro?

        Nem sei como é que o PS não o foi buscar logo no Socratismo…

  2. Nota. Tanga, o que querias? Quando é que acordaste para as fugas de informação? Com o coitadinho do Menino de Ouro, antes com a Casa Pia e, a partir daí, tudo que toque no PS é vingança dos bandidos? Lê a exemplar acusação do MP ao cabrão do José Sócrates mentiroso e percebes quem é que tentou torcer o tal Estado de Direito a favor dos seus interesses… Ele e o João Galamba que, sendo deputado da Nação, o avisou que andavam a tratar-lhe da saúde…

    Simples, isto.

  3. Chamar caluniador profissional a alguém e vir depois dizer que JMT é especializado nos alvos de quem lhe paga é muito baixo. Diga quem lhe paga. Ou o caluniador é você.

    • Tem calma, pá!

      Nota. É preciso conhecer-se um bocado da colorida e eeduzida gramática da personagem Valupiana, que é usada recorrentemente contra os estranhos ao Socratismo ou a quem, no momento, lhe dá as sopas no PS para aquecer o estômago, para se dar a devida importância à muita merda embrulhada em papel brilhante que o tipo escreve merece… Isto é, o que pretende ser traficado como análise, digamos assim, vale politicamente nada (é ler!). De resto, a conversa é sempre a mesma embora cozinhada com a arte típica de quem simula conhecer o segredo das iscas com elas, do exótico ovo estrelado e do bitoque.

    • Da série “Subsídios para um Dicionário Breve do Aspirina B” (Letra M de Nas muralhas da cidade)

      Nas muralhas da cidade
      2 SETEMBRO 2020 ÀS 9:04 POR VALUPI

      […]

      Pomba Branca
      2 DE SETEMBRO DE 2020 ÀS 12:19

      Valupi diz-nos uma coisa!

      Isto das muralhas da cidade investaste quando o José Sócrates esteve preso no interior das muralhas da prisão de Évora? É que a nova cadeia fica para lá das muralhas da cidade de Évora, pá, antigamente é que existiam as cadeias comarcãs e, naturalmente, Évora não seria a excepção…

      Ou esta cena filosófica de algibeira surgiu-te com a condenação do Armando Vara?

      Foi uma profecia na volta: o Azeredo vai aterrar em Paços de Ferreira, que, apesar de tudo, fica ali à porta de casa, e sempre dá para o Tiago Barbosa Ribeiro lhe ir levar uns maços de tabaco.

      […]

      🙂

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