Rui Rio e a arte da espera

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 23/06/2020)

Daniel Oliveira

Ao PS interessaria iniciar um novo ciclo político antes do pico da crise económica e social. Ao PSD, pelo contrário, é fundamental impedir que Costa vá a votos quando está numa posição confortável. A inteligência de Rui Rio foi colocar-se numa posição que lhe permite manter um guião coerente que o deixa em espera, até ao momento mais favorável. Ele sabe que as eleições se perdem, não se ganham.


Logo depois da reunião com António Costa, Rui Rio deixou claro que o Orçamento Suplementar não teria resistência do PSD. Isto, mesmo antes de o conhecer. E cumpriu, juntando-se à abstenção dos partidos mais à esquerda no hemiciclo e afastando-se do resto da direita, que votou contra.

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A parte relevante do anúncio quase imediato de Rui Rio não era o que iria acontecer, foi o tom que o líder do PSD tencionava manter durante todo este período. Sempre pontuado com avisos que o protegem. Esse tom foi dado na intervenção que fez no Parlamento, logo no inicio da pandemia. Não quero parecer cínico e afastar o patriotismo do seu comportamento. Mas também não devo ser ingénuo e afastar o taticismo. Quando se faz a História para consumo popular, cheia de heróis e vilões, costuma ficar apenas um destes lados. Mas a política, mesmo a melhor, faz-se de um tempero entre cinismo e princípios.

António Costa esteve, durante a primeira fase da pandemia, em alta. Aprendeu com Pedrógão e esta crise apelou ao que ele tem de melhor: negociar, gerir urgências, tomar decisões de curto e médio prazo. Conseguiu, ao contrário do Presidente da República, manter a calma desde o início. E teve a sorte de estarmos na ponta da Europa, podendo contar com mais informação do que vinha de oriente para ocidente. Juntou-se a isto um Serviço Nacional de Saúde em melhor forma do que a propaganda privatizadora sempre nos vendeu. E uma oposição que percebeu que usar o medo das pessoas era uma jogada perigosa que poderia ter um efeito de boomerang.

Não sabemos se os números da pandemia não derraparão demasiado no desconfinamento. Nem como evoluirá a situação na região de Lisboa e Vale do Tejo. Nem, mesmo que as coisas corram bem, se a perceção de muita gente demasiado assustada se mantém positiva. Nem se não vem aí uma segunda vaga. Como se tem visto pela ansiedade instalada nos últimos dias, tudo é uma incógnita. Mas, até agora, esta crise sanitária reforçou a posição do primeiro-ministro. Se fosse a votos brevemente esmagaria.

Sem me enfiar por agora nas contas dos apoios europeus e nas contrapartidas exigidas, é inevitável que aí venha uma grande crise económica e social. Não digo que a austeridade é inevitável, porque há uma confusão nos termos – austeridade é uma política que aprofunda a crise para manter as contas equilibradas, não são as consequências inevitáveis da própria crise. Mas as dificuldades vão ser muitas. O tempo que se segue será de grande desgaste político.

Ao PS interessaria iniciar um novo ciclo político antes do pico da crise económica e social. Ao PSD, pelo contrário, é fundamental impedir que Costa vá a votos quando está numa posição confortável. Como está nas mãos do PSD haver ou não uma crise política, essa crise não existirá tão cedo. Mesmo que Costa a venha a desejar muito. A inteligência política de Rui Rio, que a direita trauliteira sempre subestimou, foi colocar-se, logo no início desta pandemia, numa posição que lhe permite manter um guião coerente que o deixa em espera, até ao momento mais favorável. E sempre com ganho de respeitabilidade. Nunca será responsabilizado pelo que corra mal, não perderá com o que corra bem. Ele sabe, ao contrário dos miúdos excitados que queriam fazer a Costa o que o PP e a VOX estão a fazer a Sánchez, que as eleições se perdem, não se ganham. Chegará o momento em que Costa as perde. E esse momento não é este nem será tão próximo.


Um pensamento sobre “Rui Rio e a arte da espera

  1. A tática da espera só me faz recordar o tempos em que era jovem adolescente e jogador da bola.
    Tínhamos um colegas de equipa que eram avançados de centro( gíria de outros tempos para ponta de lança) e que estavam sempre insatisfeitos, por que não lhe passávamos a bola… para eles brilharem.., marcando golos.
    Pois o PSD até pode ter a mesma tática mas, não acredito que tenha jogadores para lhe passarem a bola e,assim ganharem 0 ” campeonato”.
    Uma pergunta simples : qual é o programa do PSD para o futuro da “economia portuguesa” , se quisermos de uma forma mais simples, quais são as ideias força para a recuperação económica…..??

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