(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 11/10/2019)
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Dê as voltas que der, Rui Rio não conseguiu mobilizar o eleitorado de direita. Nem depois de Tancos. Nem perante uma monumental derrota do CDS. PSD e CDS conseguem menos 230 mil votos, menos 2,4 pontos percentuais e quase menos dez deputados do que Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. E Pedro Passos Coelho foi responsável por um pacote de austeridade de dimensões nunca vistas na nossa democracia. Rio também não contrariou o aprofundamento da decadência do PSD nos meios urbanos, sobretudo em Lisboa, Porto e Setúbal. Se isto ditará a morte política de Rio só as guerras de barões e baronetes laranjas ditarão. Já começaram.
Quanto ao CDS, só podemos comparar os seus resultados com 2011, quando concorreu sozinho. E a comparação é avassaladora. O CDS perde 440 mil votos (fica com um terço da votação), 7,5 pontos percentuais (também um terço) e 19 deputados (fica com um quinto). Em relação a 2015, perde 13 deputados. Fica próximo, em votos, dos resultados das eleições europeias. E isto acontece sem pressão do voto útil: a direita tinha estas eleições perdidas. A pressão era tão pequena à direita que até deu para eleger dois deputados de dois novos partidos. Quando se anda pelo mapa eleitoral a coisa torna-se ainda mais deprimente. O CDS fica atrás do BE em todos os círculos, incluindo em Vila Real, Bragança, Viseu, Aveiro, Leiria ou Açores. A exceção é só a Madeira. E fica atrás do PAN em Lisboa, Porto, Setúbal e Algarve. Desaparece de quase todos os distritos.
As razões para esta hecatombe parecem-me óbvias. Enquanto o PSD é um partido sem identidade, o CDS é um partido com demasiadas identidades. Já foi quase tudo o que se pode ser à direita. Quando se trata de partilhar poder e a liderança é forte, este é um problema menor. Quando o projeto é ficar na oposição tudo se complica. A sociologia do eleitorado de direita mudou e os dois partidos não conseguiram acompanhar essa mudança.
O dinamismo partidário da esquerda, marcado pelo nascimento do BE há quase 20 anos, acompanhou e continua a acompanhar uma sociedade cada vez mais segmentada. A direita ficou paralisada, sem que nada mudasse nela em quase meio século. A clivagem entre liberais e conservadores, moderados e autoritários, não teve repercussões partidárias. O pragmatismo do poder encobriu mudanças e divergências que são centrais para a representação política.
O que o PSD trata através do silêncio que a miragem da chegada ao Governo permite (mesmo não escondendo que o problema existe, como se vê pela resiliência dos passistas), o CDS resolve pela esquizofrenia. Paulo Portas disfarçava-o com a sua arte de transformismo político. Assunção Cristas não tem essa capacidade. O último ano foi uma autêntica montanha russa. Promoveu Adolfo Mesquita Nunes, dando sinais de liberalização do partido; autoproclamou-se líder da oposição depois das autárquicas, passando a ideia de que ocuparia o espaço do PSD e criando expectativas impossíveis de acompanhar; escolheu o ultraconservador e trauliteiro Nuno Melo como cabeça de lista a umas europeias coladas às legislativas; e depois julgou que podia fazer a síntese de tudo isto. Não pode. Num partido da dimensão do CDS não cabem Adolfo Mesquita Nunes e Francisco Rodrigues dos Santos (o quase bolsonarista “Chicão”, líder da JP) sem que um se imponha ao outro.
O CDS acabou ensanduichado pelo ultraliberalismo da Iniciativa Liberal e o racismo e autoritarismo do Chega! – na realidade, no que interessa a cada um, estão os dois à direita do CDS. Tem de escolher com qual deles quer competir. Ou se até prefere ser um partido conservador católico, com preocupações sociais. Não pode, com 4%, ser tudo isto ao mesmo tempo.
O CDS deixou de ser uma barreira à extrema-direita. Ela entrou no Parlamento e terá de ser combatida por forças mais poderosas. Se for inteligente, o CDS clarificará a sua estratégia, irá buscar alguém como Adolfo Mesquita Nunes e tentará representar os liberais de direita, sobretudo os mais jovens que não se reveem no PSD. Se o fizer, não precisa de acompanhar o delírio libertário de direita da Iniciativa Liberal, que cresceu menos pelo seu programa radical e mais pelo descontentamento com a oferta disponível. E só precisa de ser relativamente moderado nos costumes. Não sei quantos votos vale este caminho, estou seguro de que é o que tem mais futuro numa direita democrática que não esteja próxima do centro.
Claro que antes das grandes opções há o curto prazo. Os incentivos eleitorais vão empurrar o CDS para uma coligação com o PSD. O mapa de distribuição de deputados favorece essa opção, porque a direita coligada ganha eleições com resultados medíocres. Mas Rui Rio não tem grande apetência para estes entendimentos e o CDS seria obrigado a ir negociar lugares em péssima situação. Parece não haver caminhos fáceis a partir daqui e dois pequenos partidos estarão a morder as canelas do CDS. Com uma diferença: a IL crescerá às suas custas, o Chega! tenderá a crescer à custa de quase todos, incluindo o PCP.
Alguns comentadores de direita têm escrito que o nosso sistema partidário está a implodir. Olham para a realidade a partir dos seus umbigos políticos. O que implodiu nestas eleições foi o espaço da direita. O da esquerda está a adaptar-se há pelo menos 20 anos e a entrada de novos atores faz-se por folga de votos, não por falhas graves de representação.
Falta à direita fazer o que a esquerda fez e continua a fazer: adaptar-se às novas clivagens, representando-as com projetos diferentes que se podem entender em soluções de poder ou até em frentes eleitorais. É nesta reorganização que o CDS tem de decidir qual é o seu futuro, sabendo-se parceiro do PSD no poder. Se não clarificar, outros, que franquearam as portas do Parlamento tomarão o seu lugar. Quem tudo quer representar tudo acaba por perder.
Nota: deixo para a edição em papel do Expresso o fim das negociações para um acordo de legislatura entre o PS e o BE e o que isso quer dizer quanto à sobrevivência de qualquer coisa que se assemelhe com a “geringonça”
Concordo com esta análise. Pode daqui inferir-se que a esquerda tem mais ou menos definida e identificada a sua área sociológica, ainda que o PCP possa vir a perder a sua influência tradicional, mas sem que o seja por transferência de eleitorado para a direita. De facto, o CDS cabe hoje praticamente num táxi, restando apenas saber em que medida isso será benéfico para a democracia. Isto porque, apesar do comportamento insensato e trauliteiro da sua líder, o CDS é um dos fundadores da nossa democracia.
Será que é a direita que está atrasada para o século XXI ou o país, como sempre, tal como os “pensadores”” do sistema vigente.
Olhe-se para os países desenvolvidos e para aqueles que se querem desenvolver.