Sobre a próxima queda da Venezuela

(Júlio Marques Mota, 22/02/2019)

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A Venezuela irá cair, disso não tenhamos dúvidas. Irá cair , abalada pelos fortes ventos de um enorme furacão que tem como ponto de formação Washington.

Quando se acena com a bandeira da fome, ou melhor de alimentos e onde a sua necessidade impera, está tudo dito quanto ao que se vai seguir.

Num outro continente, lembremo-nos do que a União Europeia e Mario Draghi fizeram à Grécia no início de Julho de 2015. E o Syriza que se conhecia até aí, esse simplesmente morreu, com o referendo da sua revolta. E um dia destes, quando começarmos a editar uma série de textos dedicados à Europa em ano de eleições sob o título A União Europeia um espaço económico em decomposição, voltaremos a falar da Grécia, uma vez que o que agora e aqui nos importa é a Venezuela.

A pergunta-chave que aqui nos interessa é saber que caminhos sinuosos tomaram os políticos neoliberais, seja Trump, sejam os dirigentes europeus, ou as instituições que direta ou indiretamente estão sob a sua alçada, para que a degradação a que se assiste na Venezuela tenha desembocado na situação em que este país se encontra agora.

Aqui somos levados a relembrar um texto de Harold James que nos diz que “Quando se trata de falhas de caráter e de incompetência dos líderes, 2019 é um ano tão preocupante quanto o foi 1919.” Sabemos as consequências a prazo do que aconteceu em 1919, sabemos o que tem sido a pratica política destes últimos anos, e estamos em 2019, um século depois e o ano em que o Euro comemora o seu vigésimo aniversário.

Quanto às incompetências e à falta de caráter dos dirigentes políticos e financeiros em 2019, relembro aqui um texto que o meu amigo Francisco Tavares editou no blog A Viagem dos Argonautas, sobre a Venezuela (ver texto aqui). Com a sua leitura, tudo se torna claro. Vejamo-lo então:

“O extrato que a seguir se apresenta consta do relatório As consequências económicas do boicote à Venezuela, de 08/02/2019, do – Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica, e é uma demonstração, que mais clara não pode ser, sobre os inescrutáveis caminhos dos “paladinos” da democracia e dos direitos humanos, comandados pelos Estados Unidos e seus aliados da União Europeia e da América Latina, quando falam sobre a necessidade e a urgência de ajuda humanitária à Venezuela. Será possível ser-se mais hipócrita?”

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” (…) Segue-se uma lista cronológica de obstáculos específicos enfrentados pela Venezuela:

* Abril de 2016: Instituições financeiras começam a deixar de receber pagamentos em dólares de instituições venezuelanas.

* Maio de 2016: Commerzbank Bank (Alemanha) fecha contas bancárias venezuelanas e da PDVSA.

* Julho de 2016: o Citibank fecha contas correspondentes de instituições e bancos venezuelanos, incluindo o Banco Central da Venezuela. O fecho das contas correspondentes reduz a capacidade de efetuar pagamentos em dólares, impondo custos adicionais para realizar transações em outras moedas.

* Agosto 2016: o Novo Banco de Portugal proíbe transações com bancos e instituições venezuelanas.

* Julho de 2017: a empresa Delaware, agente de pagamento da PDVSA, recusa-se a receber fundos da companhia petrolífera venezuelana.

* Julho 2017: o Citibank recusa-se a receber fundos venezuelanos para importar 300.000 doses de insulina.

* Maio de 2017: empresas de origem russa, empreiteiras encarregadas de elaborar a cadeia de blocos Petro utilizando o código NEM, desistem de continuar com o contrato argumentando razões de força maior após terem sido pressionadas pela Security Exchange Commission dos Estados Unidos.

* Agosto 2017: Os bancos chineses informam que não podem realizar operações em moeda estrangeira em favor da Venezuela devido à pressão do Departamento do Tesouro dos EUA, e a Rússia relata a impossibilidade de realizar transações com bancos venezuelanos devido à restrição dos bancos correspondentes dos EUA.

* Agosto de 2017: o banco correspondente do banco chinês BDC Shandong paralisa durante três semanas uma transação de 200 milhões de dólares sacados pela China.

* Agosto de 2017: devido à pressão da OFAC, a empresa Euroclear retém 1.200 milhões de dólares sem possibilidade de mobilização.

* Outubro 2017: o Deutsche Bank fecha as contas correspondentes do Citic Bank chinês para processar pagamentos da PDVSA, o que demonstra a pressão sobre a banca internacional.

* Outubro 2017: A entrada de vacinas no país é adiada por quatro meses porque o bloqueio dos EUA torna impossível fazer pagamentos ao banco suíço UBS.

* Novembro 2017: a Venezuela faz pagamento para comprar primaquina e cloroquina (para tratamento antimalárico), solicitado ao laboratório médico da BSN na Colômbia. O governo colombiano bloqueia a entrega de medicamentos.

* Novembro 2017: o Deutsche Bank, principal correspondente do BCV, encerra definitivamente as contas correspondentes desta instituição.

* Dezembro de 2017: foram devolvidos 29,7 milhões de dólares de bancos na Europa para pagamento a fornecedores de alimentos através do programa alimentar CLAP. Também nesse mês, as autoridades colombianas impediram a transferência para a Venezuela de mais de 1.700 toneladas de perna de porco.

* Maio de 2018: o pagamento de 9 milhões de dólares para a compra de material de diálise foi bloqueado.

* Novembro 2018: A partir deste mês, o Banco da Inglaterra reteve 1,2 bilhão de dólares que o governo venezuelano havia depositado nessa entidade.”

9 pensamentos sobre “Sobre a próxima queda da Venezuela

  1. ….Agradeço mais esta sua assertiva escolha de texto para nos abrir os olhos/raciocínio para realmente perceber o que se passa na Venezuela!…. Mas nós, os que ainda queremos pensar pelos nossos neurónios, estamos fartos de ver estes filmes (tenho 75 anos, com “peneiras” de bem informada!)…Pensem no Iraque – a invasão de 2003….Mas os “preparativos” já vinham de anos atrás…E porquê? porque o “ditador” (sim, era, mas comparado com os Trumps de hoje…!?!) ousou pensar em alterar o sistema de pagamentos dos petrodólares….para euros… e outras medidas que “feriam” os interesses dos E.U.A….!…. O mundo está muito mais perigoso do que imaginamos, porque toda a informação que circula é a que convém aos interesses instalados no mundo, os “Bildbergs”, cuja pátria a defender é o CAPITAL, QUE NÃO TEM NACIONALIDADE…. DISSO NÃO TENHAMOS DÚVIDAS!

  2. Os EUA, que nem sei como ainda não implodiram com tanta asneira que fazem a si próprios, com cidades centrais para a economia e industria tais como Detroit, a declararem ”bancarrota”. Há já tantos anos que caíram para bem menos de metade do que tinham em termos de PIB mundial, mas mesmo assim, continuam a sentirem-se donos de tudo e de todos, e a impor suas vontades sobre quem seja. Uma pessoa admirar-se das tácticas que usam? Ora, se sempre tiveram a postura abaixo de, e pior que, a ”terceiro-mundista”, uma que mantém ad nauseam no que respeita a “saúde pública” até em termos de seus próprios cidadãos, não se pode esperar de tais autoridades qualquer normalidade perante tal coisa onde for, naturalmente. Creio que não têm o mínimo de noção do que isso seja.
    É uma alarvidade que até aos próprios do país, impõem, e nunca deixou de ser um horror para qualquer comum mortal o adoecer-se, seja com o que for, por lá. Olham para coisas tais como ”saúde pública” como se fosse um animal mitológico na melhor das hipóteses, e provavelmente como sendo menos importante que se ter unhas de gel – ou – a qualidade das bolas de Baseball. Que dizer?
    Querem tomar conta dos recursos naturais dos outros?
    E, chamam à coisa de ”ajuda humanitária” quando levam vasos de guerra onde for? Tirando Jimmy Carter e o de seu executivo governamental, coisa que incomodou e por isso nem houve hipótese de haver o que por norma ocorre naquele país, um segundo mandato, nada parece mudar naquele país que saiu do pós segunda grande guerra, e sobretudo no mundo ”pós-Muro de Berlim”. De resto, creio que sobretudo desde a ”invenção” do *petrodolar, para não implodirem, prossivelmente não vêem outra forma de agir, senão, acontecer-lhes-á o que de forma adiada aos próprios provavelmente esperavam e têm tentado evitar, a todo o custo.

    Enfim, não creio estar a dizer nada de novo, a ninguém. Mas custa-me ver gente que estimo, amigos e colegas de trabalho, etc – que são de tal país (dos EUA), a levarem pela tabela pelo mal que os executivos governamentais de seu país fazem, no exterior. E, normalmente são os próprios cidadãos daquele país os principais que realmente conseguem impôr – de algum modo – algum freio (aquele que for) na coisa, senão as asneiras seriam ainda piores e, há mais tempo.. E naturalmente não é ao acaso que se sentem tantos por lá encurralados, por coisas e entidades que mandam de verdade e pelo qual tanto faz o ”voto” que dão em eleições.

    Tudo isto é apenas para dizer que – não sei se realmente a Venezuela cairá. Entendo que haja quem conheça melhor as hipóteses disso ocorrer ou não. Não me parece nada linear a coisa. É apenas uma opinião a que dou, e por isso vale o que vale.

    Boa tarde, ao ”dono” deste espaço.
    (-que me seja perdoado o tamanho deste ”desabafo”).

  3. …tudo muito correcto! Mas falta é a questão: o que terá despoletado estes entraves comerciais? Será simples birra pelo recursos? Mas também existem noutros países da AL….o terá sido por má gestão da política externa Venezuelana? É que se estes interesses tinham sido sentidos de longa data, entao a política não pode ser bruta, pois como uma das leis da física cada ação tem a sua reação! Sinto do pouco que sei de política internacional faltou sensibilidade e estratégia politica na Venezuela nos últimos 20 anos, o que conduziu ao que verificamos hoje. Ninguém tem dúvidas que os lobos estão sempre à espreita para comer as ovelhas, mas há muito que deveria ter sido erguida não uma cerca ou vedação, mas politicas que iriam surtir o mesmo efeito mas mais subtil! Não é dizer que agora já não preciso de euros ou dólares pois tenho a Bitcoin Venezuelana! Não é suficiente! Senão todos faziam a sua moeda!….enfim faltou neste artigo falar do outro lado, das razões políticas, económicas e financeiras que levaram a este bloqueio!

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