O desafio

(Luís Alves de Fraga, 11/01/2019)

pancadaria

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O actual deputado do PSD, Luís Montenegro Esteves lançou um desafio ao líder daquele partido, Rui Rio, com o intuito de disputar-lhe a liderança.

Vou tentar olhar o repto noutra perspectiva diferente das vulgares, não por querer ser original, mas porque, julgo, o cerne da tentativa de mudança desejada assenta em razões diversas das comuns, ainda que as explicações possam ser muitas.

Comecemos pela análise histórica do PPD/PSD.

É um partido que nasceu após 25 de Abril de 1974 dinamizado por elementos da chamada “ala liberal” do Estado Novo, ou seja, gente que compreendia e aceitava a ditadura “branda” de Marcello Caetano e, se calhar, a ditadura “rija” de Salazar. Nisto não nos podemos deixar enganar: eram elites políticas depuradas pelo fascismo português.

Este dado é importante para se perceber a base de apoio deste partido “tão democrático”! Formado pelos tais vindos da Assembleia Nacional – será necessário recordar nomes? – logicamente atraiam a si os portugueses anónimos desconfiados da mudança surgida do dia para a noite por uma revolta militar. Esses portugueses eram todos os “acomodados”, “ligeiramente discordantes”, “ansiosos por uma abertura política” do fascismo; eram, claro está, os indecisos, que desejavam algumas alterações, desde que não abrissem as portas aos comunistas de quem estavam fartos de ouvir dizer horrores. Eram portugueses que iam da “pequena mudança” à “mudança cautelosa”. Numa frase, eram os portugueses receosos e ignorantes da política, crentes na palavra dos maiorais do tempo da ditadura. Era um partido de “barões”.

Na ausência de uma proposta política capaz de agregar todos os indecisos vindos da ditadura, os mais activos dos “barões” lançaram uma ideia, na altura bastante em voga e aceite na Europa, para oferecer uma melhoria de vida, sem riscos de grandes sobressaltos no seio do capitalismo nacional: a social-democracia “à maneira sueca”. Isto dizia tudo e não dizia nada, pois fazia sonhar com as delícias sociais da Suécia sem, no entanto, explicar que esta “social-democracia” carecia de grandes capitalistas dispostos a serem fortemente taxados para suportarem o desenvolvimento social. Em Portugal, o capitalismo, no fascismo, sempre viveu da máxima exploração do trabalho e dos amplos benefícios cedidos pelo Estado Novo. Isto sabiam-no muito bem os “barões” – que têm nome – fundadores do PPD.

Assim, esse partido nascido do receio e do sonho, da busca de equilíbrios sem sobressaltos bruscos, manteve-se neste limbo desde 1974 a 1985, ano em que Cavaco Silva formou Governo e começou a receber o manancial financeiro que pagou a desestruturação da economia nacional para a pôr de acordo com os fins da CEE. Não sendo, pareceu, todavia, o tempo da social-democracia. E este foi o grande logro, a grande vigarice, do, então, Primeiro-Ministro junto dos Portugueses. Mas os “barões” ficaram de barriga cheia e dispunham-se a manter o regabofe. No entanto, a “teta” da Europa começou a escorrer menos e a verdade económica ficou, cada vez, mais visível: Portugal era um país pobre e empobrecido. Os dez anos seguintes (1995 a 2005) – de Guterres a Santana Lopes – expuseram a verdade absoluta sobre a economia nacional. Ninguém, jamais, faria de Portugal uma social-democracia!

Quando José Sócrates – a grande traição do socialismo – tomou posse fez despontar no PPD/PSD uma nova corrente de pensamento político, criada por Pedro Passos Coelho, que já vinha, desde 2001, a abrir caminho entre as “teias de aranha” dos “velhos barões” do partido: “Pensar Portugal”.

É o começo de uma redefinição de ideologia e de orientação ideológica. Em 2005, novo pontapé para fazer aparecer um pensamento diferente: “Plataforma de Reflexão Estratégica — Construir Ideias”. Passos Coelho era o homem da “mudança”. E foi-o, aproveitando o total descalabro de José Sócrates, ao afirmar como partido liberal o que antes se dizia “social-democrata”. Os “velhos barões” estavam a “arrumar as chuteiras”, mas, contando, todavia, com alguns “cartuchos”, fizeram “saltar” para a ribalta política um dos seus, um “barão” do tempo dos “velhos barões”: Rui Rio.

Rui Rio teve de enfrentar uma nova conjuntura: a da “Geringonça” – nome devido a um outro “barão” da direita, Paulo Portas, que optou por “exilar-se” – para a qual herdou um partido ideologicamente desarticulado entre o passado distante e o passado recente. Decididamente, ele é um homem de “ontem” com o apoio de um partido de “ontem”.

É aqui que surge Luís Montenegro Esteves como um homem de “hoje” e de “amanhã”. Os “amanhãs” neoliberais, que o seu companheiro de ruptura ideológica – Pedro Passos Coelho – tão bem soube definir.

Este é o desafio entre o “velho” e o “novo”, entre um partido que não soube ser nem foi capaz de ser aquilo que prometeu e um partido que necessariamente tem de “arrumar” para as calendas o, também “velho” CDS da “democracia cristã” de modo a hegemonizar a direita portuguesa à volta da ideologia do “nosso tempo”: o capitalismo desenfreado, o capitalismo global, que não respeita o indivíduo, nem o social e, menos ainda, o democrático.

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