O canto do cisne da Europa democrática

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 14/09/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

A aprovação pelo Parlamento Europeu do relatório sobre as violações ao Estado de Direito na Hungria foi uma vitória simbólica contra o fascismo larvar na Europa. Mas fica-se por isso. Como se previa, qualquer sanção será bloqueada. Já se sabia que bastaria um país para o impedir e já se tinha percebido que não faltariam candidatos para cumprir esse papel. Será a Polónia.

Por cá, foi notícia o único voto contra português: o do PCP. Não há qualquer proximidade política entre os comunistas e Orbán, que na Hungria persegue os camaradas de Jerónimo de Sousa. Mas o voto do PCP não poderia ser outro. O PCP não aceita qualquer ingerência da União nas soberanias dos países e um voto favorável abriria um precedente impossível de gerir. Eu, que sou crítico desta União Europeia, acho que sendo ela de adesão voluntária há mínimos que têm de ser exigidos. E esses mínimos não são limites ao défice ou as “reformas estruturais”, são regras democráticas e o Estado de Direito. Mas convenhamos que, mesmo que fale muitas vezes da troika e da falta da autoridade de UE (com razão), o PCP não será o primeiro partido a poder falar de democracia na Hungria.

Para castigar um país por décimas do défice não são precisas as unanimidades e os formalismos necessários para as sanções a Viktor Orbán. O que são melícias na rua de Budapeste ao pé de uma dívida que fique por pagar ao Deutsche Bank? Nesta União, é mais fácil impor uma privatização ou uma reforma da lei do trabalho do que garantir a separação de poderes e a liberdade de imprensa

A inconsequência da decisão do Parlamento Europeu era previsível, porque neste tipo de temas não se encontram as facilidades que se oferece para que burocratas se intrometam na elaboração de orçamentos, nas políticas comerciais e laborais ou na gestão da dívida de cada Estado. Neste caso, há procedimentos e tratados a respeitar. Já para sancionar um país por décimas do défice não são precisas unanimidades e grandes formalismos. O que são melícias na rua de Budapeste ao pé de uma dívida que fique por pagar ao Deutsche Bank? É mais fácil impor uma privatização ou uma reforma da lei do trabalho num Estado da União do que garantir a separação de poderes e a liberdade de imprensa. Não por qualquer dificuldade estrutural, mas por uma opção política sobre o que deve ser esta União e quem realmente manda nela. E isto ajuda a explicar o crescimento da extrema-direita.

Muito mais eficaz do que sanções que já se sabiam chumbadas à partida seria a expulsão da União Cívica Húngara do PPE. Só que a liberdade de voto dada aos populares europeus, que permitiu a aprovação deste relatório, é puro cinismo. Manfred Weber, o alemão presidente do PPE, percebeu que os elogios rasgados que fizera a Viktor Orbán não o encaminhavam para a presidência da Comissão Europeia, a que é agora candidato. E tentou limpar a sua ficha. Sabendo da absoluta inconsequência deste passo.

Esta seria a última oportunidade de sancionar Orbán. As próximas eleições europeias prometem um crescimento da extrema-direita, que poderá ultrapassar os socialistas. Pode-se sancionar um país que viola os princípios da União Europeia, não se pode sancionar uma parte razoável dos Estados. Aqueles que consideramos os valores constitutivos da União resultam do consenso político que a fez nascer. Com a capitulação dos socialistas, evoluíram para um crescente desprezo pelas regras democráticas e pelo Estado Social e uma crescente preocupação com as regras da concorrência e do liberalismo económico. Agora, com o crescimento da extrema-direita, parte dos seus valores tenderão a ser interiorizados. Partimos sempre do princípio de que o crescimento dos partidos de extrema-direita faria implodir a União Europeia. Mas nunca pusemos a possibilidade dela ser de alguma forma integrada num novo consenso europeu liberal-autoritário. E é nesse caminho que aposto.

As repercussões políticas e mediáticas do relatório elaborado pela deputada verde holandesa Judith Sargentini (um documento anterior fora, há uns anos, elaborado pelo português Rui Tavares) são o canto do cisne de uma União que, pelo menos na retórica, gosta de ser ver como baluarte da democracia. Tal como o voto cínico do PPE, que permitiu a aprovação deste relatório inconsequente mas não impede que os conservadores vão apagando o cordão sanitário os separava da extrema-direita. Como bem explicou Henrique Raposo no texto de ontem, esse tempo está a acabar. Só que o que ele vê como um sinal de esperança eu vejo como prova de capitulação: a direita conservadora já está a integrar os valores da extrema-direita. Lentamente, e preservando os que é realmente importante (o mercado livre), é o que a própria União fará.

2 pensamentos sobre “O canto do cisne da Europa democrática

  1. E com este texto do Daniel Oliveira (“O canto do cisne da Europa democrática”), que subscrevo como tantas vezes sou obrigado a fazer perante a qualidade do seu raciocínio, concluo: eu ainda sou Europeísta, a UE e especialmente a Zona Euro é que deixaram de o ser. Não voto em “populistas”, como a lavagem cerebral diária dos opinadores avençados tenta fazer crer, numa Comunicação Social (CS) que se diverte a fazer propaganda em nome da ideologia da direita-radical NeoLiberal (seja partidária ou não). Voto em populares, não-elitistas, que ainda se preocupam comigo, tabalhador e cidadão comum, e que não se importam de continuar a defender aquilo em que acreditam, mesmo que para isso sejam trucidados pela CS, comos e viu durante a semana da “Taxa Robles”…

    Tomo essa opção de voto, em vez de votar nos que só quererem saber dos lucros das multinacionais e das negociatas ao mesmo tempo que nos vigarizam com discursos fofinhos em que nem os próprios acreditam, tipo António Costa frente a um microfone qualquer, a ler (e a comer parte) das palavras que um assessor qualquer lhe pôS à frente, ppois foi esse o texto que melhor aceitação teve no respetivo “focus group”. Penso que a natureza deste escorpião já só se esconde dos mais distraídos, ou dos Rosa-fanáticos, que são aqueles seguidistas que batem palmas a tudo o que vem pintado de Rosa, seja Social-Democrata (esquerda a centro-esquerda) ou Terceira-Via / Social-Liberal (centro a centro-direita)!

    A Democracia na Europa só será salva de duas maneiras:
    1 — a esquerda (GUE-NGL) consegue ocupar o espaço eleitoral deixado vago desrespeitosamente pela Terceira-Via (os P”S” Europeus), impedindo o crescimento da exrema-direita e o seu cada vez mais claro coluio com a direita (em muitos casos radical) conservadora nos costumes e liberal na economia.
    2 — o centro-esquerda, hoje só de nome, dos P”S” Europeus, faz o que fez Jeremy Corbyn, e volta a defender valores Sociais-Democratas, colocando a Terceira-Via (Sociais-Liberais) no sítio que merece: lixo.
    3 — vem aí nova crise que fará implodir de uma vez por todas a Zona Euro, e por arrasto a UE, e como tal arranja-se o espaço para reconstruir algo bom, a partir dos últimos pilares em bom estado: os da CEE pré-Maastricht e pré-Euro.

    Como a estupidez dos políticos (P”S” Europeus) anda sempre de mão dada com a dos eleitores (que têm tomado a decisão certa ao desistirem dos vigaristas P”S” Europeus, mas erradamente se viram para a extrema-direita em vez da esquerda, devido à mediatização (e muita fake-news made in Cambridge Analytica nas redes sociais) da crise dos refugiados e dos atos terroristas, mais do que desses problemas em si mesmos), penso que será a opção 2 a mais provável de acontecer.

    Assim sendo, e como acho preferível escrever a história em vez de esperar que outros o façam por mim, vou continuar a votar num partido popular (e não populista”), que percebe tudo o que acabei de escrever, e como tal defende que nos preparemos para sair do anti-democrático Euro o quanto antes, de preferência em tempo de vacas gordas, e antes de sermos apanhados com as calças na mão na próxima crise, que segundo dizem, será já dentro de um par de anos.

    A cereja no topo do bolo que, apesar de parecer na forma como escrevo, não comerei com gosto nenhum, será o óbvio novo pedido de ajuda à troika (FMI, BCE, e UE), e as óbvias medidas de Austeridade estúpida, cega, e injustificada, que o P”S” se torcerá todo a defender, e que vai acontecer em plena legislatura 2019-2023.
    A ironia é que as declarações e sondagens recentes levam a crer que isto será com o P”S” escorpião acabado de picar a esquerda, e acabado de se atirar ao Rio, queimando-se assim os 2 partidos mais vigaristas deste país numa só cajadada. Ou na pior das hipóteses (mesmo do ponto de vista dos eleitores Rosa, segundo alguns estudos de opinião) um PS de maioria absoluta, que fará o P”S” PASOKizar-se de vez, e que levará à “Podemos-ização” do BE, uma vez que não há condições, espero eu, para a extrema-direita crescer em Portugal.

    Nessa altura, e com a extremização à direita da UE que, ainda essa mudança não está completa e já coloca as metas do défice acima da defesa da Democracia e do Estado de Direito, estarão criadas as condições para os Exits todos que se seguem a seguir ao do Reino Unido, e que levarão a um regresso à divisão Europeia pré-1986, ou seja, um bloco central (agora também com o leste) na UE, e um bloco periférico, com britânicos, norte, e sul da Europa, na EFTA (de onde sinceramente nunca nunca deviam ter saído britânicos, nórdicos, e ibéricos, e onde, após os alargamentos da UE, restam Islândia, Suíça, Noruega, e Liechtenstein).

    Isto é a visão de médio prazo em que tenho insistido desde 2014 (!), e até agora, para mal dos nossos pecados, tem estado a decorrer tal como previ. Tudo isto pode ser resumido numa pequena equação, que cada vez é menos teoria e cada vez mais perto de se tornar lei, que é: Macron 2017 = Le Pen 2022.

    Há ainda outro facto externo que pode influenciar, e muito, este cenário do desastre anunciado na Europa, que é a dinâmica entre EUA de um lado, e Rússia e China do outro. O que quer que se decida nesse tabuleiro, fará de nós meros peões, ou mesmo vítimas (como se viu na Ucrânia, ou com a crise dos refugiados da guerra na Síria), nos anos seguintes. A recente teimosia em aumentar o desbaratar de dinheiro no exército de Washington… quer dizer, na NATO, é só um indício do mau caminho em que nos estamos a deixar levar, ao engano, tal como na cimeira das Lajes antes do crime contra a humanidade chamado “intervenção no Iraque de prevenção contra armas de destruição massiva”.

    • Nem de propósito, o “mesmo” que acabei de descrever, mas de uma perspetiva económica, e com certeza com melhor escrita:
      ladroesdebicicletas. blogspot. com/2018/09/os-outros-que-carreguem-o-fardo. html
      (não seis se censura links, por isso acrescentei espaços a seguir aos pontos)

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