A vingança da Casa-Grande 

(Daniel Oliveira, in Expresso, 27/01/2018)

 

Daniel

Daniel Oliveira

O PT tirou milhões da pobreza e mudou a face do Brasil. A “negrada” entrou na universidade pouco depois do metalúrgico iletrado chegar ao Planalto. E o arreigado racismo social da elite brasileira nunca se conformou. Claro que o PT também foi uma profunda deceção. Porque fez todas as reformas sociais dependerem do petróleo e quando ele deixou de dar passou a depender do endividamento. E porque se deixou minar pela corrupção. E Lula foi, como todos os políticos brasileiros, conivente. Talvez esse seja o triste preço a pagar para governar ali. Não sei. Sei que é impossível olhar para este julgamento sem andar uns meses para trás, quando uma das poucas políticas brasileiras que não é suspeita de corrupção foi afastada da Presidência por um Congresso pejado de corruptos por causa de uma “pedalada fiscal” que o próprio Congresso veio posteriormente a legalizar. Sem esse episódio nada se percebe.

O que veio depois deixou tudo ainda mais claro. Sem qualquer legitimidade política e com 3% de popularidade, Michel Temer, devidamente protegido de qualquer julgamento pelo Congresso, tratou de alterar radicalmente as leis laboral e de previdência. Chegou a crise e já não se distribui prosperidade, mas sacrifícios. Por isso, há que fazer as “reformas” que não foram a votos. Só havia um pormenor: as próximas eleições. A única forma segura de derrotar o candidato preferido dos brasileiros é impedi-lo de concorrer. E mal o PT deu sinais de ter como candidato alternativo o popular ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, logo este também foi indiciado. Um após outro, todos vão sendo abatidos. Cavalgando a justa indignação popular com a corrupção, vão-se queimando na fogueira mediática de televisões politicamente empenhadas e em processos judiciais seletivos todos os que possam ser menos cooperantes com o novo tempo brasileiro. Dantes a elite aplacava a democracia pondo o exército na rua. Agora não precisa de tanto.

Com um país polarizado, a culpa e as provas são irrelevantes para quase todos os brasileiros. Trágico é também o serem para os juízes. Lula é condenado por ter favorecido uma construtora que nenhuma prova ou indício forte permite dizer que favoreceu em troca de um apartamento que legalmente não lhe pertence, onde nunca viveu, ficou ou alugou e cuja única relação provada é tê-lo visitado. De resto, as únicas “provas” contra Lula baseiam-se no testemunho de um executivo da construtora que foi condenado e que teve a pena reduzida em troca desta acusação. Como se escreveu no “New York Times”, “muito abaixo dos padrões necessários para ser levado a sério, por exemplo, no sistema judicial dos EUA”. Só que tudo depende de juízes embriagados pela fama que deixaram de acreditar que, na Justiça, o processo é tudo. Há escutas a advogados. Há magistrados envolvidos no processo que apelam a manifestações de apoio. Há um tribunal que faz o processo de Lula passar à frente de todos os restantes do “Lava-Jato” para ter a certeza que a sentença o impede de ir a votos. Há um juiz que se declara publicamente maravilhado com uma sentença que sabe que irá reavaliar em recurso.

Quem acredite que é a corrupção que está a ser derrotada no Brasil deve olhar para os registos criminais dos deputados que afastaram Dilma, para Temer, para o que vai acontecer quando isto acabar. Isto não é um processo judicial, é um ajuste de contas. Para que o Brasil regresse à sua normalidade social. Citando Gilberto Freyre, uns na “Casa-Grande”, outros na “Senzala”.

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