Pormenores de 600 milhões

(Marco Capitão Ferreira, in Expresso Diário, 06/09/2017)

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A execução orçamental de 2017, tal como se vinha desenhando, está a beneficiar dos efeitos positivos de uma descida do desemprego mais rápida do que o previsto, de um crescimento económico acima das previsões e da manutenção de um apertado controlo na execução da despesa.

De tal forma que há quem já identifique uma “folga” de 600 milhões de euros na execução orçamental. Já lá vamos, mas por ora convém abrir um breve parêntesis.

600 milhões era também o montante de cortes na Segurança Social que o PSD e CDS se preparavam para fazer se tivessem conseguido formar um Governo com apoio mínimo no Parlamento. E esses cortes podiam mesmo ser cortes directos nos montantes das pensões. Não vale a pena negar essa realidade.

Este não tão pequeno pormenor de 600 milhões de euros acima ou abaixo diz tudo sobre quem vê a solução para o País por via de repor rendimentos e crescer e quem só pensa em empobrecer o País e retirar rendimentos do trabalho enquanto aumenta os rendimentos de capital.

Durante a crise 3,6 mil milhões de euros desapareceram do rendimento do trabalho enquanto a remuneração de capital aumentou em 2,6 mil milhões de euros. Vale a pena relembrar que, como escrevemos aqui no final do ano passado: “É absolutamente atípico, por um lado, que a remuneração do capital (o excedente bruto de produção) aumente em anos de crise e, por outro lado, os dados em causa demonstram de forma cabal o colapso da renumeração do trabalho, que caí a partir de 2010 de forma abrupta quase 10 mil milhões de Euros. Estes dados são corroborados por uma análise qualitativa e quantitativa da receita fiscal.”.

Entre um mundo em que se preparam cortes de 600 milhões nas pensões dos mais fracos, e se manteriam a sobretaxa do IRS e outras medidas do género e este em que estamos, em que a execução orçamental tem uma folga no mesmo montante vão 1,2 mil milhões de euros de diferença.

Mas muito mais importante do que isso, a diferença entre esse mundo e este demonstra três coisas fundamentais: na vida em sociedade existem sempre escolhas alternativas que podemos fazer, colectivamente; solidariedade e melhor distribuição de rendimentos são melhores para o crescimento económico do que deixar crescer as desigualdades e, por fim,mas não menos importante, a política e os políticos são responsáveis pelas escolhas que fazem.

Eles e nós. Não vale continuar a dizer que não vale a pena votarmos, participarmos, discutirmos opções e escolhermos quem as deve executar porque “é tudo igual”. Não é tudo igual. 600 milhões de cortes ou 600 milhões de folga na execução orçamental traduzem-se em em menos pobres, em menos desigualdade, num País um bocadinho melhor. Tudo menos um pormenor.

4 pensamentos sobre “Pormenores de 600 milhões

  1. Estas análises e esclarecimentos são de tão grande utilidade que valendo como um desintoxicaste a dê-se nunca e demais.

  2. Certamente.
    Porém, há uma questão importante que é necessário resolver – o SNS-Serviço Nacional de Saúde – que cada vez mais se degrada por falta de investimento que nos tempos que correm não é fácil encontrar. A fila de cirurgias e consultas hospitalares continua a aumentar. Melhor seria, a exemplo de outros países europeus, o SNS criar um seguro complementar que abrangesse os contribuintes no activo e reformados, para melhoria e rapidez dos serviços

  3. Maria Luís Albuquerque já no estertor do governo pafioso ainda balbuciava que era preciso cortar 600 milhões aos reformados. Felizmente que se finou e sem qualquer corte o saldo da Segurança Social em 31 de Julho era de 1.036 milhões de euros.

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