(Sandro Mendonça, in Expresso Diário, 06/04/2017)
Possivelmente nunca um sector fez tanto mal a tantos outros em Portugal como a banca. E foi basicamente uma implosão, um harakiri. Percebeu-se que as altas direcções têm sido movidas a conluios e portas-giratórias. A tal ponto este estilo passou a ser a norma que até a “banca pública” (CGD) e a “banca social” (Montepio) foram contaminadas.
Mas a “banca reguladora” (Banco de Portugal) também foi infiltrada. De outro modo o Governador não acharia bem converter um ainda fresco recém-governante (Sérgio Monteiro) numa espécie de “Head-hunter” de compradores do Novo Banco pago a peso de ouro e com carta branca para estoirar 16 milhões num séquito de consultores jurídico-financeiros, seus pares, num só ano. É muito dinheiro gasto em “dry martinis” em circuito fechado para no fim se engatar um mero predador financeiro. (seria bom quanto antes que o Fundo de resolução exigisse de volta os milhões pagos a Sérgio e seus amigos – já o disse aqui antes).
É bom que o BdP não queira saltar fora da fotografia. Primeiro não cumpriu os seus próprios prazos de venda, e agora entrega o que resta de um banco clássico a um ente especulativo “new age” que na prática é um esquartejador de activos em dificuldades motivado por ganhos oportunistas de curto prazo e muitas vezes roçando a ilegalidade.
Assim, no dia 4 de Janeiro o BdP incorreu num problema de “selecção adversa” quando enviou esta nota à CMVM: “o potencial investidor Lone Star é a entidade mais bem colocada para finalizar com sucesso o processo negocial tendente à aquisição das ações do Novo Banco e decidiu convidá-lo para um aprofundamento das negociações.” Isto porque, a abordagem do Lone Star não oferece garantias de estabilização desse banco ou do sector como um todo, algo que supostamente é missão do BdP zelar. É difícil imaginar uma escolha mais antitética com aquilo que deveria preocupar o BdP, daí o termo “selecção adversa”
Por isso, e depois de uma escolha tóxica, não admira que o governo se tenha esforçado em tentativas de última hora para minimizar os problemas de “risco moral”. Porém, mesmo com todos cuidados dificilmente é de admitir que o Lone Star não venha a causar problemas pois é justamente conhecido pelo modo agressivo como tentar explorar ao máximo, e em seu benefício, todas as possibilidades que qualquer contrato (sempre imperfeito) lhe vai permitir. Ou seja, vai ser muito oneroso policiar o Lone Start. E virão em seguida os custos estratégicos e humanos da actuação deste, e serão significativos. Quase de certeza esses custos serão também públicos, mais cedo ou mais tarde.
Isto não vai ser um filme para menores de idade. Como teremos de conviver com uma instituição tão importante como o Novo Banco o que se passou não foi exactamente uma venda: foi a concessão de um mosteiro de freiras a um gestor especialista em casas de alterne.
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Uma observação editorial: o livro “Memórias Anotadas” de José Medeiros Ferreira é, no meu entender, um dos lançamentos do ano. Quanto estamos rodeados de tanta lama financeira, o pensamento de Medeiros Ferreira surge ainda mais como uma cristalina gema. Trata-se de um livro muito bem editado pela Temas e Debates (Círculo de Leitores), com uma ergonomia de leitura rara no mundo editorial nacional. O Prefácio, luminoso, coube a Eduardo Paz Ferreira. O Professor Medeiros Ferreira foi um cortante pensador, mas de consequente recorte. Um historiador que ficou na história. Vale a pena pegar no volume e ver como alguém exilado por não querer compactuar com um Estado colonialista acaba mais tarde por ser uma trave de credibilidade de um novo regime que queria descolonizar. Um homem insular (Micaelense) que ajuda depois o seu próprio país a virar-se para o continente europeu. Não falta que ler nestas 450 páginas que sabem a pouco. Pois alguém incompatível com o “ilícito moral” esteve sempre demasiado pouco tempo entre nós.
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Uma observação sobre uma exposição que acaba de ser inaugurada: “Escravatura: Tráfico, Consciencialização e Combate”, da iniciativa da Biblioteca Central de Marinha e enquadrada na Capital da Cultura Ibero-americana 2017. Inauguração foi neste 5 de Abril, no Torreão Central da Ex-Fábrica Nacional de Cordoaria – Arquivo Histórico da Marinha (sim, o tema da escravatura não é monopólio das brigadas do “politicamente correcto” e do “pós-colonial” da academia portuguesa!). Esta exposição mostra como a escravatura era negócio mas também como foi encontrando resistência (por exemplo, já no século XVI, com as críticas do padre Francisco Oliveira). Uma figura do século XIX, injustamente esquecida por Africanos e por Europeus, é assinalavelmente resgatada: Sá da Bandeira, o abolicionista radical de inultrapassável sentido táctico. Em boa hora. Para mais informação ver aqui.
A UE está a revelar-se altamente incompetente e mortífera na gestão bancária. O fundo de resolução deveria atuar como “capital de risco”, avalisado pela UE, e com a totalidade do capital do banco, exceptuando aumentos de capital em bolsa! Assim é entregar o ouro ao bandido!