A solução para os lesados e os contribuintes

(João Galamba, in Expresso Diário, 26/12/2016)

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Na solução encontrada para os chamados lesados do papel comercial do GES, António Costa foi generoso para todos aqueles que criaram o mito de que a resolução do BES não teria qualquer custo para os contribuintes. Quando olhamos para a solução encontrada, aquilo que verificamos não é a criação de qualquer novo custo para os cofres do Estado, mas sim o reconhecimento de que esse custo já existia e que é obrigação de um Governo fazer tudo o que esteja ao seu alcance para o limitar.. Foi exactamente isso que foi feito.

Ao contrário do que tem sido dito, a solução para este grupo de lesados não surge num contexto em que o Estado e os contribuintes já não estivessem expostos a custos elevados de litigância. É preciso não esquecer que o caso do papel comercial, pela sua singularidade, sempre justificou a existência de um acordo que limitasse os custos para o Estado. Recordemos a história. No final de 2013, o Banco de Portugal teve conhecimento de que sociedades do grupo GES tinham falsificado as suas contas. Esta informação não foi revelada à CMVM que, assim, não pode informar o mercado, como é sua obrigação. Se os compradores de papel comercial tivessem tido conhecimento desse facto relevante, ou não teriam comprado os títulos, ou, tendo já comprado, teriam seguramente tentado resgatar o seu dinheiro junto do BES. Para que tal fosse feito de forma ordenada, evitando uma corrida ao banco, o que poria em causa a estabilidade financeira, o Banco de Portugal determinou que o BES constituísse uma conta dedicada (escrow) ao reembolso do papel comercial (e outros títulos). Durante os meses que antecederam a resolução do BES, o Banco de Portugal sempre garantiu o reembolso integral dos montantes investidos no papel comercial. Quando as contas do BES foram conhecidas, no final julho, umas das razões para o reforço de provisões que levou à situação de insuficiência de capital e, finalmente, à resolução foi exactamente a responsabilidade do banco perante esses futuros lesados. Esta responsabilidade foi novamente reafirmada quando as obrigações foram inscritas no balanço inicial do Novo Banco. Como se constatou na Comissão de Inquérito do BES, há vários documentos e e-mails do próprio Banco de Portugal a dizer isso mesmo. Posteriormente, tudo mudou e o papel comercial passou para o balanço do BES mau.

Há certamente muitos processos contra Ricardo Salgado e outros gestores ou administradores do GES ou do BES. Não são esses que justificam a intervenção do Estado na procura de um acordo, porque não são esses processos que expõem o Estado e os contribuintes a custos futuros. O que importa evitar são alguns processos contra entidades públicas e contra o Estado que, pelas razões supra, têm elevada probabilidade de representarem custos elevados, directos ou indirectos, para os contribuintes.

A solução encontrada faz com os lesados libertem o Estado, o Banco de Portugal, a CMVM, o Novo Banco e o Fundo de Resolução de qualquer responsabilidade financeira futura decorrente da litigância judicial. Por contrapartida, o veículo privado que vai reembolsar os lesados no valor de 286 milhões, a pagar em 3 anos, tem como activo todos os direitos que os lesados cedem e que ascendem a 485 milhões. Este valor vai tentar ser cobrado pelo fundo a todos os responsáveis (privados) pela emissão e venda do papel comercial. Tendo em conta o valor do património arrestado, a recuperação desses 485 milhões (comprados por 286 milhões) tem probabilidade de perda relativamente reduzida. É sobre o risco dessa perda que o Estado emite uma garantia, que permite ao fundo financiar-se no mercado para reembolsar os lesados em três anos. Ou seja, o Estado ganha a desistência dos lesados de acções contra si, que implicariam custos futuros elevados, com a contrapartida de uma garantia sobre a possibilidade (reduzida) de, no máximo, perder cerca de metade do que poderia perder na litigância judicial com os lesados. Feitas as contas, não me parece que os contribuintes tenham ficado a perder.

Um pensamento sobre “A solução para os lesados e os contribuintes

  1. Caramba Senhor Galamba! Que clareza! Straightaway! O problema é quando estas belas pessoas chegam a cargos no governo e sofrem pressões e chantagens. Por isso a maioria nunca chega a governante… Têm medo das consequências de serem honestas! Uma questão primordial que merece reparo: Quando os políticos e empresários falam da situação do País, em primeiro lugar citam sempre a importância das EMPRESAS, depois da ECONOMIA, e por último os TRABALHADORES. Sintomático. Como se alguma coisa realizada no mundo se fez sem as pessoas que fazem…

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