(Baptista Bastos, in Jornal de Negócios, 02-12-2016)
Trump não constitui uma originalidade histórica. Os Estados Unidos possuem um estendal de figuras sinistras, que assustam todos aqueles cujas afinidades constituem a razoabilidade da paz.
As declarações de Donald Trump têm cumprido o aparentemente desejado: assustam e amedrontam as pessoas. Na aparência, a criatura transformou-se num pesadelo, e as escolhas que tem feito, para membros do seu futuro governo, não abonam pela lisura de espírito nem pela qualidade das suas qualidades. No entanto, ainda que afirmações muito graves tenham sido proferidas pelos seus opositores, o que fica é a truculência das frases e a rudeza obsessiva das linhas do seu rosto.
Mas Trump não constitui uma originalidade histórica. Os Estados Unidos possuem um estendal de figuras sinistras, que assustam todos aqueles cujas afinidades constituem a razoabilidade da paz. Nos anos de 50, a ascensão do medo transformou-se em pânico pelo que se dizia estar em organização. A guerra das ideologias, o susto com a ascensão do comunismo, o fascínio pelos novos modelos de governo e o entusiasmo que estes representavam abriu, na história do homem, um novo e inquietante capítulo.
As discussões intelectuais, o surgimento de grandes nomes e de novas ideias, a pujança intelectual que percorria toda a Europa (apesar de o fascismo lhes ser impeditivo ou, acaso, por isso mesmo) não era obstáculo ao compromisso dos grandes combates intelectuais e políticos. A Europa demonstrava uma pujança cultural impressionante, enquanto, nos Estados Unidos, a Comissão de Actividades Antiamericanas infligia o medo como princípio e causa. Sou dessa época e, à minha maneira, com os processos que me eram próprios, combati os medos e os preconceitos. Escrevia n’ O Século Ilustrado, era redactor de O Século, publiquei o meu primeiro livro de combate “O Cinema na Polémica do Tempo”, tinha vinte e poucos anos e, como norma, não desisti nunca.
O indigitado presidente dos Estados Unidos pertence a essa linha de desprezo e de incúria que temos por dever rejeitar e combater. Ele só representa aquilo que representa; nada tem que ver com a grande linha de honra e com a fonte de cultura e de dignidade que todos os homens livres devem e têm de manter. Se a estes factos me refiro é porque se encontram na linha do que tenho vivido e escrito. E, também, porque esses homens e essas mulheres (como Gale Sondergaard) me ajudaram a ser com sou.