Aumentar taxas de juro é fácil

(Paul De Grawe, in Expresso, 27/08/2016)

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                       Paul de Grawe

Não vejo razão para que o Governo português tenha de pagar mais pela dívida do que o italiano. Os mercados guiam-se por humores e gostos politicos.

As taxas de juro na Europa e nos Estados Unidos continuaram a sua tendência de baixa durante o verão. As taxas a dez anos das obrigações do tesouro alemãs e suíças são agora negativas (-0,09% e -0,5% respetivamente). Isto implica que os investidores pagam de facto aos governos suíço e alemão pelo privilégio de deterem os seus títulos. Noutros países europeus as taxas de obrigações a dez anos ainda não são negativas mas estão próximas do zero. Na maioria destes países as taxas colocaram-se abaixo do 1%. Exceções são a Itália (1,1%), Portugal (3,07%) e a Grécia (8,15%). Porque é que as taxas de Portugal estão tão altas (comparadas com as dos outros países, não numa perspetiva histórica)? Para mim é um mistério. Não vejo razão nenhuma para que o Governo português tenha de pagar mais do que o italiano. Por vezes, os mercados financeiros baseiam as suas análises em sentimentos, humores e gostos (políticos), não em fundamentos económicos.

A razão fundamental por que as taxas de juro baixaram tanto na Europa e nos Estados Unidos é hoje bem conhecida. Tem tudo que ver com o chamado excesso de poupança. O montante total das poupanças das famílias, empresas e governos é muito maior do que o montante que estas famílias, empresas e governos estão dispostos a investir. A razão por que tanta gente quer poupar tanto e por que tão poucos estão com vontade de investir é a mesma: falta de confiança no futuro. Esta falta de confiança empurra muitos para a poupança e impede-os de investirem. Um círculo vicioso.

O resultado tem duas facetas. Primeiro, as taxas de juro caem. Enquanto houver excesso de poupança relativamente ao investimento, a taxa de juro irá continuar a descer. Segundo, o excesso de poupança também implica que há procura insuficiente de bens e serviços. Isto faz pressão para baixo na inflação. Esta tem andado à volta dos zero por cento já há algum tempo na zona euro. Como resultado, tudo gira em torno do zero, a taxa de inflação, a taxa nominal e a taxa real de juro (a qual é a diferença entre a taxa nominal e a taxa de inflação). Zero não é um equilíbrio muito atraente.

Qual é o papel do banco central nesta história? Há uma conceção errada muito vulgarizada de que as políticas dos bancos centrais são a causa na raiz das baixas taxas de juro. Mas não é o caso. É verdade que os bancos centrais têm comprado ultimamente muita dívida e inundaram o mercado com dinheiro. Isto acrescentou-se à tendência de descida das taxas de juro. Ao fazê-lo, no entanto, os bancos centrais tentam aumentar a procura geral de bens e serviços para no final aumentarem a inflação e as taxas de juro. Assim, o que os bancos centrais estão a tentar fazer é baixar as taxas de juro temporariamente ainda mais de forma a estimular a economia. Isto deveria pôr de novo a inflação e as taxas de juro num caminho ascendente.

Os bancos centrais, porém, acham que é difícil alcançar isto. A razão é que por si só os bancos centrais não podem absorver o excesso de poupança. Como argumentei atrás, este excesso resulta de uma falta de confiança no futuro que leva as pessoas a pouparem demasiado e investirem de menos. Enfiar dinheiro pela goela destas pessoas não fará com que invistam mais e poupem menos.

Os bancos centrais não podem absorver o excesso de poupança. O problema só pode ser ultrapassado pelos governos

O problema só pode ser ultrapassado por alguém que tome as rédeas. As famílias e as empresas não o farão facilmente. Só pode vir dos governos. Estes podem aumentar o investimento público. Ao fazê-lo podem virar o excesso de poupança de pernas para o ar e transformá-lo num excesso de investimento que aumentará as taxas de juro. É realmente fácil.

Porque é que os governos europeus, especialmente aqueles que podem contrair dívida gratuitamente (ou até sendo pagos por isso), não aumentam o investimento público mantém-se um quebra-cabeças. Só pode ser explicado por um dogma errado de raiz, segundo o qual os governos não devem aumentar a sua dívida, mesmo que isso possa ser feito de graça.

Os futuros historiadores da economia não vão acreditar quando olharem para o presente episódio. Não vão compreender porque fomos tão estúpidos que não aumentámos o investimento público quando a necessidade de o fazer era tão grande e as condições financeiras tão favoráveis.


(Professor da Universidade Católica de Lovaina, Bélgica)

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