E se muda quem reparte, quem fica com a pior parte?

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 21/10/2015)

         Daniel Oliveira

                        Daniel Oliveira

Um Presidente chama a coligação eleitoral que ficou em primeiro lugar. Esta procura apoio parlamentar. Quem o pode garantir não quer, no respeito pelos seus compromissos eleitorais, ficar ligado a um primeiro-ministro que considera ser responsável pela desgraça nacional. Não se demitindo do dever de representar os seus eleitores (e ao que parece, dizem as sondagens, continuam a ser os mesmos), explica que não vai viabilizar tal governo com tal programa e tal primeiro-ministro. Até aqui, ninguém que acredite na democracia pode criticar a legitimidade democrática desta decisão.

Perante esta opção e a impossibilidade de marcar eleições clarificadoras, o mesmíssimo líder procura uma alternativa que não deixe o país ingovernável. Não o fizesse e seria rotulado de irresponsável. Como o fez, é golpista. Feito isto, o normal é quem esteja em condições de formar um governo com apoio da maioria do Parlamento seja chamado para o fazer. E tome posse.

Apesar de toda a gente em todo o lado reconhecer que isto é constitucional e politicamente legítimo, dá-se uma qualquer perturbação lógica que leva a acrescentar sempre um “mas”. A última é esta: um acordo parlamentar com o Bloco e o PCP, sem que estes partidos entrem no governo, não dá garantias suficientes de estabilidade. Também defendo que BE e PCP deveriam entrar para o governo. Só me custa compreender quem, no minuto seguinte, defende, em nome da estabilidade, um governo minoritário de Passos Coelho, garantido por um Partido Socialista contrariado que não só não vai entrar no governo como assume uma total incompatibilidade com os objetivos programáticos de Passos Coelho. Dá-se esta coisa extraordinária: dá maiores garantias de estabilidade um PS a garantir, contra a sua vontade, um governo ao qual quer fazer oposição do que um governo baseado num acordo parlamentar procurado por todas as partes. Não é fácil defender esta tese.

Todo o debate que se tem feito em torno da solução maioritária (repetir várias vezes: maioritária) de esquerda tem-se centrado numa falsa questão em torno da legitimidade. Isto, apesar de todos aceitarem que a legitimidade não está realmente em causa. E o debate faz-se em torno deste labirinto argumentativo porque ninguém quer realmente discutir as razões políticas profundas que explicam a indignação da direita nacional e de quem, tendo poder para isso, está a organizar um autêntico cerco mediático à possibilidade do primeiro governo apoiado por toda a esquerda, em Portugal.

Esta solução provocará, e nisso não se engana a turba histérica que tomou conta de quase todo o espaço na comunicação social, um abalo no sistema político-partidário nacional.

Até hoje, para o PS governar tinha de conseguir uma maioria absoluta sozinho. Com o voto à esquerda do PS, isso implicava que a esquerda tinha, para governar, de se aproximar dos 60% dos votos. Ou seja, o PS tinha de conquistar todo o centro para conseguir governar. Caso contrário, dependia do PSD. O resultado deste entorse no sistema foi a descaracterização de um PS obrigado a afastar-se do seu núcleo de valores para conseguir governar.

O mesmo não acontece com a direita. A entrada do BE e do PCP no chamado “arco da governação”, seja participando num governo, seja por via de um acordo parlamentar, liberta o país de uma clivagem anacrónica, nascida do PREC, que tão útil tem sido à direita.

Mas a questão político-partidária está longe de ser a mais importante. Os últimos quatro anos foram anos de “ajustamento”. Não foi apenas um ajustamento orçamental. Eles centraram-se sobretudo na distribuição de sacrifícios. A perda de rendimentos do trabalho e de apoios sociais é a forma de nos tornar “competitivos” sem beliscar os rendimentos de quem realmente manda. O mais fácil foi ir a quem tem menos instrumentos para se defender.

Do que se conhece pelas condições postas, Bloco e PCP estarão a negociar a reposição de rendimentos diretos e indiretos (apoios sociais, reformas e salários) e a reversão de leis laborais, onde se inclui a contratação coletiva, instrumento negocial fundamental para impedir, num momento de desemprego alto, uma enorme perda de salários e direitos. Ou seja, a entrada destes partidos na equação governativa não muda apenas o cenário político-partidário, acabando com um tabu de 40 anos e permitindo que o PS deixe de estar refém da direita. Pode mudar a distribuição de sacrifícios. Faz pior do que isso: ao acabar com um tabu de 40 anos e permitir que o PS deixe de estar refém da direita, pode tornar este discurso politicamente aceitável. Não espanta, por isso, o enorme empenho que os poderes, do económico ao mediático (que o serve quase sempre), estão a pôr em tudo isto. Não espanta o enorme empenho que o poder económico – que tem sempre mensageiros – está a pôr em tudo isto. Não é, como os próprios confessam, a ilegitimidade que os apoquenta. São as consequências que esta mudança pode trazer na distribuição da fatura da crise.

Um pensamento sobre “E se muda quem reparte, quem fica com a pior parte?

  1. Gosto do escrito..ê., subescrevo…,e acrescento: Será por acaso ou não…??? que os “media” levaram ao “colo” a dia COIGAÇÃO…, desprezando os agora chamados EMERGENTES ??? É que os votos em estes EMERGENTES, não obstante o seu silêncio…, e mesmo sem eleitos Deputados…, também entram no resultado que aqui é comentado! !!! Logo à interrogação “E se muda quem reparte, quem fica com a pior parte?”, Eu respondo…Daqui por 6 meses ou um pouco mais…, quando o PCP abrir o seu habitual “jogo” que dura…, vai para 40 e picos anos, voltaremos a Eleições!!

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