O que vai decidir as eleições é o Portugal que cada um vê. Mais nada

(José Pacheco Pereira, in Público, 19/09/2015)

Pacheco Pereira

           Pacheco Pereira

Há dias, um candidato de um pequeno partido, que pode ser caracterizado como sendo do centro-esquerda, dizia-me que na campanha de rua e, em particular nas feiras, encontrava dois tipos de pessoas. Umas que tinham raiva contra o governo e outras que tinham raiva contra os “políticos”, os “partidos”, tudo o que pudesse parecer actividade política. E acrescentava que os segundos estão ainda mais zangados do que os primeiros. Sendo ele um activista político muito ocasional, não podendo ser ligado a nenhum governo recente, nem ao PSD, CDS ou PS, tinha ficado surpreendido porque estes últimos se tinham recusado sequer a cumprimentá-lo. Era um “político”, logo era pestífero.

Não penso que sejam os indecisos entre votar PS ou PAF que vão decidir os resultados, porque não há praticamente indecisos a não ser como alínea das sondagens, e, quando se dizem indecisos são indecisos entre votar ou não votar ou entre votar  PS ou BE ou CDU, e não entre os dois grandes partidos. Aí já toda a gente assumiu a sua “decisão” da maneira mais simples: são a favor ou contra o governo. O mesmo já não me parece acontecer entre os que estão indecisos em votar e os que não vão votar ou vão votar no protesto do voto branco e nulo. Entre votar ou não votar, é essa indecisão fundamental e admito que essa indecisão seja a dos que estão zangados com todos os políticos e todos os partidos. Este tipo de indecisão parece ser urbana e atingir PAF e PS, por esta ordem. Não atinge a CDU e menos o BE, porque aí é mais a hesitação entre votar BE ou Livre – Tempo de Avançar.

Digo isto, porque penso que não são os indecisos que vão formar opinião com os debates, são, quando muito, os abstencionistas por zanga, e zanga é a palavra exacta. Se o PS ou o PAF conseguirem mobilizar um número significativo destes abstencionistas zangados, desatam o nó do empate, mesmo que isso não seja suficiente para a existência de uma maioria absoluta.

Ora, nem um nem outro se lhes estão a dirigir, um pouco pelas mesmas razões pelas quais deixaram crescer esta faixa de portugueses que, não sendo anti-democráticos (alguns são), estão contra a “política”. Esses portugueses não se sentem representados, e por isso desvalorizam a representação. E mesmo alguns novos partidos que se lhes dirigem, falando uma idêntica linguagem, não tem o sucesso que poderiam esperar.

Esses portugueses não acreditam nos grandes partidos porque “são todos o mesmo”. Já viram governos do PSD e do PS sucederem-se sem qualquer alteração na sua condição e, nos últimos anos, agravando a sua vida, primeiro com Sócrates e depois Passos Coelho. Acham que todos são corruptos e que nenhum político actua contra a corrupção. Não se sentem representados no sistema político, nem pensam que o seu voto mude nada. A política do “não há alternativa” e a efectiva deslocação para fora de Portugal das principais decisões políticas, com o sentimento de impotência associado, ajudam a consolidar esta atitude. Vai ser muito difícil, se não for impossível, restaurar uma ligação de confiança mínima com estes eleitores, a não ser pela via do populismo e nem populistas eficazes existem em Portugal, agora que Alberto João Jardim se reformou ou quase, e o “Paulinho das feiras” não pode lá ir sem uma nuvem da guarda-costas.

Ora, também não é segredo para ninguém que estes portugueses são das principais vítimas da política dos últimos anos. Foram eles que empobreceram, que perderam emprego, que perderam casa e carro, que estão hipotecados e empenhados sem saída, que viram outros membros das suas famílias emigrarem, ficarem sem emprego ou a atravessar dificuldades económicas. São eles que viram os seus salários baixar para o nível da pobreza, as suas rendas de casa subirem e tornar-se incomportáveis. São eles que por incumprimento fiscal ou dívidas ao banco, ficaram num limbo sem direitos, marginalizados do funcionamento regular da sociedade “dos cumpridores”. São também eles, emigrantes e nacionais, pequenos empresários e trabalhadores na França e Alemanha, que tinham posto todo o seu dinheiro no BES e agora andam furiosos pela rua. Só seria de admirar que não fosse assim.

São também os mais velhos, pensionistas e reformados com as pensões cortadas, ou adultos sem emprego, sem esperança, que sabem que, até morrerem, é tudo sempre a descer. São aqueles para quem a passagem do tempo é cada ano um novo programa de austeridade, mesmo que não haja novas medidas. Bastam as que existem. E, como muitos deles tem memórias de um passado melhor, a sua condição no presente é mais dificilmente vivida. Eles são os portugueses que não se iludem com a propaganda da coligação, mas também não acreditam no PS.

O Portugal que eles veem não é o dos seminários económicos nem das feiras da indústria, nem das assépticas empresas agrícolas brilhando de cilindros de alumínio impecavelmente limpos, ou o das startups tecnológicas que não duram um ano, mas aparecem na televisão como grandes promessas de sucesso entre ministros e secretários de estado.

O Portugal que eles veem é aquele que se tornou invisível no actual discurso eleitoral da “retoma”, como se tivesse desaparecido do mapa, ou sequer diminuído na sua dimensão e gravidade. E o Portugal que eles veem pode ser mais deprimente e menos exaltante do o que as notícias “positivas” mostram, mas é mais verdadeiro. Se o PAF ganhar é nesse Portugal que nós vamos acordar no dia 5 de Outubro, como se tivesse caído um enorme cenário que nos tapasse a realidade.  Se o PS perder é porque falhou a estes portugueses, aqueles que melhor política precisavam, porque são os que mais tem a perder. Porque são os que mais estão a perder. Depois admiramo-nos por estarem zangados?

É por isso é que os resultados eleitorais vão depender do Portugal que está mais vivo na experiência de cada um. Se, e só se, estes portugueses zangados com o mundo votarem. Como muitos perderam e só poucos ganharam, como muitos perderam muito e os poucos que ganharam, ganharam muito, colocar estes zangados na apatia cívica e usar o seu desespero para os atirar para um gueto antipolítico é um programa de quem não quer mudar nada. É também por isso que o amorfismo, o adormecimento, a apatia, o futebol no dia das eleições, o circo todos os dias até lá, são armas decisivas da coligação para ganhar as eleições.

Um pensamento sobre “O que vai decidir as eleições é o Portugal que cada um vê. Mais nada

  1. Mais um estudo de pensamentos, mais ou menos arrumados logicamente, para formar jogos de espírito intelectualizados sobre uma realidade vista pelos sentimentos pachequeanos mas assentes sobre apreciações totalmente subjectivas que pacheco tenta logicamente objectivar para daí retirar as suas conclusões particulares.
    Diga-se, como sempre, um bom exercício literário-intelectual, contudo, também como sempre, pacheco tem tão má visão política que as suas projecções para o futuro saiem sempre erradas; o seu apoio a cavaco, manuela, e durão e depois o seu apoio incondicional à guerra no Iraque são, entre muitos outros menos conhecidos, exemplos modelo da sua falhada carreira política.
    No caso deste exercício pacheco coloca-se na posição oracular de Delfos, não diz apenas indica; se acontecer isto sucederá aquilo e vice versa para todas as hipóteses que elencou.
    Ele até não será batoteiro deliberadamente por lançar hipóteses para o ar político, é-o na medida em que tenta adivinhar o que vai acontecer, isto é, adivinhar o futuro, uma coisa que a memória ainda não consegue reter e por isso o facto de ser historiador não lhe dá grande vantagem de previsão.

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