Afinal há outra. E não é a TINA

(Nicolau Santos, in Expresso, 25/04/2015)

Nicolau Santos

       Nicolau Santos

TINA. There Is No Alternative. Para que melhor aceitássemos todas as medidas draconianas que tivemos de suportar durante o programa de ajustamento, foi-nos dito e redito pelo Governo e seus ideólogos que não havia outra alternativa. A receita era esta e qualquer outra não resolvia o problema. A contestação científica, a nível interno, só tinha vindo até agora da escola de Coimbra. No plano político, tirando os casos do PCP e BE, o PS nunca conseguiu apresentar uma estratégia diferente. Pois bem, esse tempo acabou. Doze economistas, dos quais 10 são independentes, elaboraram um documento com 95 páginas, onde está consubstanciada uma alternativa clara à política económica seguida pela troika e pelo Governo e que, segundo os autores, “é compatível com a manutenção do país na zona euro, um maior crescimento económico, criação de emprego, promoção da competitividade e maior sustentabilidade da dívida pública, num quadro de cumprimento dos compromissos orçamentais”.

O documento tem uma primeira e clara vantagem: consubstancia o custo ou a receita de cada uma das 19 medidas propostas. A segunda vantagem é que, a acreditar nos valores apresentados, nenhuma delas, per se, é suscetível de conduzir à situação de desequilíbrio que tivemos em 2011. Um estímulo de pouco mais de 600 milhões de euros à economia em 2016 não é seguramente algo que tire o sono a qualquer economista com um mínimo de bom senso. A terceira vantagem é que as mudanças são faseadas no tempo e não inversões abruptas. E em quarto o documento põe no centro da sua estratégia o crescimento, sem o qual não se consegue nem a redução da dívida externa, nem uma maior competitividade, nem a criação de emprego, nem a sustentabilidade da segurança social.

Proposta do PS tem riscos, exige explicações, mas é corajosa e traça um caminho diferente para o país.

Até agora, tivemos uma estratégia assente na desvalorização do custo da mão de obra, no enfraquecimento do Estado e na redução dos apoios sociais como forma de tornar a economia mais competitiva. A tónica foi toda colocada do lado da oferta. Esta proposta vai pelo aumento da procura, através da subida do rendimento das famílias, com impacto no consumo, no investimento e na criação de postos de trabalho. Corrige os cortes sociais. E coloca o Estado, enquanto impulsionador da inovação e dinamizador da ciência e investigação, como a peça-chave para tornar as empresas e a economia mais competitivas.

Há riscos? Claro que há, desde logo porque se se verificar o cenário mais negativo para a zona euro isso afetará negativamente todo o exercício. Depois, o aumento do consumo pode acabar por ser suprido em grande parte pelo lado das importações, sem haver uma resposta do investimento. Em terceiro, algum desagravamento fiscal que se verifica pode não ser compensado pelas novas fontes de receitas ou se não houver o crescimento económico, colocando em risco a descida do défice. E em quarto, as mexidas na segurança social têm de ser muito bem explicadas para serem bem compreendidas.

Mas dentro dessas incertezas — e outras haverá — a proposta é corajosa, sólida, credível e traça um caminho diferente para Portugal e para os portugueses. O outro, que trilhámos nos últimos quatro anos, trouxe-nos até aqui — e não se recomenda se queremos um país mais eficiente, mais competitivo e mais justo.


O regresso do debate económico

As propostas económicas apresentadas pelo Partido Socialista têm um enorme mérito: fazem regressar o debate de onde ele nunca deveria ter saído, às opções político-económicas dos dois maiores partidos portugueses. E se durante alguns anos, sob o peso da eurocracia europeia e da crise de 2008, que nos explodiu em casa em 2011, parecia não haver qualquer alternativa à linha seguida pelo Governo, hoje manifestamente sopram novos ventos na Europa e, pelos vistos, também em Portugal. Como é óbvio, PSD e CDS já começaram a tentar fazer passar a ideia de que estas propostas nos vão reconduzir à situação que levou o país a pedir ajuda internacional. Mas é difícil aceitar tal crítica. Primeiro, porque quem elaborou estas propostas foi um grupo de economistas independentes e de várias escolas, vários deles já com longos e reconhecidos trajetos nas suas áreas de atividade. Logo, estas propostas têm de ser rebatidas com argumentos técnicos e não apenas com gritaria política. Quem as quiser demonizar terá de provar, por A mais B, que elas não são exequíveis. Depois porque o alívio fiscal que o PS propõe é, segundo o grupo de trabalho, encaixável quer na descida do défice quer da dívida. É claro que, para isso, conta-se com um significativo crescimento da economia, que nenhuma organização internacional prevê (mas que o Governo também subscreve). O PS aposta na procura, o PSD na oferta. O primeiro quer repor o rendimento disponível das famílias; o segundo quer facilitar a vida às empresas. Veremos o que decide o eleitorado.


Mariano Gago: apesar de…

Na ciência portuguesa, há um antes e um depois de José Mariano Gago. Foi dos melhores alunos do Técnico e um brilhante cientista. Mas também foi dirigente estudantil e opositor do regime antes de 1974. Depois, colocou os seus conhecimentos ao serviço da Res Publica, com a convicção profunda de que Portugal se desenvolverá pela ciência e inovação ou dificilmente se desenvolverá. Foi quem mais tempo ocupou um cargo ministerial (12 anos no total) desde 1974. E fê-lo na pasta da Ciência. Sob a sua égide, nasceu um grupo muito alargado de investigadores de grande qualidade em todos os domínios das ciências, vários deles atingindo posições internacionais de destaque. Lutou para ligar a investigação às empresas. Definiu um sistema justo e reconhecido de avaliação para unidades de investigação e investigadores. Em várias áreas de I&D, o país é hoje uma referência. Devido a ele. Apesar de, como elegantemente disse o primeiro-ministro, Mariano Gago “ter servido em governos do Partido Socialista”.


Imagem sem título

Há os que passam e os que ficam

Há os que ficam onde os seus restos mortais ficarem
ou cinzas forem dispersas

Há os que ficam nos que lhes são mais próximos:
amores, filhos, m
ãe, amigos, mulher, etc.

Há os que ficam em muitos outros desconhecidos

Há em geral espaços em que todos ficamos mortos

Mas no tempo, na transformação do tempo

Só um ou outro raro e belíssimo no fazer e no fazer-se

Ficará.

Como este assim

Que será sempre encontrado no tempo todo

Na história da ciência na Europa

E neste nosso país

Transformado o nosso tempo

Transformados nós

pelo seu Fazer

No Seu Fazer-se.

Maria de Sousa,

(Cientista, professora emérita da Universidade do Porto e júri do Prémio Pessoa, num poema dedicado a José Mariano Gago)

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