O sol não é europeísta


(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 28/03/2019)

Daniel Oliveira

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Portugal é um país pobre, não tem muitos recursos naturais e ainda nos falta muito para termos a mesma qualificação que a maioria dos povos europeus. Sempre que nos comparamos com o norte da Europa, acabamos com uma frase de consolo: “Sobra-nos o sol”. Não é uma vantagem pequena. Não apenas para o turismo, mas para a nossa qualidade de vida. Permite à maioria ter muito poucas horas de trabalho sem luz natural. Na maior parte do ano o dia para nós é mesmo dia, não é uma coisa cinzenta. Não tratem isto como um pormenor. Quem já viveu num país do norte da Europa sabe que é coisa importante.

Como se sabe, a Comissão Europeia tem pouco que fazer. A crise cíclica do euro, os diferendos com Itália, a falta de democracia na Hungria e o Brexit não ocupam burocratas suficientes. Descobriram que isto de andarmos a mudar de hora não é boa ideia. Que cada país devia escolher que horário queria e ficar ali o ano todo. Mas os eurocratas perderam a cabeça: muito modernos, quiseram que o debate saísse de Bruxelas. E fizeram… um inquérito online. Votaram 4,6 milhões de pessoas. Um terço deles alemães. Suspeito que as suas preocupações com horários sejam um pouco diferentes das dos portugueses. É a natureza que garante essa diferença. Os portugueses participaram muitíssimo pouco e os britânicos, claro, ainda menos. Num momento de lazer, também eu votei neste inquérito. Devo dizer que não conheço mais nenhum português que o tenha feito.

Não foi por acaso que a última vez que dispensámos a hora de verão foi em 1933. Há coisas do Estado Novo que a democracia não mudou: o sol, que continuou a brilhar às mesmas horas para todos nós. Só mesmo os burocratas de Bruxelas se dedicariam a esta normalização

Agora foi o Parlamento Europeu que votou o fim desta mudança de hora. A Comissão, sempre com pressa em integrar tudo o que haja para integrar, do tamanho da maçã à hora da alvorada, queria que isto entrasse em vigor já em 2019. A Europa não pode esperar. Já os eurodeputados, ainda moderadamente influenciados pelas viagens que fazem aos seus países de origem, pediram que fosse só em 2021. E deixando que os Estados se preparem e façam as suas próprias consultas. Tanta gratidão.

A última tentativa de mudar de hora foi no tempo de Cavaco Silva, que dando tradução ao nosso deslumbramento provinciano – de que ele sempre foi o mais perfeito intérprete –, pôs Lisboa com a mesma hora que a civilizada Frankfurt. Acabámos por voltar atrás. A malta até se habituava a ter manhãs de inverno tão deprimentes como as dos alemães, desde que conseguisse compensar isso com os seus salários. Como isso não foi possível, quis de volta a luz com que a natureza nos compensou de todas as nossas provações. Porque havemos de perder qualidades naturais só para se sentirmos mais europeus?

Se deixássemos de ter hora de verão, mantendo apenas a hora padrão, passaria a amanhecer perto das 5h, em junho. Horas com luz que a maioria das atividades desperdiçariam. E ao final da tarde deixaríamos de ter tempo livre com luz. Dormir quando se tem luz para perder tempo de lazer com sol é, convenhamos, uma decisão um pouco absurda. Claro que podíamos deixar de ter hora de verão mas passar a ter como hora padrão a da maioria dos países europeus. Conhecemos o resultado no inverno: o sol nasce depois das 8h durante cinco meses. O nosso país não precisa de acordar à noite. Como a experiência foi feita nos anos 90 não preciso de explicar as desvantagens. Não foi por acaso que a última vez que dispensámos a hora de verão foi em 1933. Há coisas do Estado Novo que a democracia não mudou: o sol, que continuou a brilhar às mesmas horas para todos nós. Só mesmo os burocratas de Bruxelas se dedicariam a esta normalização.

António Costa respondeu com a ciência: perguntou a opinião aos astrónomos, que aconselharam a manutenção da hora de verão, propondo que a mudança de horário passasse a ser em setembro. Temos, portanto, um novo cisma. E se é para complicar, aqui estou eu para ajudar. Mais do que aos astrónomos, que como o nome indica sabem muito mais de astros do que de pessoas, devia-se perguntar a sociólogos, psicólogos, médicos e economistas. Talvez sejam os mais capacitados para responder o que é melhor para nós. E o “nós”, neste tema, é mesmo Portugal. Bem sei que há por aí muitos cartazes que dizem que “nós somos Europa” e que “a Europa é aqui”. Lamentavelmente, falta ao sol o europeísmo que se exige a qualquer democrata amante da paz. Teima em tratar-nos de forma diferente à que trata um alemão. E neste caso, coisa extraordinária, com vantagem para nós.

Respeito imenso mais de um milhão de alemães que votaram no inquérito da Comissão Europeia. Mas ao menos neste tema podemos ser nós a decidir a nossa vida. Chamem-me nacionalista do horário, mas de sol sabemos nós.