Inventaram os “4 MORTOS” e acertaram

(Ferreira Fernandes, in Diário de Notícias, 18/12/2018)

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Há um grave problema de saúde pública que é urgente. Já nem digo prevenir ou curar, mas, pelo menos, dar conta dele. O último surto aconteceu no sábado à noite e prolongou-se pela madrugada de domingo. Ninguém sabia de um helicóptero do INEM desde as 18.50 de sábado, quando o radar o detetou pela última vez. Às 18.57, um popular telefonou às autoridades alertando para um possível acidente com uma aeronave. Ouviu-a passar e, logo, um estrondo lá para os montes – e nada mais ele sabia.

Depois disso ficou a saber-se tudo sobre o pano de fundo: tratava-se de um helicóptero, o que andou fazer nesse dia, a doença e a idade da doente transportada de Macedo de Cavaleiros para o Porto, o regresso com dois pilotos, uma enfermeira e um médico espanhol, qual a velocidade de cruzeiro de um Agusta A109 (é o modelo daquele helicóptero), tudo. Ficou a saber-se tudo. Até para o que servia aquela antena ali, explicou, com auxílio de foto, um perito deste tipo de aeronaves… Tudo.

Mas até à 01.30 de domingo, quando encontraram o helicóptero despenhado, dois corpos dentro e dois fora, ninguém – ninguém é pronome indefinido mas palavra bem definida: nenhuma pessoa! -, ninguém sabia se os ocupantes do helicóptero estavam vivos ou mortos. Sobre essa questão enorme – mortos ou vivos – ninguém sabia nada. Nada.

Sendo assim, fica um mistério: por que raio uma estação televisiva, logo seguida de alguns jornais, assinaram certidões de óbito antes de as primeiras testemunhas dos corpos mortos o terem testemunhado? “Sabemos que não há sobreviventes.” O canal sabia?! Sabia como? Eram 23.17 de sábado quando essa falsidade foi proclamada. Só duas horas e 13 minutos depois, já domingo, 01.30 da madrugada, alguém chegaria aos corpos. Então, antes disso, sabia-se como?

Logo depois da mentira lançada, alguns jornais seguiram por aí. Entretanto, durante as mais de duas horas sem notícias, a estação televisiva continuou, em notas de rodapé, e por títulos escrito, lançando a atoarda: “4 MORTOS”. Uma notícia é uma coisa que quem a faz está convicto de que aconteceu, não aquilo em que se aposta, por mais provável que possa parecer. No estúdio, em direto, os jornalistas da casa, dignos, recusaram-se a falar de mortes, continuando a interrogar os peritos sobre o que se sabia, não se importando em passar o tempo com informações fastidiosas (tudo o que você nunca quis saber sobre os Agusta A109…), à espera de que as notícias, os factos, chegassem.

Quando as autoridades, às duas da manhã, deram a notícia das quatro mortes, alguns títulos sem vergonha disseram: “INEM confirma as mortes…” Mentira, não confirmou, revelou. Até lá ninguém sabia das mortes. As mortes eram uma aposta de alguns na corrida de abutres – os primeiros a dar, não importa o quê, mas primeiros.

Eis mais uma manifestação da doença mental, aquele grave problema de saúde pública de que falei no início da crónica. Desta vez, foram matadores precoces a apostar: havia muitas probabilidades de acertar e não resistiram. Gritaram “morreram!” e ganharam aos decentes que não podiam gritar o que não se sabia. Ganharam contra o jornalismo e contra os familiares e amigos das quatro vítimas que tinham direito em não lhes ter sido negado um só segundo de esperança, antes de esta deixar de o ser. O vírus propaga-se.

Inventaram os "4 MORTOS" e acertaram

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(Ferreira Fernandes, in Diário de Notícias, 18/12/2018)
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Há um grave problema de saúde pública que é urgente. Já nem digo prevenir ou curar, mas, pelo menos, dar conta dele. O último surto aconteceu no sábado à noite e prolongou-se pela madrugada de domingo. Ninguém sabia de um helicóptero do INEM desde as 18.50 de sábado, quando o radar o detetou pela última vez. Às 18.57, um popular telefonou às autoridades alertando para um possível acidente com uma aeronave. Ouviu-a passar e, logo, um estrondo lá para os montes – e nada mais ele sabia.

Depois disso ficou a saber-se tudo sobre o pano de fundo: tratava-se de um helicóptero, o que andou fazer nesse dia, a doença e a idade da doente transportada de Macedo de Cavaleiros para o Porto, o regresso com dois pilotos, uma enfermeira e um médico espanhol, qual a velocidade de cruzeiro de um Agusta A109 (é o modelo daquele helicóptero), tudo. Ficou a saber-se tudo. Até para o que servia aquela antena ali, explicou, com auxílio de foto, um perito deste tipo de aeronaves… Tudo.

Mas até à 01.30 de domingo, quando encontraram o helicóptero despenhado, dois corpos dentro e dois fora, ninguém – ninguém é pronome indefinido mas palavra bem definida: nenhuma pessoa! -, ninguém sabia se os ocupantes do helicóptero estavam vivos ou mortos. Sobre essa questão enorme – mortos ou vivos – ninguém sabia nada. Nada.

Sendo assim, fica um mistério: por que raio uma estação televisiva, logo seguida de alguns jornais, assinaram certidões de óbito antes de as primeiras testemunhas dos corpos mortos o terem testemunhado? “Sabemos que não há sobreviventes.” O canal sabia?! Sabia como? Eram 23.17 de sábado quando essa falsidade foi proclamada. Só duas horas e 13 minutos depois, já domingo, 01.30 da madrugada, alguém chegaria aos corpos. Então, antes disso, sabia-se como?

Logo depois da mentira lançada, alguns jornais seguiram por aí. Entretanto, durante as mais de duas horas sem notícias, a estação televisiva continuou, em notas de rodapé, e por títulos escrito, lançando a atoarda: “4 MORTOS”. Uma notícia é uma coisa que quem a faz está convicto de que aconteceu, não aquilo em que se aposta, por mais provável que possa parecer. No estúdio, em direto, os jornalistas da casa, dignos, recusaram-se a falar de mortes, continuando a interrogar os peritos sobre o que se sabia, não se importando em passar o tempo com informações fastidiosas (tudo o que você nunca quis saber sobre os Agusta A109…), à espera de que as notícias, os factos, chegassem.

Quando as autoridades, às duas da manhã, deram a notícia das quatro mortes, alguns títulos sem vergonha disseram: “INEM confirma as mortes…” Mentira, não confirmou, revelou. Até lá ninguém sabia das mortes. As mortes eram uma aposta de alguns na corrida de abutres – os primeiros a dar, não importa o quê, mas primeiros.

Eis mais uma manifestação da doença mental, aquele grave problema de saúde pública de que falei no início da crónica. Desta vez, foram matadores precoces a apostar: havia muitas probabilidades de acertar e não resistiram. Gritaram “morreram!” e ganharam aos decentes que não podiam gritar o que não se sabia. Ganharam contra o jornalismo e contra os familiares e amigos das quatro vítimas que tinham direito em não lhes ter sido negado um só segundo de esperança, antes de esta deixar de o ser. O vírus propaga-se.

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Sordid season

(João Quadros, in Jornal de Negócios, 28/07/2017)

 

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Infelizmente, este Verão, uma pessoa tem a televisão ligada e parece que tem uma daquelas lareiras falsas. Impressionante, em termos estatísticos, é ainda não ter ardido nenhuma padaria portuguesa. Mas é triste e medonho ver cavalgar politicamente o número de mortos de Pedrógão.

Esta foi uma semana de política necrófila. Fiquei assustado. Porque uns indivíduos que acusam o Governo de esconder mortos para não perder a popularidade são capazes de tudo, incluindo usar mortos para serem populares.

Do nada, o jornal Expresso fez manchete com os mortos da tragédia de Pedrógão Grande, afirmando que seriam mais do que o que havia sido divulgado. Segundo o Expresso, havia pelo menos uma senhora que foi atropelada, um senhor que morreu passado um mês com tuberculose e um indivíduo no Feijó que saiu à pressa da banheira para ir ver o incêndio de Pedrógão, na CMTV, e escorregou no chão molhado. No Expresso, um colunista falava em 100 mortos e demissão do Governo. Até no jornal Crime diziam – “eh pá, 100, calma, isso é demasiado sensacionalista.” O jornal Expresso devia usar aquela calculadora da devolução da taxa extra do IRS para contar os mortos de Pedrógão.

De imediato, Hugo Soares, como um javali numa loja de porcelanas, deu 24 horas ao Governo para divulgar a lista nominal dos mortos. O PSD ameaçava contratar uma espírita para contar os mortos de Pedrógão. Hugo Soares queria estrear-se com uma entrada a pés juntos e só faltou exigir uma lista nominal de mortos, até agora, no Game of Thrones, e dar 24 horas a Paco Bandeira para revelar o número de discos que queimou.

Depois da divulgação da lista, pela PGR, Hugo Soares disse: “Finalmente foi posto um ponto final numa especulação criada pelo Governo.” Criada por quem?! Estão a confundir os Costa. Este é o irmão, o do Expresso. Eu tenho uma lista de 64 nomes, que gostava de chamar ao Hugo Soares. A esta hora, está a desgraçada da mulher do Hugo Soares a querer dormir e ele a ler a lista dos mortos – “Ao menos, vai para a sala ver o Walking Dead”. “Sozinho, não consigo. Tenho medo. Vou levar o sapo de peluche que o André Ventura me ofereceu.”

Esta estratégia de transformar a “silly season” numa “sordid season” começou com os suicidas de Passos e continuou com os mortos escondidos pelo Governo. Toda esta celeuma nasceu de uma lista publicada no facebook por uma empresária que tinha andando a contar campas frescas. O chamado jornalismo de investigação.
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A notícia tinha por base a informação de uma empresária fixe que estava a pensar propor um monumento às vítimas de Pedrógão e tinha feito uma lista de pelo menos 73 mortos no facebook, mas afinal havia repetidos. Eu imagino o estado em que está a contabilidade da empresária de Pedrógão. No estado a que isto chegou, estamos com sorte, porque ainda nenhum jornal se lembrou de aproveitar a tragédia e fazer uma colecção da panini com as vítimas de Pedrógão.

TOP-5

Esgravatar sepulturas

1. Pedrógão Grande: Assunção Cristas não exclui moção de censura ao Governo.Caso não esteja bom na praia.

2. Passos Coelho diz que o PSD precisa “pôr todas as forças no terreno”. Vão limpar matas.

3. Marques Mendes “anuncia” descida da taxa de desemprego em maio para 9,4%. Só ele tem 20 empregos.

4. Vaticano fechou as fontes devido à seca prolongada em Itália. É rezar para que chova. É o sítio indicado.

5.  A “empresária” que “conta mortos” é a dona da Dialectus, empresa que ficou a dever mais de 250 mil euros a trabalhadores. O melhor é ela fazer um memorial a quem ficou sem a massa.