Porto: e se a arrogância tramasse Rui Moreira 

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 28/09/2017)

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Não sei se me devo fiar nas sondagens que dão Rui Moreira taco a taco com Manuel Pizarro. Não faço apostas, mas parecem-me muito prováveis. Só que o Porto já nos habitou a surpresas em autárquicas. Surpreendeu-nos em 2001, quando, contra todas as expectativas, deu a vitória a Rui Rio, um candidato em guerra com Pinto da Costa e tendo como opositor Fernando Gomes. Voltou a surpreender-nos quando, três mandatos depois, esmagou o popular presidente de Gaia, Luís Filipe Menezes, e deu a vitória ao independente Rui Moreira. Poderá pregar-nos de novo uma partida.

A forma como Moreira se viu livre dos socialistas demonstra um sentimento de autossuficiência especialmente absurdo quando todos sabem o papel que Pizarro teve em muito do trabalho do seu executivo. Mas deixou o cabeça de lista do PS numa situação caricata: a de ser candidato de oposição ao projeto de que foi um dos elementos fundamentais e do qual não se afastou por decisão própria

Toda a história da relação entre Moreira e Pizarro é muito triste. O candidato do PS concorreu às últimas eleições com a garantia de que não integraria um executivo liderado pelo independente apoiado pelo CDS. Mudou de ideias e é justo dizer que, com o falecido Paulo Cunha e Silva, Pizarro acabou por se tornar na coluna vertebral do executivo camarário. A saída de Manuel Pizarro e de todo o PS da lista de Rui Moreira é totalmente infantil. Ela não resulta de qualquer divergência programática ou diferença no balanço do trabalho feito na Câmara. A secretária-geral adjunta do Partido Socialista, Ana Catarina Mendes, esticou-se em declarações públicas sobre os lugares do PS na lista de Moreira e o próprio impôs a Pizarro, para se manter no projeto, a traição ao seu partido.

A forma intempestiva e até um pouco infantil como Moreira se viu livre dos socialistas demonstra um sentimento de autossuficiência especialmente absurdo quando todos sabem o papel que Pizarro teve em muito do trabalho do seu executivo. Uma arrogância que não agradou a muitos eleitores. Ou então, uma incapacidade para gerir conflitos políticos. Mas deixou o cabeça de lista do PS numa situação caricata: a de ser candidato de oposição ao projeto de que foi um dos elementos fundamentais e do qual não se afastou por decisão própria.

Algumas sondagens dão a Pizarro a possibilidade de competir com Moreira pela vitória. Se tal sucedesse, isso teria três resultados: seria uma lição de humildade para Rui Moreira, uma enorme vitória para o PS e a confirmação de que o facto de os movimentos de cidadãos terem chegado para ficar não lhes permite tratar com desprezo os partidos políticos.

Ainda assim, e se me é permitido um palpite, parece-me que nada disto sucederá. A questão será saber como construirá Rui Moreira, depois do divórcio com o PS, uma maioria para governar. Para o homem que já mostrou uma elasticidade tática bem distante da ingenuidade que se costuma atribuir a movimentos de cidadãos, todas as alianças são possíveis.


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O rei, o bobo e o Porto

(Mariana Mortágua, in Jornal de Notícias, 09/05/2017)

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Já conhecemos a fórmula de Rui Moreira: a cidade espetáculo da “marca Porto.”, a repetição de anúncios por concretizar, a guerra aos partidos. Assim se investiu vice-rei do Norte, ocupando o centrão nas impotentes barbas de PSD e PS.

Há quatro anos, Rui Moreira era o anti-Menezes: contra o político dinossauro e esbanjador, a aposta no independente antipartidos que bate o pé a Lisboa. Por conveniência, o PS submeteu-se à narrativa e, até ao fim de semana passado, ajudou a fazer de Moreira o produto final da decomposição política no Porto. Moreira é um caudilho que não hesita em devorar quem lhe abriu caminho, roubando-lhes o palco e os velhos métodos.

Hoje conhecemos melhor o presidente da Câmara do Porto. A política-espetáculo evita a mobilização democrática, para que nada faça sombra ao projeto pessoalizado e aventureiro. Politiquice primária e ausência de pensamento coletivo de um rumo para a cidade que não vem no postal, a que perde população, onde a pobreza persiste e é quase impossível arrendar casa.

Rui Moreira mandou no Porto, incluindo em Pizarro. Enquanto na Assembleia da República os dirigentes socialistas portuenses ajudavam a aprovar avanços importantes (como a lei das rendas apoiadas ou o imposto sobre património de luxo), na cidade calavam-se perante as críticas de Moreira a essas mesmas medidas. Isto para não falar do apoio, tão entusiasmado quanto acrítico, ao mandato do presidente. A subserviência foi inequívoca, de tal forma que o apoio do PS à candidatura de Rui Moreira foi decidido por unanimidade. Tal votação “não é comum com um candidato do PS, quanto mais neste cenário, o que reforça o caminho que os socialistas estão a fazer no Porto”, dizia há seis meses o deputado e líder da Concelhia do PS, Tiago Barbosa Ribeiro.

Manuel Pizarro foi mestre e executante deste processo de anulação política do PS. Enfrentou tudo e todos defendendo a continuação do apoio a Moreira. Foi preciso António Costa obrigá-lo a avançar, mesmo se a consequência é o vazio da política: como pode quem, até sexta-feira, tanto elogiava o mandato de Rui Moreira apresentar-se no sábado como uma alternativa política?

A candidatura de Manuel Pizarro à Câmara do Porto é uma impossibilidade programática. Quem durante quatro anos apoiou Rui Moreira, queimando as pontes à Esquerda, não pode ter um projeto credível.

Nesta história de cortesãos, cabe pouco Porto. Moreira e Pizarro esqueceram-se dele. Está fora das jogadas e do palácio, a ver a triste dança dos barões. E não tem de ser assim.