Análise ou vontade

(José Pacheco Pereira, in Sábado, 09/09/2016)

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               Pacheco Pereira

Uma das coisas que mais me diverte é ver alguns comentários a destilarem tristeza e nostalgia com o PCP e o BE dizendo qualquer coisa como “olhem como eles eram e vejam como eles são”. Bizarras saudades, não dos partidos poderosos e reivindicativos, mas dos tempos em que eles estavam fora do poder e esbracejavam impotentes na oposição. Ah!, como a gente os percebe!

Outro é o olhar que não vê o que está à sua frente, mas aquilo que desejariam que estivesse à sua frente. Todas as semanas a chamada “agenda mediática” se centra na crise da “geringonça”. É desta que vai acabar, ou porque Catarina disse o que disse (sendo que ela não disse bem aquilo que se diz que ela disse…), ou porque o PCP quer romper com a Europa e por isso faz reivindicações para impedir o orçamento de 2017, por aí adiante. Ah!, como a gente os percebe!

Qualquer frase ambígua, qualquer reivindicação, qualquer distanciamento ao PS ou ao governo é tratado como um atestado de morte do acordo que sustenta a maioria parlamentar. E, no entanto, semana após semana, nada disso acontece. Aliás, bastava estar atento a outras coisas que não a exploração mediática fora do contexto de umas palavras ou frases.

Vejam o tom que Jerónimo utilizou na Festa do Avante!. Onde está a hostilidade, onde está a vontade de quebrar? Vejam Catarina a dizer que se ninguém passar as “linhas vermelhas”, ou seja, reverter as reversões, o governo pode “contar” com o BE. Vejam o tom de ambos, sem qualquer animosidade, compreensivos, dando uma no cravo certeira e uma vaguíssima na ferradura ou vice -versa. Ora, eu garanto-vos que quer Jerónimo, quer Catarina são muito capazes de serem tão hostis que não fica nada à frente. E, no entanto, quem vê a comunicação social parece que há ali uma gigantesca tensão. Ah!, como a gente os percebe!

E depois, se se derem ao trabalho de fazerem um pouco mais de análise e menos de desejos, digam-me lá que forte oposição interna, ou mesmo fraca oposição, existe no BE e no PCP face aos acordos e à sustentação do governo? Que se saiba, nada. É que se houvesse podia-se dizer que quer Catarina, quer Jerónimo estavam internamente encurralados e não se vê nada disso. Ah!, como a gente os percebe!

Não, não são factos, são desejos. Desejos de voltar ao mundo do governo do PSD-CDS. E como é que poderia ser de outra maneira quando quase todo o establishment jornalístico e comentarial passou os últimos anos, como se diz na minha terra, a apajear Passos e Portas? É que aceitar que não há nenhuma vontade do PS, PCP, e CDS de acabar com os acordos é também uma enorme crítica silenciosa aos homens do “não há alternativa”. Ah!, como a gente os percebe!


Topete, uma forma erudita de dizer lata

O topete de Assunção Cristas a acusar o governo de ataque à classe média, ela que fez parte do governo que mais atacou a classe média em Portugal nos últimos anos, deve registar-se. Aliás, ainda estou para saber por que razão a chamada rentrée do CDS, uma sala com umas dezenas de “quadros”, foi tratada com a mesma atenção e mesmo com maior desvelo (pelo menos na TVI) do que a Festa do Avante! que tinha milhares de pessoas.
Objectivamente, Jerónimo de Sousa, que faz parte da maioria parlamentar que apoia o governo, é infinitamente mais importante do que Cristas, que dirige um pequeno partido, tal como o PCP do ponto de vista social, autárquico e político é muito mais importante do que o CDS, mas esta importância é sempre minimizada. 

CDS e PSD
Aliás, o entretenimento destes dias é a “demarcação” do CDS face ao PSD, repetido como “análise” que vai do comentário ao discurso jornalístico. Não é evidentemente nenhuma novidade, acontece sempre que o CDS não tem perspectivas a curto prazo de ir para o governo, ele que, para estar no governo, precisa sempre de um outro partido que tenha votos, seja o PS, seja o PSD, já que ele, CDS, não os tem. O CDS é hoje o partido dos grandes escritórios de advogados de negócios, por isso não pode ter a táctica catastrofista do PSD, mas deixem que haja algum cheiro de poder e vão ver como a “demarcação” com o PSD se esvanece.