A ditadura do futebol

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 18/06/2021)

A minha paixão pelo futebol não é recente, não é de moda, não é fruto do acaso. Vem de sempre, do mais longe da infância, manteve-se sempre constante e alimentou-se sempre de um genuíno prazer pela estética e pela geometria do jogo: até mesmo ver miúdos a jogar na areia de uma praia me cativa, não apenas ver jogar Messi ou Ronaldo. Mas, hoje em dia, dou por mim a ficar cada vez mais farto de futebol. O jogo, em si mesmo, é cada vez mais desinteressante, a partir do momento em que o seu objectivo principal — marcar golos — foi substituído pelo de não deixar o adversário marcar golos. O futebol-arte foi substituído pelo futebol-indústria, no qual desaguaram em força todas as máfias de dinheiro obscuro do mundo — da Rússia, do Médio Oriente, da Ásia — que forçaram o espectáculo futebolístico até aos limites: mais jogos, mais competições, mais horas de transmissões televisivas de jogos e debates sobre jogos, e jogadores pagos pornograficamente, com a contrapartida de jogarem até à exaustão. Todos os envolvidos no negócio — donos e administradores dos clubes, técnicos, jogadores, programadores de televisão, dirigentes das Federações, da UEFA e da FIFA — sabem que a corda está esticada até ao limite, mas apostam na infinitude de um filão que não se esgotará nunca, pois acreditam que não se esgotará nunca, passando de geração em geração a paixão do público por este jogo. E, por isso, não é possível abrandar nem conter a ambição — daí a recente tentativa, por enquanto frustrada, de 12 dos mais ricos clubes europeus quererem ainda enxertar uma outra competição, só para eles, às já existentes. E, quando se paga seis, dez, vinte milhões por ano a um jogador, e mais do que isso a um treinador, perder não é opção. Daí que todos os treinadores, sem excepção, cuidem hoje, primeiro que tudo, de preparar as suas equipas para não perder. Os das mais ricas preparam-nas também e depois, para tentar ganhar; os outros, apenas para defender. O resultado à vista é que todas as equipas acabam a jogar da mesma maneira, um futebol previsível, cauteloso, aborrecido, destinado a matar à nascença o improviso e o génio. Bom exemplo disso é a saída de bola dos guarda-redes, actualmente a jogada mais ensaiada pelos treinadores, a mais repetitiva e a mais desinteressante. Aliás, tenho para mim e desde há muito, que, com honrosas excepções — como um padre-treinador que tive aos 15 anos — os treinadores só servem para complicar o que é simples. E quando vieram acrescentar-lhes o VAR (hoje, o personagem principal e invisível do jogo) e toda uma teia de intrincadas interpretações técnico-jurídicas sobre as 13 leis do futebol — ainda por cima, mudando todos os anos — este jogo, outrora fascinante, vai-se tornando cada vez mais aborrecido.

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Mas se o futebol é cada vez mais aborrecido, o espaço que ele ocupa nas nossas vidas — ou naquilo que nos propõem que sejam as nossas vidas — é cada vez maior. Isso não acontece por acaso, mas porque os biliões investidos neste negócio precisam de retorno: precisam de público, de atenção mediática, de espaço publicitário, e tudo isso está interligado. Convencer cada vez mais pessoas de que o futebol é parte essencial da vida delas é a chave do negócio. Atrair a atenção de novos públicos, sem distinção de género, de condição social, de origem geográfica. O futebol, repetem-nos, é a única coisa que une todos os povos do mundo, que estabelece tréguas entre as guerras, que esbate as diferenças, que combate o racismo e mais uma série de causas bonitas. Era bom que assim fosse e não a alienação de massas, sabiamente promovida pelo futebol — em cuja sombra um exército de privilegiados, das Federações nacio­nais, dos clubes, da UEFA e da FIFA, acumulam fortunas e chantageiam governos.

Isso é conseguido, obviamente, graças ao empenho e conivência do jornalismo e, em particular, das televisões. Sem a comunicação social e sem as televisões, a alienação — ou as audiências, se assim lhes preferirem chamar — não atingiriam o patamar que hoje atingiram e o negócio afundar-se-ia. É um pouco assim em todos os países, mas evidentemente que é tanto pior quanto mais subdesenvolvido culturalmente é um país. E Portugal é disso um exemplo eloquente.

Em Portugal e até ao 25 de Abril, o futebol ocupou um papel tão importante quanto tudo o resto ou não tinha importância ou não era consentido — essa foi a missão que lhe atribuiu o Estado Novo. Com a democracia, outras coisas, mais importantes, mais urgentes e novas, passaram a ocupar-nos e o futebol passou para segundo plano. Até que (a sondagem do Expresso da semana passada confirma-o) os portugueses, que confundem democracia com bem-estar, começaram a suspirar por outro ditador ou autocrata, que restaurasse o “espírito pátrio” e nos devolvesse o orgulho nacional perdido. Encontraram-no no Euro de 2004 e na figura importada de Luis Filipe Scolari, um homem de extrema-direita, que chegou, mediu a cena e soube tirar todo o partido dela. Convenceu os portugueses que o Euro — no qual investimos milhões a perder de vista — era uma oportunidade única de restaurar a grandeza da pátria por via do futebol, afinal de contas a nossa melhor, se não única, valência. O resto é história: dez milhões menos um português (eu) passaram um mês a cantar o hino e vestidos com as horrendas cores da bandeira, a vitoriar os novos heróis do mar que acabaram derrotados por uma selecção medíocre, nas nossas barbas.

Com alguém, não charlatão e mais competente que Scolari, lá acabámos por ser campeões europeus em 2016 em Paris, para justa desforra dos nossos emigrantes e porque, por algum estranho mistério genético, temos, de facto, sucessivas gerações de gente com especial talento para o futebol. Mas o resto, o lado mau da coisa, manteve-se inalterável: o futebol continuou a passar à frente de tudo na agenda editorial das televisões, a Selecção continuou a confundir-se com a pátria e os jogadores com os navegadores de Quinhentos, e gritar por eles a plenos pulmões é sinal infalível de patriotismo. Mesmo que saibamos que aqueles heróis tatuados e de aberrantes penteados fazem o que podem para não pagar impostos à pátria, passam férias no Dubai e nem desconfiam quem foi Fernando Pessoa ou Eça de Queirós. Mas ai de quem se atreva a não saber todos os nomes deles, a não tremer de emoção quando os veem cantar o hino, quando veem as televisões seguir em directo o autocarro que os transporta para o estádio ou o avião que levanta voo rumo à Hungria, ou a não acompanhar ao minuto os relatos dos enviados especiais a Budapeste, plantados à porta do hotel da Selecção, a dar conta, em tom dramático, quais Peros Vaz de Caminha usando as novas tecnologias para informar D. Manuel do achamento de Vera Cruz, de que Fernando Santos foi avistado a ausentar-se, talvez para ir à missa!

E, porém, somos um pequeno país, mas temos alguns notáveis escritores, pintores, arquitectos, cientistas, médicos, investigadores, gente que se bate para defender o nosso património cultural, a nossa paisagem, a nossa língua. Mas nunca o hino toca por eles, nunca a bandeira sobe por eles, nunca as televisões e o povo aguardam por eles no aeroporto. Mas o que havia de esperar de diferente quando o próprio Presidente da República (que, por mais que finja, pouco percebe de futebol), interrogado sobre a situação cada vez mais preocupante da pandemia em Lisboa, declara isto: “Agora, temos de estar focados, e estamos todos focados — o senhor primeiro-ministro, o senhor presidente da Assembleia da República, eu próprio, todos os portugueses — no Europeu de Futebol”? Depois de ouvir isto, só me ocorre um desejo: oxalá não sejamos campeões, nem próximo disso! Porque, com Marcelo a comandar os festejos, nova onda de infecções, como a que foi causada pelos festejos do Sporting, vai tornar Lisboa inabitável. Graças ao futebol.

Eu, adepto de toda a vida do futebol, estou farto da ditadura do futebol! Queria que o futebol fosse apenas aquilo que devia ser: uma parte de descompressão e alegria nas nossas vidas e na vida do nosso país. E não a parte mais importante das nossas vidas e da existência de Portugal. Futebol, patriotismo e saloísmo são três coisas diversas entre si. Era bom que fizéssemos um esforço para não as confundirmos todas numa só.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia


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CDS – A renúncia de Adolfo Mesquita Nunes

(Por Carlos Esperança, 21/03/2019)

Mesquita Nunes

Adolfo Mesquita Nunes, depois da notícia da aceitação do lugar de Administrador não executivo na Galp, anunciou a sua demissão de vice-presidente do CDS. Correu mal a notícia da nomeação, anterior a renúncia, quando, politicamente, convinha o contrário.

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O dirigente do CDS pode ter feito uma carreira beneficiado pela visibilidade política, mas tinha a formação que lhe permitiu trocar a política por cargos mais rendosos, que aguardam pessoas de direita, de preferência qualificadas. Mesquita Nunes não é a Celeste Cardona ou o Armando Vara da CGD, é um quadro político preparado para a advocacia e a gestão empresarial.

Era a face moderada do CDS, o conservador prudente, sem a estridência da Dr.ª Cristas, um homem delicado, e a exceção no conservadorismo beato do partido, que defendeu o “Sim” no referendo à despenalização do aborto, de 11 de fevereiro de 2007, e assumiu a sua homossexualidade sem complexos.

Era o único liberal nos costumes no partido de que era simultaneamente um ornamento liberal e a cabeça pensante que não insultava adversários. Agora ficam os neoliberais da economia e reacionários nos costumes sem a cobertura que este conservador lhes dava.

O CDS da D. Cristas e Nuno Melo fica mais perigoso e disponível para se coligar com o fascista André Ventura, escolha de Passos Coelho para liderar a lista autárquica do PSD à Câmara de Loures, que não conseguindo legalizar o seu partido – Chega –, por falta de assinaturas válidas, conseguiu que o PPM e outra excrescência legalizada o aceitassem como cabeça da “coligação Chega” às eleições europeias.

O neofascismo, puro e duro, começa a ter rostos em Portugal e, à semelhança de outros países, a contar com o patrocínio do enviado de Trump e financiamentos necessários.

Ao CDS não faltará outro Adolfo, menos recomendável, mais adequado à dupla Cristas e Nuno Melo. O regresso de Manuel Monteiro pode ser o Adolfo do partido que o PPE já expulsou uma vez e que só as necessidades da direita, a pedido de Durão Barroso, devolveram ao convívio dos partidos conservadores e democrata-cristãos europeus.

Sucedeu então ao CDS o que ontem foi decidido contra o partido húngaro Fidesz, de Orbán, no poder desde 2010. Foi suspenso, por tempo indefinido, do Partido Popular Europeu, que não continuou a pactuar com afrontas grosseiras aos direitos humanos e princípios democráticos dos Estados de direito.

A liberdade judicial, de expressão e de imprensa, assim como a liberdade académica e direitos das minorias e dos refugiados, têm sido gravemente restringidas na Hungria e o PPE decidiu regressar à matriz dos partidos conservadores do pós-guerra.

O CDS tem sido agora mais cauto, mas pode sempre fugir-lhe o pé para a chinela.


O (NEGÓCIO) FUTEBOL E OS TEMPOS

(Joaquim Vassalo Abreu, 19/05/2018)

futebol

Seria natural que antes fosse “espectáculo”, porque disso efectivamente se trata, e só depois um negócio. Seria, mas deixou de ser.

Mas antigamente o “negócio” era transparente e puro? Os anais dizem-nos que nem por isso e contam-se mesmo mirabolantes histórias!

Lembro-me de ouvir pela rádio em pequeno, no tempo dos transístores, que determinado clube precisava de ganhar por 28-0 (!) para não descer e, por artes de magia, ganhou por 29-0! Esse número ficou-me e lembro-me de há uns anos ouvir à entrada do estádio do Dragão um repórter perguntar a um espectador prestes a entrar qual o seu prognóstico para o resultado!

Eu estava atrás dele e com a minha resposta pronta se me interpelasse. Sorte a dele e azar o meu! É que se fizesse a mesma pergunta ter-lhe ia respondido: 28-0! Ele teria dito de imediato: Está a brincar? E eu responderia: Não, o senhor é que está a brincar comigo! Teria sido bonito…

Eram tempos surreais, tempos dos campos pelados, tempos de jogadores rijos e indomáveis e tempos das rádios! Tempos do “atenção Nuno, perigo no Barreiro” e das quase nulas transmissões televisivas. E tempo dos jornais também…E tempos da Capital possuir o unilateral mando! A Capital do Império…

Depois o “negócio”, que não o “espectáculo”, foi-se sofisticando, foram as leis se alterando, foi-se entretanto jogando e os vícios se aperfeiçoando…E veio a luta Norte Sul pelo seu domínio. É que antes o “negócio” quase só se circunscrevia à Capital, a Capital do Império…

E veio a Revolução e com ela um Pedroto disposto a deixar de ser “Andrade”, atravessar a ponte e conquistar a Capital, a ex- capital do ex-império.E com ele chegou um Pinto da Costa vindo do Boxe (estão a ver?), mas um tipo oriundo de boas famílias, de verve esfusiante, de piada fácil, acutilante e cortante e, acima de tudo, disposto a tudo fazer para mudar a Capital do “negócio” para o Porto! E com ele chegou a “fruta” ao  dito…

Entretanto uns puritanos verdes, de bigodinho curvo a pasteis de nata, olhavam para os seus umbigos e sentiam-se espantados com tanta desfaçatez naquele “savoir faire”!

Mas, mais tarde, já para os recentes tempos, veríamos ressurgir o outro da segunda circular, disposto também a recuperar o mando no “negócio”, pela mão de um tipo vindo ali de Alverca que, depois de uns falhados candidatos a “padrinhos”, assumiu com mão de maleável borracha, não tivesse ele vindo do negócio dos pneus, o comando da “empresa”. Radicou-se entretanto na Expo e, depois de fazer fortuna, para lá de um pequeno “furo” no BPN (17 milhões, que é isso?) espetou um autêntico “taco” ( há quem lhe chame “calote” e outros mesmo de “rombo”, no BES (Novo Banco) de mais de 600 milhões…trocos!

Mas isso comparado com o “furo” do Sócrates são apenas uns trocaditos, digo eu agora a tentar ter piada!

A diferença com o anterior descrito, o chamado “Rei” do Norte ou “Pinto Rei”, é que este ao menos sabe dizer Poesia, é de ironia fácil e não consta ter dado alguma vez “rombos” desses! Por favor, deixem-me pôr as coisas no seu lugar…é que este até gosta de Ópera!

Até que dos lados dos “viscondes” aparece um “paisano”, um pássaro de arribação impetuoso e de bico grave, um autêntico valentão. Sabe-se que também vem de boas famílias e que é perito em falir empresas (se os outros falem eu também falo, ora…). Diz-se que, com aquele célebre acordo com a Banca, terá salvado o Clube dos Viscondes da insolvência. Pois, mas voltou aos velhos hábitos e não consta que diga Poesia e piada não tem nenhuma! E faz-me, assim de repente, lembrar o célebre romance do grande GABO: “ O General no seu Labirinto”! Mas, será ele também contralto?

Mas é então esta gente que quer dominar, à força toda, o tal “negócio” do futebol, o tal que se deveria restringir ao “espectáculo”? Esta tal gente que noutros países já há muito foi banida, com o retorno do tal “espectáculo”? Na Inglaterra, primeiro exemplo, e até na insuspeita Itália. Em Espanha o presidente da federação foi preso e esquecido. E o “espectáculo” segue e os presidentes juntam-se, jantam, falam e vêm o “espectáculo” lado a lado. E os “teatros” estão sempre cheios, porque sem “espectáculo” não há assistências…torna-se um sítio cheio de lugares vazios…

Mas chegamos ao derradeiro tempo, o nosso tempo, o tempo da chafurdice, o tempo da impunidade e do nojo, o tempo de uma louca Justiça que ao invés de julgar esse nojo o protege e em que para a opinião pública devidamente demarcada já não interessam os crimes dos anteriores mas apenas os do último que, como sempre, se torna o fácil alibi para todos os outros. É o último, o desgraçado…

E os anteriores ainda vêm pedir justiça pois este os prejudicou…foi além do que devia, o desgraçado!

E depois há também o costumeiro “afinal são todos iguais…”quando, por falta de mais argumentos para defenderem os “seus”, se utiliza este velho refúgio que, no fundo e no essencial, quer dizer “ não se pode fazer nada, é assim e assim será e, apesar de tudo, eles continuam a ser os meus…”. E até dizem, estes ingénuos, que o clube é deles! Também estes são todos iguais, agora digo eu…

E neste degradante estado do “negócio”, um estado onde tudo isto estagna no pântano desse depravado sistema, há uma autêntica “tríade” procurando chefiar o “negócio”, ser o “padrinho”, é claro,  e chefiar todos os “capos” ao seu serviço…E nas Máfias estes matam mesmo…

E voltamos sempre ao mesmo: ao banditismo, às seitas organizadas e aos agentes procurando migalhas. Triste sina a deste “espectáculo”. E não se mudam os tempos?

Li algures que o Presidente da República, o seu melhor amigo o Dr. Eduardo Barroso, o deste amigo também Ferro Rodrigues, que é a segunda figura do Estado, o Dr. Sampaio que já foi PR, o seu irmão Daniel que nunca foi, mas é Psiquiatra, e mais uma série de viscondes, de barões e de  baronetes, e mais outros que usam bigode à pastel de nata e ainda outros “agro-betos” que por lá pululam, se sentem “constrangidos”, “desanimados”, “envergonhados”, ”apalermados”, “angustiados”, “embasbacados” e “preocupados”…

A mim só me surge dizer: “COITADOS”…