Talvez a coisa seja mais complicada do que parece

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 28/09/2021)

Todos os partidos perderam nas eleições autárquicas. O PS perdeu Lisboa, um desastre surpreendente, além dos casos esperados de Coimbra e Funchal. O PSD perdeu em votos e ficou muito atrás do PS. O PCP perdeu câmaras, incluindo Loures, mas também cidades onde governava desde sempre. O Bloco perdeu vereadores, mesmo onde tinha tradição e força local. O Chega foi arrasado em Moura, onde o chefe ia ganhar, e não conta em Lisboa ou Porto.

Todos os partidos ganharam alguma coisa. O PS tem mais votos do que o PSD. O PCP aguentou Évora e Setúbal e continua a ser, de longe, o terceiro maior partido autárquico. O Chega tem 19 vereadores e já mobiliza um voto devoto. O Bloco manteve Lisboa e quebrou a malapata histórica no Porto, além do sucesso de Almada e da aliança em Oeiras.

Todos os partidos ficaram com problemas em mãos, ou até os agravaram. Costa usou o poder de fogo da bazuca para mobilizar os tiques cavaquistas que pensa que seduzem a população. Enganou-se, colonizou a campanha atropelando os seus próprios autarcas, a começar por Fernando Medina. O PSD viverá sempre a angústia da guerra civil interna. O Chega passa a ter mais 19 pessoas cujos atos serão escrutinados, um festim para os seus opositores, como já se viu nos Açores. O PCP sofre um desgaste social e, sobretudo, continua a não conseguir transformar a confiança autárquica em votos nas legislativas, ao passo que o Bloco continua a não conseguir transformar os votos nas legislativas em confiança autárquica e, em ambos os casos, parece que o destino se fechou.

Por isso, a forma como os partidos apresentam os seus resultados é tão indicadora do que aprenderam. A direção do PS, com um topete monumental, deixou Medina culpabilizar-se, para com esse estratagema desvalorizar a perda de Lisboa, o que o primeiro-ministro veio hoje reforçar (“a vontade dos lisboetas foi de mudar”). O governo continuará sem se mexer um milímetro e a remodelação não é para amanhã.

Rio festejou, tem motivos para isso. Mas mostrou que não lhe repugna a mimetização da extrema-direita, como com Suzana Garcia, se bem que esta candidata tenha sido a garantia de que o PS chegava à maioria absoluta na Amadora. Assim, fica ainda mais prisioneiro da geometria da convergência suicidária PSD-Chega: Rio precisa de uma aliança que envenena o seu campo eleitoral e o leva a perder em todos os tabuleiros.

O PCP nunca reconhece uma derrota e convém perceber porquê: a doutrina do partido dirigente da classe operária exclui a possibilidade de erro e, por isso, a culpa é sempre de circunstâncias alheias e inimigos vários, neste caso o confinamento (como se não tivesse afetado todos os autarcas) e a “campanha anticomunista” (como se a confrontação ideológica não atravessasse todos os azimutes). Portanto, ficará igual a si próprio.

O Bloco não tem essa cultura e admite a evidência da derrota, veremos se retira conclusões sobre como se situar nas futuras disputas locais.

Ou seja, para já ficou tudo na mesma. Efeitos imediatos destas vitórias e derrotas na vida política, não há. Rio continua, Chicão também, Ventura igual a si próprio, três maravilhosas notícias para o PS. Jerónimo de Sousa, na noite eleitoral, anunciou objetivos orçamentais, creches e aumento das pensões mais pobres, uma escolha cirúrgica de dois temas que já estarão apalavrados com o Governo, mostrando para quem tinha dúvidas qual vai ser o resultado da negociação. O primeiro-ministro sempre tomou isto como certo e não se engana. O que o leva a insistir no seu ponto mais fraco, a arrogância do poder. Por outras palavras, sem a sombra da direita, o PS continua a fazer tudo para ser o seu próprio adversário. E cá estamos, abriu a época do Orçamento.


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

A minha primeira análise das Eleições Autárquicas 2021

(Fernando Rodrigues, 27/09/2021)

O PS continua a ser o maior partido autárquico com grande distância para os outros todos, no entanto…. Teve derrotas importantes contra algumas coligações, que servem de alerta para o que se vai seguir a nível nacional e que talvez sirvam para o PS descer à terra e colocar de lado um dos seus grandes defeitos: a arrogância quando pensa que tem o poder absoluto. E isso é bom para o País.

PSD só ganhou algumas poucas Câmaras porque concorreu coligado com outras forças Políticas, exemplos concretos Lisboa e Coimbra onde muito dificilmente ganharia ou não ganharia mesmo se estivesse sozinho na corrida e mais ainda …. Por exemplo em Lisboa maioria dos eleitos não é dessa coligação, PSD 7, PS 7, CDU 2, BE 1, por isso cuidadinho com essas análises senhores pseudo jornalistas e pseudo especialistas comentadores da treta, quem ganhou as Eleições em Lisboa e Coimbra não foi um Partido, foi uma Coligação de vários partidos.

De salientar ainda e com grande destaque a estrondosa e enorme derrota da coligação PSD na Amadora, uma das maiores derrotas senão a maior da direita e da Extrema Direita, no País (pois a candidata tem muito que ver com extrema Direita, esta também uma grande derrota para o Chega).

CDU que teve um bom resultado em Lisboa e isso é importante, perdeu algumas Câmaras e não conquistou outras que tinha como objetivo conquistar, no global foi um mau resultado.

O BE teve um bom resultado no Porto, conseguindo tirar a maioria à coligação de Direita Liberal de Rui Moreira disfarçado de Independente o que é um feito assinalável e manteve o vereador em Lisboa, aumentando o número de votos. Continua o seu caminho de implementação a nível local em termos nacionais que já devia ser mais elevada. Resumindo no global um mau resultado.

Listas pseudo independentes: um bom resultado global, ganhando algumas Câmaras.

IL/chega/CDS. O IL conseguiu ganhar a batalha de influência nos votantes do PSD/CDS e abstencionistas substituindo o CDS, que só continua a existir porque interessa ao PSD que exista. IL o vencedor da luta fratricida entre os 3 pequenos e micro partidos de Direita e Extrema-direita.

André Ventura e o Chega tiveram algumas derrotas importantes. Não conseguiu ganhar Moura, uma grande derrota para André Ventura sem dúvida. Não conseguiu outro grande objetivo – captar em força os abstencionistas; não consegui outro objetivo – eleger 2 vereadores em Lisboa. Não teve grandes resultados em lugar nenhum. Não conseguiu ficar em terceiro a nível nacional, ficando em sexto lugar e teve resultados fraquíssimos noutros.

Resumindo a primeira grande derrota de André Ventura e do Chega. Outras se seguirão.


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.

Diálogo sobre o dia em que não se pode dizer

(José Pacheco Pereira, in Público, 25/09/2021)

Pacheco Pereira

Simplício, Sagredo e Salviati encontram-se junto ao rio. Está escuro, está de tempestade.

Sagredo – Já é tempo.

Salviati – Os rios são mais bonitos em dias de tempestade. O sol desmerece-os. A água fica melhor com a água. Os gregos sabiam disso. O de Éfeso gostava das correntes, dos caudais. Os de Eleia, não.

Sagredo – Sim, é melhor falarmos sobre as águas, porque hoje não se pode falar de mais nada.

Simplício – Eu acho bem. É preciso ordem, silêncio, dar descanso à exaltação.

Salviati – Mas qual exaltação? Não há, nunca houve nestes dias qualquer espécie de exaltação…

Sagredo – … nas ruas sim, esteve tudo sem ânimo. Mas nas rádios, jornais, televisões havia muita excitação…

Salviati – … por surtos. Faz parte da função, sem excitação, nada se vende.

Assine já

Simplício – Para mim está bem, paz nas ruas, ruído nas telas, nos papéis, nas ondas. O mundo assim fica bem ordenado. Hoje há paz por todo o lado. É um mau dia para os excitados.

Salviati – Bom, a coisa não é perfeita. Sempre temos as figuras de retórica para obscurecer o discurso e podermos falar do que não podemos falar. Por exemplo, como se vê, usar o paradoxo.

Sagredo – Poder, podes. Mas nestes meses tens boa companhia. Hipérboles há muitas. Amanhã “o sistema vai tremer”…

Simplício – … por causa do vulcão espanhol? Não chega cá.

Sagredo – Chega, chega.

Simplício – Não podes usar essa palavra.

Sagredo – Uso outra. Escorre para cá. Vem do Vox. Para falar da lava é um pouco um disfemismo, tratar uma coisa poderosa como sendo uma escorrência do domínio dos pântanos e dos esgotos.

Salviati – Eu gosto de vulcões, mas vocês estão a falar da Solfatara, e o vulcão espanhol não é dessa categoria.

Sagredo – Vulcões há muitos, fiquemos pois com os de cá. Fora dos Açores, só enxofre e águas minerais. Afinal falar de águas ajuda a não falarmos do que interessa.

Simplício – Não percebo nada.

Sagredo – Amanhã vai haver quem vá pagar o preço de usar só metáforas mortas, porque está com uma linguagem cansada, quase só metonímias. Na verdade, eles falam e nós nem abrimos as orelhas para ouvir.

Simplício – E eles não dão por ela?

Salviati – Não sei. Isto das orelhas é uma alegoria, mas se calhar nem eles mesmos ouvem, recitam. Nem é tanto pela razão do que dizem. É uma espécie de encantação para os fiéis e como cada vez há menos fiéis, menos resultados tem. A “lei da vida”, como um deles dizia há uns anos, acaba por fazer muitos estragos.

Simplício – Quando se desce, todos batem.

Sagredo – E os vivíssimos, que estão a substituir os ex-vivíssimos? Os do Adam Smith, que agora andam todos de ténis, saltam muito e fazem startups?

Salviati – O mestre deles disse: “Vindo da Cidade do Cepticismo, tive de passar pelo Vale da Ambiguidade.” Viram a entronização de Jaime Neves entre os heróis da Liberdade? Eles estão no Vale da Ambiguidade, mas faz-lhes falta a Cidade do Cepticismo.

Simplício – E os ex-vivíssimos? Estão um pouco para o triste, parece-me.

Sagredo – Tens razão, depois de se passar os 15 minutos da fama, o mundo deve parecer cinzento e nem a estrelinha brilha.

Salviati – A maldição das metáforas mortas também já chegou lá.

Sagredo – E os grandes como estão?

Simplício – Até eu, que sou o mais reaccionário e formalista de todos nós, percebo que estão mal…

Sagredo – … mas com males de diferente natureza. Um sofre do mal das grandezas, o outro da escassez de bens. Um tem demasiados “amigos” para alimentar, o outro tem demasiados abutres à espera do corpo.

Salviati – O mal das grandezas gera quedas maiores. A gravidade é uma fdp…

Simplício – Não podes dizer asneiras num jornal sério. Só se fores artista ou escritor de vanguarda e só no Ipsilon.

Salviati – Mas é mesmo. Os que sobem tem tendência para não perceberem que quanto mais alto estão, maior é a queda. E quase sempre caem ou por soberba ou por criarem mais problemas do que os que podem resolver. O dinheiro é bom tê-lo, serve para muita coisa, mas nunca é unívoco. Tem sempre um preço.

Sagredo – E estar atrás de uma bazuca queima. Os gases da propulsão do projéctil matam.

Simplício – E o outro?

Salviati – O outro é vítima de si próprio em muita coisa, mas é difícil andar na rua e ter uma árvore cheias de abutres a passear atrás dele…

Simplício – … as árvores não andam…

Salviati –… isso é o que tu pensas, homem simples. Andam, andam, com o combustível apropriado e esse combustível não falta.

Sagredo – “Sarcasmo”, diria Sheldon Cooper.

Salviati – Vê lá como estamos, começamos com os gregos a acabamos no Big Bang.  O mundo já não é o que era…

Historiador


Gosta da Estátua de Sal? Click aqui.