Clara Ferreira Alves e Fátima Bonifácio, duas oportunistas em defesa dos cantoneiros deste país e contra a esquerda

(Alfredo Barroso, in Facebook, 08/07/2021)

Alfredo Barroso, pasmado com tamanha indecência.


A mim não me podem acusar de ser amigo e admirador do ministro Eduardo Cabrita. Não só não o conheço pessoalmente, como até o ataquei “forte e feio” no final da década de 1990, quando ele era o “comissário para a regionalização” do PS e do Governo de António Guterres, do qual sempre me considerei adversário até à vitória do “NÃO” (que eu defendi publicamente) à “regionalização politica e administrativa do país” e, depois, até ele, António Guterres, soçobrar num ‘pântano’ e fugir do poder ‘a sete pés’, até chegar a secretário-geral da ONU. Além disso, apesar de eu ser um dos fundadores do PS, em 1973, desfiliei-me do partido, há seis anos, em Fevereiro de 2015, e não estou minimamente interessado em lá voltar.

Dito isto, acho repugnante o aproveitamento político que a direita e a extrema-direita estão a fazer do trágico acidente de viação em que esteve envolvida uma viatura oficial na qual se deslocava, como seu passageiro, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita. Mas considero ainda mais abomináveis dois textos escritos e assinados, na Revista do Expresso (02/07/2021) por Clara Ferreira Alves, e no Público (07/07/2021) por Maria de Fátima Bonifácio, ambas ex-esquerdistas ‘snobes’, ‘arrepesas’ e arrivistas, que se descobrem ‘condoídas’ pela família do modesto e ‘anónimo’ cantoneiro vítima mortal do acidente (CFA) – ou talvez ‘assassinado’ pelo MAI, que não estava nada atento ao conta-quilómetros da sua viatura (MFB) – e não propriamente por famílias inteiras vítimas de vários outros acidentes ocorridos em 2021, provavelmente por se tratar de famílias da pequena ou média ou alta burguesia, que essas lá se vão safando, pior ou melhor…

No artigo de Clara Ferreira Alves – ‘funcionária’, digamos assim, do grupo Impresa de Pinto Balsemão, com palcos no Expresso (‘Pluma Caprichosa’) e na SIC Notícias (‘Eixo do Mal’) – há autênticas pérolas que não devem ser desperdiçadas, como ‘incentivos’ para o futuro da ‘humanidade’ lusíada. Por um lado, se ela «atropelasse alguém [numa autoestrada]», a «consciência moral» de Clara Ferreira Alves levá-la-ia a «tentar falar com a família, e, corajosamente [auto-elogio!], consolar o melhor que pudesse essa família pedindo desculpa e oferecendo ajuda. Com voz própria». E eu já a imaginar o diálogo:

CFA: “Eh pá, desculpem lá por eu ter involuntariamente atropelado e matado o vosso ente querido!” (Evelyn Waugh?).

Família do defunto (em coro): “Paciência, deixe lá, a gente sabe que a senhora doutora não o fez por mal!” (Padre Américo?).

Família do defunto (em coro): “Ai, obrigado, senhora doutora. Tão bondosa que a senhora é! Assim fossem os Governos! Mas veja lá o que nos fez o do Passos Coelho e do Paulo Portas, que cortou nos salários e nos subsídios de Férias e de Natal do nosso ‘ente querido’ que a senhora atropelou”…

 CFA: “Mas eu sou importante e rica, ganho ‘pipas de massa’ no ‘império’ do ‘Chico’ Balsemão, e posso afetar 25 por cento do que me pagam por cada ‘Pluma Caprichosa’, durante um ano, ao fundo de auxílio à vossa família”.

Outra pérola: «As pessoas sem importância vivem as suas vidas num mundo sem importância. Anónimas, obscuras, esquecidas. Ser pobre em Portugal [não no mundo!] é uma ignomínia, uma falha pessoal e de nascimento e apelido». (Leitura implícita: “Eu, Clara Ferreira Alves, sou pessoa com importância e vivo num mundo, o Expresso e a SIC Notícias, com importância. Tenho ‘nascimento e apelido’ e, ainda por cima, sou doutora!”).

Já agora, uma pequena e sóbria contradição: por um lado, «ninguém pagou o funeral [do cantoneiro], ou quis saber se a família tinha dinheiro para pagar o funeral» (que vergonha, não é?!); mas, por outro lado, «a viúva do ucraniano assassinado no aeroporto [porventura pelo malvado Eduardo Cabrita] recebeu quase um milhão de euros, pagos pelos contribuintes, porque o Estado somos nós» (ai que vergonha, e não é que essa ucraniana, só por ser viúva, ficou rica à minha custa, é que eu também sou Estado!).

Clara Ferreira Alves – cheia de ódio a António Costa e ao seu Governo de esquerda – diz, em suma: «Cabrita fica. Num Governo com vários incompetentes, ele é apenas mais um, o mais grave». É que o Cabrita «tem sobre a cabeça ungida a mão protetora do amigo e primeiro-ministro, que fez da personagem um exemplo da teimosia que ele toma por vigor e decisão». Pois pudera, pensa a Clara: «Quem manda neste país, política, social, financeira ou dinasticamente, não quer saber de cantoneiros». E remata ela, em grande estilo: «Claro que o Chega já organizou um ‘crowdfunding’»…

Quanto a Fátima Bonifácio, muito sucintamente, ela considera que: «Casos como este desacreditam a democracia». Mais concretamente: «Acidentes destes só ocorrem quando se circula a uma velocidade desvairada, e o ministro tinha toda a obrigação de mandar o seu motorista respeitar o Código da Estrada, que justamente proíbe semelhantes desvarios»…

E aqui temos, pois, um solene aviso que não terá sido levado em conta, desde o 25 de Abril de 1974, por todos os Presidentes da República, ministros, secretários e subsecretários de Estado. É que eles devem comportar-se, mais ou menos, como os “navegadores” dos pilotos de ralis, e olhar sempre para os conta-quilómetros das viaturas oficiais que os transportam. Aconselha-se, aliás, que usem um ponteiro ou mesmo uma moca para chamarem à razão os motoristas…

Enfim, lamenta a Bonifácio: «Os políticos vivem num mundo à parte, com regras próprias, encobrindo-se uns aos outros, [o] que leva o cidadão comum a desistir de colaborar na ‘res publica’». E ainda pior: «Os golpes de Estado passaram de moda. Hoje em dia, a democracia destrói-se por dentro. E o recente caso Cabrita é mais uma acha para a fogueira». Por isso é que a Bonifácio confessa isto: «Pessoalmente, votarei sempre por alguma coisa muito grande, a Liberdade»… Ora, como já não há golpes de Estado para nos devolver o Estado Novo – perdão, “a Liberdade” – e como a Bonifácio já elogiou o CHEGA, por ser uma ‘lufada’ de dinheiro fresco – perdão, de ar fresco – no universo da direita que temos, é mesmo possível que ela vote no partido neofascista e racista do André Ventura…

Tão tristes que são estas duas mulheres, pessoalmente ressabiadas, ressentidas, mal-amadas e justamente desprezadas pelas esquerdas que elas desprezam. Essas malvadas esquerdas a que ambas, Clara & Fátima, já pertenceram, mas se envergonham de o confessar…

Campo d’Ourique, 8 de Julho de 2021


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A tropa adversativa de Bonifácio

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 16/07/2019)

Daniel Oliveira

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Por excesso de voluntarismo e valentia, uma camarada caiu no campo de batalha. E os seus companheiros não a deixaram só. José Manuel Fernandes foi o primeiro a gritar presente. Veio para criticá-la “sem meias palavras”, avisa-nos. “As generalizações feitas por Fátima Bonifácio são abusivas, caricatas, mesmo ofensivas”. Muito bem… “Mas há verdades no texto que não podemos ignorar”. Longe vão os tempos em que esta direita largava uma lágrima furtiva pela libertação do Iraque e não permitia a ninguém uso de qualquer “mas”. Agora é vê-los mergulhar de cabeça num mar de adversativas.

Justiça seja feita, sem o considerar racista e aproveitando imediatamente para colar o raciocínio da sua amiga à “esquerda identitária”, José Manuel Fernandes vai fazendo algumas crítica importantes ao texto de Bonifácio. Rui Ramos é que não perde grande tempo com isso. Prometendo “tentar ser muito claro”, atira-se a Fátima Bonifácio com um brutal “não evitou alguns equívocos”. Claríssimo! Para concluir que nada do que ela escreveu, se ele percebeu bem, “faz da autora uma ‘racista’ e muito menos do seu artigo um ‘manifesto racista’”. Porque se retirarmos do texto tudo o que é racista, abusivo, caricato e ofensivo, o texto não é racista. E não sendo racista, quer dizer que é a esquerda que inventa os racistas. E é isso mesmo que Rui Ramos diz, logo no título. Com a acusação costumeira de que as quotas servem para alimentar o clientelismo universitário, que um dia destes me levará a escrever um texto sobre a lata de alguma direita moralista, absentista e instalada no confortável funcionalismo académico.

Helena Matos nem sequer perdeu tempo a distanciar-se do texto. Além de não interessar para nada se ela discorda ou concorda com o texto, ele limitou-se a repetir o que se diz nas periferias de Lisboa e Setúbal. Resolvido o problema, o que interessa é a “fatwa” contra Fátima Bonifácio. É bom recordar que Helena Matos já se tinha indignado com a fatwa contra Mário Machado, acusando a esquerda de andar a caçar fantasmas, imaginando fascistas em todo o lado. O texto de Fátima Bonifácio não é racista, Mário Machado não fascista. Quando aparecer alguém a defender a Solução Final, a Helena Matos logo nos avisa se já podemos dizer alguma coisa que ela não considere uma “fatwa”.

O assunto foi tão animado que até Vasco Pulido Valente interrompeu a escrita semanal do mesmo texto de sempre, agora em forma de pequenos posts, para elaborar uma lista de esconjurados. Começou por explicar, com um único argumento, porque é que Fátima Bonifácio não é racista: “Conheço a Fátima há quase 50 anos. Nunca dei por que ela fosse xenófoba ou racista”. Se Pulido Valente não deu por nada é porque não existe. Queixando-se da “caçada às bruxas”, organiza a sua. Nem João Miguel Tavares, para sempre excomungado pelo papa Valente, escapa. E o mesmo homem que não vê nada de racista naquele texto denota na expressão “neo-reacionarismo” de Rui Tavares o perfil de um “tirnate” que a usa com os mesmos objetivos que os estalinistas usaram o antifascista – “para esconder a sua verdadeira face e condenar por grosso os seus inimigos”. Conhecesse o Rui Tavares há 50 anos e ele poderia defender que os gulags nunca existiram sem qualquer reparo. Assim, passa imediatamente para primo-direito dos seguidores de um dos maiores criminosos da história.

A tropa da Bonifácio exige silêncio. Eles dedicarão três frases de raspanete amigo a um texto inqualificável e, depois de ligeiras correções, explicarão o que deveremos debater. A “alcateia” que se atreva a reagir sem a sua grelha de leitura está a lançar uma “fatwa” para iniciar uma “caçada às bruxas” que cale “verdades que não podem ser ignoradas”

Dado o tom, as libelinhas seguiram o vento. E, subitamente, o tema já não era o texto de Fátima Bonifácio. Era a censura. Coisa estranha perante um texto que foi publicado e largamente citado. Era os processos-crime, tratados como um abuso censório e não como um recurso ao Estado de direito, com as garantias que ele nos dá. E era, mais do que tudo, as reações. Ou seja: nem censura, nem processos-crime, nem reações. A tropa da Bonifácio exige silêncio. Eles dedicarão três frases de raspanete amigo a um texto indiscutivelmente racista e, depois de ligeiras correções, explicarão o que deveremos ali debater. A “alcateia” que se atreve a reagir sem a sua grelha de leitura está a lançar uma “fatwa” para iniciar uma “caçada às bruxas” que cale “verdades que não podem ser ignoradas”.

Há uns bons anos, alguém conotado com a esquerda que estava no mesmo lugar que Fátima Bonifácio – não era colaboradora permanente do “Público” e enviou um texto para o jornal – teve o lapso de escrever “holocausto” com “h” pequeno, quando usou a expressão “o horror do holocausto” num artigo muito crítico de Israel durante a guerra com o Líbano. José Manuel Fernandes era então diretor e, sem contactar a autora do artigo, pôs uma nota final no texto: “O Público não alterou a grafia deste texto, designadamente o facto da autora escrever Holocausto com caixa baixa.”. A brincadeira de não alertar a autora para o lapso e fazer uma nota maldosa no final mereceu forte admoestação do provedor do leitor: “O ‘Público’ optou por associar implicitamente a cronista ao negacionismo”. Esta é a mesma pessoa que mantém uma posição critica mas apaziguadora em relação a um artigo onde se escreve que os negros e os ciganos não partilham dos nossos valores morais, que não “fazem parte de uma entidade civilizacional e cultural milenária que dá pelo nome de Cristandade” e que não “descendem dos Direitos Universais do Homem decretados pela Grande Revolução Francesa de 1789”.

Este duplo critério tem duas origens. Uma é a conhecida desonestidade intelectual de José Manuel Fernandes, que o leva a insinuar negacionismo na ausência de uma capitular e a não encontrar racismo em qualquer coisa que não proponha a solução final, apenas porque no primeiro caso está uma pessoa de esquerda e no outro uma de direita. A outra é um equívoco: a de que a identidade das suas vítimas e não a motivação e métodos dos seus autores é que é relevante no Holocausto. Isto permitiu que alguma direita, por motivos estritamente oportunistas e até com algumas motivações de novo ódio a outro grupo (os muçulmanos), absorvesse de uma vez por todas o combate ao antissemitismo sem nada perceber das razões profundas desse combate. Achando que se o destinatário da ofensa for outra etnia não tem mal nenhum. Mesmo que seja a outra grande vítima do Holocausto: os ciganos. Desde que se continue a escrever com maiúscula, está tudo certo.

Pensem num texto que substituísse a fronteira moral que Bonifácio traçou entre negros e ciganos, por um lado, e brancos, pelo outro, por uma fronteira entre judeus e não-judeus. Depois acrescentem-lhe as generalizações “abusivas, caricatas, mesmo ofensivas” que poderiam ser adaptadas aos preconceitos falsos e típicos em relação aos judeus, como a cupidez ou a avareza. Não tenho dúvidas em dizer que não seria publicado e, se o fosse, Fátima Bonifácio seria para sempre erradicada do espaço público, incluindo por esta sua guarda pretoriana. A diferença é apenas esta: uns conseguiram, ao fim de séculos de perseguição, conquistar finalmente o direito a defender a sua identidade, outros não conquistaram sequer o direito a deixarem de ser vítimas de bullying público da direita radical. Como no passado, ela sabe este discurso lhe garante o apoio popular de que as suas propostas económicas carecem. Como diz Helena Matos, é o que as pessoas dizem nas periferias.

Há muitos temas para discutir em torno das quotas e dos riscos que a obsessão identitária tem para a democracia e para a política. Tratei de muitas das coisas que me inquietam num texto sobre as políticas identitárias da esquerda, a propósito do livro de Mark Lilla. Um tema que está muitíssimo longe de ser novo e fácil. Quando este texto de Bonifácio estiver enterrado na memória e não conspurcar mais esta conversa, voltarei a ele. Mas ao virem em defesa do que é indefensável, branqueando um texto indiscutivelmente racista, negando o racional do que foi escrito para aproveitarem o emocional que ele alimenta, estas pessoas tornaram-se interlocutoras imprestáveis para este debate.