(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 27/07/2017)
As declarações de António Costa no Parlamento sobre a Altice foram estranhas. Não foram estranhas porque não se possa falar de empresas privadas para as criticar. O poder político não tem de ser neutro perante empresas que considere serem nocivas para o interesse nacional. A separação de poderes não inclui o mercado, porque o mercado não é um poder com reconhecimento constitucional. O problema das declarações de António Costa sobre a Altice e as empresas que agora detém é serem quase apartes. Quando um governante decide criticar uma empresa privada deve ser muito claro e preciso nas razões que o movem. Todos nos lembramos da intervenção de Sócrates nos negócios entre a PT e a Oi. E todos aprendemos alguma coisa com isso.
A entrada da Altice em Portugal é péssima para o país. Esta empresa tem hábitos comerciais e concorrenciais predatórios e pouco éticos. Tem uma gestão laboral selvagem, que pretende sempre contornar a lei – isso já está a ser experimentado pelos trabalhadores da PT – e que facilmente contamina, por necessidades de concorrência, as empresas do mesmo sector. E é um grupo muitíssimo endividado, que não deixa de ser muito generoso para os seus acionistas e muito pouco recomendável para os seus credores e fornecedores. É, resumindo, uma empresa manhosa, com hábitos manhosos e que nada contribui para a saúde da nossa economia em geral e do sector das telecomunicações e da comunicação social em particular.
Acresce a tudo isto um pormaior: a compra da TVI por quem detém a operadora MEO põe em causa, através da concentração e provável favorecimento de um canal de televisão por parte de um distribuidor, a livre concorrência.
A compra da TVI pela Altice deve, por isso, incomodar todo o espetro político, incluindo os autodenominados “liberais”. Mas, ao que parece, os liberais de lombada apenas o são para exigirem o silêncio do Estado em qualquer assunto que se relacione com o mercado e as empresas privadas.
A parte da regulação e do combate à concentração, fundamental para qualquer liberal com algumas leituras, escapou-lhes nos cursos intensivos dados em universidades de Verão.
Nesta matéria, a intervenção do poder político e das entidades reguladoras é especialmente importante. Os jornalistas gostam pouco de hostilizar empresas para as quais podem, eles próprios, vir a trabalhar. Por isso, não é de esperar grande escrutínio mediático. A intervenção do poder político e das entidades reguladoras é ainda mais importante. Mas isto não se faz através de bocas no Parlamento. Faz-se de forma séria, coerente e determinada. Predicados que ultimamente parecem faltar a António Costa.
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