(João Gomes, in Facebook, 20/12/2025)


Há políticos que governam. Outros viajam. E há os que viajam para parecer que governam.
Luís Montenegro está em Kiev. Foi levar “apoio e afeto”. Não levou munições, nem dinheiro, nem garantias estratégicas – levou presença, palavras e fotografia. Levou o que Portugal tem em abundância quando falta o resto: boa intenção performativa.
É curioso como certos problemas nacionais resistem a décadas de discursos, mas desaparecem momentaneamente sempre que um líder atravessa fronteiras. A pobreza em Portugal, por exemplo, não cabe na bagagem diplomática. Os serviços públicos cansados não passam no controlo de segurança. A habitação impossível fica sempre em terra. Mas a solidariedade internacional – essa – viaja em classe executiva.
Há qualquer coisa de pedagogicamente invertido neste gesto: um país que ainda não conseguiu organizar mecanismos sólidos de proteção social para os seus próprios cidadãos, apresenta-se solene a apoiar outro Estado em guerra. Não é que o apoio à Ucrânia seja ilegítimo – é que se torna irónico quando feito por quem, em casa, governa com escassez de empatia prática.
E depois há o detalhe que não cabe nos comunicados: o político que discursa sobre valores democráticos enquanto carrega consigo o ruído de investigações, explicações incompletas e arquivamentos que não limpam – apenas silenciam. A chamada “investigação preventiva” pode ter sido encerrada, mas deixou um rasto: não jurídico, mas simbólico. A confiança pública não se arquiva; acumula-se ou perde-se.
Daí o desconforto adicional: ir apoiar um regime frequentemente apontado por organismos internacionais como problemático em matéria de corrupção estrutural, quando em casa ainda se pede aos cidadãos um ato de fé na transparência dos seus governantes. Não é contradição jurídica – é contradição moral, que a crónica tem o dever de sublinhar.
Montenegro surge, assim, na fotografia da resiliência europeia, de pé, sério, alinhado. É o “pôr-se de pé” certo, no sítio certo, ao lado certo. Mas a pergunta persiste, impertinente: quando é que esse mesmo gesto se faz diante da pobreza portuguesa? Quando é que se atravessa a rua – e não o continente – para encontrar quem vive com salários mínimos, rendas máximas e futuros mínimos?
Talvez esta viagem diga mais à União Europeia do que à Ucrânia. Um aceno disciplinado ao dirigismo europeu, esse mesmo que fala fluentemente de valores enquanto tropeça na justiça social. Um gesto de pertença: “estamos aqui, somos confiáveis, alinhamos”.
Em Kiev, com amor. Em Portugal, com comunicados.
E a ironia final é esta: enquanto o político se desloca para simbolizar solidariedade, muitos portugueses permanecem imóveis – não por escolha, mas por impossibilidade. Porque não têm para onde ir. Porque ninguém foi ter com eles.
Talvez um dia a política descubra que a verdadeira coragem não está em ir longe para ser visto, mas em ficar perto para ser útil. Até lá, continuaremos a assistir a estas viagens emocionais, onde se distribui afeto lá fora e se pede paciência cá dentro. Com amor, claro. Sempre com amor.
