(Carlos Matos Gomes, in Medium.com, 05/11/2023)

Somos todos Israel!
O Ocidente, entendido como a civilização europeia com a sua matriz filosófica na Grécia e a sua interpretação do mundo a partir do Novo Testamento da Bíblia, do cristianismo, viveu sempre numa contradição entre os valores que racionalmente erigiu como os seus e que apregoava — uma ética — e a sua prática, subordinada aos interesses.
O Ocidente, os seus pensadores e os seus povos, tiveram sempre a noção do pecado enquanto violação dos mandamentos. Os grandes pensadores do Ocidente promoveram o conhecimento do homem enquanto ser racional, mas também enquanto ser ético, que a racionalidade deve ser o alimento da “boa vontade”. A eleição da boa vontade, do bem fazer, como fundamento para os homens serem julgados marcou a rutura entre o cristianismo e o judaísmo.
O cristianismo é uma religião (e uma filosofia) de redenção. A redenção cristã é um resgate de uma situação de “fora da lei” (pecado original) que se salva se cumprir os valores pregados por Cristo. A redenção não faz parte da filosofia do judaísmo. No judaísmo não existe a ideia de que que o relacionamento entre Deus e os seus fiéis precise ser restaurado. Por isso mataram o Cristo que se apresentou na Palestina a afirmar que vinha à Terra restaurar a ligação entre os homens e Deus, propondo a Paz. A fronteira entre o Antigo e o Novo Testamento é a fronteira entre a Guerra e a Paz. O deus dos judeus é o deus dos direitos dos seus fiéis — o Povo Eleito e a Terra Prometida. Os seus fiéis têm direito a tudo e podem fazer tudo para o conseguir. O deus do cristianismo é o deus dos deveres. O conflito que existe há mais de mil anos entre judeus e cristãos assenta no antagonismo entre direitos e deveres.
A filosofia do ocidente pós-socrático funda-se no dever e na ética. Kant é considerado o filósofo do Dever na civilização ocidental. E os ocidentais aceitaram (embora não o tenham praticado) que todo homem, quando diante de uma situação que exija escolha, faz (ou deve fazer) a pergunta: o que devo fazer para bem conduzir minha ação? Está subjacente à pergunta a busca por uma regra de conduta capaz de fornecer meios ao arbítrio para que a escolha seja da melhor ação a praticar. Isso demonstra que o homem ocidental se orienta pela noção do dever e a resposta tem que provir dela. A noção de boa vontade, fundada no princípio do dever, é aquela que se apresenta como regra de conduta na sociedade ocidental.
As nossas ações individuais ou coletivas podem ser consideradas sob um duplo ponto de vista: ou de uma vontade conforme à razoabilidade, ou de um ponto de vista de imposição de uma vontade até onde as inclinações e os meios disponíveis permitirem, sem limites.
A ação de Israel desde a sua fundação a meados do século vinte tem sido um contínuo atentado aos princípios do cristianismo da civilização ocidental. O Ocidente do pós-segunda Guerra aceitou a corrupção dos seus princípios e ganhos civilizacionais por razões conhecidas: sentimento de culpa pela Inquisição e pelo Holocausto, por interesses estratégicos, financeiros, económicos. O Ocidente tinha duas opções para se relacionar com Israel, ou escolhia o ponto de vista moral do cristianismo — dos deveres — e impunha as suas regras; ou agia motivado pelo princípio do interesse de que a melhor ação é a que sacia o desejo, o principio da prevalência dos direitos.
Não deixa de ser chocante ouvir políticos ocidentais referir o Direito Internacional, ou o Direito Comum a propósito do longo conflito entre o Estado Israel e os palestinianos para negar os direitos dos palestinianos e defender os interesses dos israelitas em nome do direito!
A política de Israel na Palestina é muito fácil de decifrar: uma limpeza étnica de um território para ali constituir um Estado totalitário, no sentido em que apenas serão cidadãos com direitos os que tenham o mesmo Deus, que cumpram os mesmos rituais, que se submetam aos mesmos rabis, que considerem os mesmos inimigos, que estejam dispostos a cometer os mesmos crimes em nome do interesse do mesmo Estado do Povo Eleito.
O apoio do Ocidente a esta política, com a hipócrita proposta dos dois estados — uma monstruosa falácia — que foi acompanhada com o discurso do “direito de defesa de Israel”, um estado ocupante a defender-se do ocupado! — deu ânimo a Israel para uma longa série de massacres e de crimes, de que o ataque a Gaza é o mais recente e o mais desumano episódio.
Mas, a desumanidade da ação de Israel na Palestina conduz a uma conclusão que cada um de nós, os do ocidente, como nos qualificou Camões, responderá de acordo com as suas convicções. O evidente é que o Estado de Israel, criado pelo Ocidente, impôs aos cristãos o Velho Testamento , impôs a sua religião de direito à violência. O Antigo Testamento contém mais de seis mil passagens que falam explicitamente sobre nações, reis ou indivíduos que atacam, destroem e matam.
Deuteronômio: “Quando vocês avançarem para atacar uma cidade, enviem-lhe primeiro uma proposta de paz. Se os seus habitantes aceitarem e abrirem as suas portas, serão seus escravos e se sujeitarão a trabalhos forçados. Mas se eles recusarem a paz e entrarem em guerra contra vocês, sitiem a cidade. Quando o Senhor, o seu Deus, a entregar em vossas mãos, matem ao fio da espada todos os homens que nela houver. Mas as mulheres, as crianças, os rebanhos e tudo o que acharem na cidade, será de vocês; vocês poderão ficar com os despojos dos seus inimigos dados pelo Senhor, o seu Deus.”
Já seria uma derrota civilizacional o Ocidente aceitar esta barbárie, que podia ser a descrição do que está a acontecer em Gaza, mas ela está associada à derrota do Estado Liberal que foi erigido na Europa à custa de tantos sacrifícios e sangue, da civilização associada aos direitos cívicos e políticos, à separação da religião do Estado, à revolução francesa, às modernas repúblicas.
O apoio “incondicional” a Israel é o apoio a um estado totalitário que tem os mesmos fundamentos dos estados islâmicos. Os políticos ocidentais, os intelectuais do sistema, os seus propagandistas estão a promover uma ordem e um tipo de sociedade de violência, de negação da liberdade, de sujeição clerical, uma sociedade “talibânica”, que não se distingue da sociedade talmúdica ou corânica. Apoiar Israel é uma regressão política e civilizacional. Avanço seria integrar Israel no grupo dos estados laicos e igualitários, promover o fim do duplo apartheid, religioso e étnico. Racista, em suma.
Das três religiões do “Livro” apenas o cristianismo separou a religião do Estado, essa separação foi o interruptor que permitiu ao Ocidente tornar-se simultaneamente a sociedade tecnologicamente mais avançada do planeta, socialmente mas igualitária e politicamente mais diversificada. É desta civilização que estamos abdicar.
É esta assunção de derrota civilizacional que está em causa com o apoio a Israel, que a seguir a Gaza irá atacar a Cisjordânia, até reinventar e impor um fantasioso grande Israel!
É assim que vocês tratarão todas as cidades distantes que não pertencem às nações vizinhas de vocês… (imagem da tomada de Jericó)
Nem o nazismo hitleriano se atreveria a tanto, pelo menos por escrito. Que esta gente se atreva sequer a sonhar isto, que o equacione como possível e exequível e que sistematize sem qualquer pudor os passos a dar para a sua concretização devia funcionar como despertador para a criadagem dita “ocidental”, feroz defensora da democracia e dos direitos humanos, mas não me parece que isso vá acontecer. Estamos todos metidos numa bela camiza-de-onze-varas! Ou, como dizia o outro, “lasciate ogni speranza, voi ch’entrate”.
https://observador.pt/2023/11/05/israel-equaciona-possibilidade-de-enviar-palestinianos-para-paises-europeus-como-espanha-e-grecia/
E o que dirá a criadagem, nomeadamente a europeia? Provavelmente responderá com uma pergunta simples: “Quer que engula ou que deite fora?”
Fonte, mais clara e completa:
https://www.972mag.com/intelligence-ministry-gaza-population-transfer/
Um cheirinho:
“The document recommends that Israel act to “evacuate the civilian population to Sinai” during the war; establish tent cities and later more permanent cities in the northern Sinai that will absorb the expelled population; and then create “a sterile zone of several kilometers … within Egypt, and [prevent] the return of the population to activities/residences near the border with Israel.” At the same time, governments around the world, led by the United States, must be mobilized to implement the move.
A source in the Intelligence Ministry confirmed to Local Call/+972 that the document was authentic, that it was distributed to the defense establishment by the ministry’s policy division, and “was not supposed to reach the media.””
It “was not supposed to reach the media”, dizem eles. Ah, pois não, pá, um balão de ensaio faz mesmo um sentido do caraças se o seu objectivo não for chegar aos media! E o burro sou eu?
O plano, em todo o seu democrático e humanitário esplendor:
https://www.scribd.com/document/681086738/Israeli-Intelligence-Ministry-Policy-Paper-on-Gaza-s-Civilian-Population-October-2023
Claro como a água. Mas o Ocidente apoia as canalhices de Israel e o discurso fanático dos seus ministros porque quanto a massacres e roubo de terras estamos conversados. A América também foi considerada a terra da promessa para muitos mal vestidos europeus e é ver o que foi feito de quem lá vivia. E os exemplos em que as nossas missoes cristianizadoras acabavam em escravatura ou extermínio são mais que muitos.
Com redenção ou sem ela a verdade é que o cristianismo bebeu do judaísmo, por muito que nos custe engolir a pastilha.
Por isso o massacre em curso há mais de 70 anos na Palestina não nos aquece nem nos arrefece.
Mas devia arrefecer porque, quando um ministro Israelita diz que qualquer um, de onde quer que seja e onde quer que viva que agite uma bandeira palestiniana deve morrer, se calhar não são só os palestinianos que estão metidos na camisa de 11 varas. Ali há fanatismo e loucura da brava e há o pormenor daquela gente ter armas nucleares suficientes para destruir meio mundo.
Um bravo a atitude digna do representante da Palestina ante a gaffe marcelista. Dignidade e nervos de aço como só pode ter o representante de um povo massacrado há 75 anos com a nossa cumplicidade.
Já me vão faltando palavras para elogiar o Carlos Matos Gomes, mas ainda arrisco apesar de tudo: cristalino, profundo, escrito com enorme elegância, em suma, um texto brilhante.
Já me vão faltando palavras para elogiar os artigos do Carlos Matos Gomes. Ainda assim, arrisco: escrita elegante, profunda na sua análise, em suma, brilhante.
Israel é um estado terrorista sem qualquer margem para dúvidas, sabendo que Israel trata todos os que não sejam sionistas, judeus, israelitas como goim ou seja gentios que devem ser exterminados.
Dita essa verdade sabemos com o que estamos lidando, com gente fanática, terrorista e sem escrúpulos.
É dever da colónia Europa deportar toda essa gente perigosa, pois a mentalidade desse pessoal é incompatível com os que regem os cristãos e as democracias.