Os erros de cálculo pagam-se caro

(Major-General Carlos Branco, in Jornal Económico, 03/08/2023)

Washington já percebeu que o seu plano falhou, os ucranianos começam a perceber que não chegarão à Crimeia, e os russos que apenas assegurarão aquilo que controlam.


Com a evidente dificuldade de qualquer das partes prevalecer militarmente, após um ano e meio de hostilidades, é tempo de refletir sobre o modo como os decisores políticos das fações que se defrontam na Ucrânia avaliaram estrategicamente o seu envolvimento na guerra. Seria difícil admitir que a Rússia ficasse impávida e serena à ação militar ucraniana em movimento no Donbass, que se alastraria rapidamente à Crimeia.

Apesar dos sinais, Moscovo não se preparou para tal eventualidade e reagiu mal e tardiamente. A ação militar russa em Kiev, para além de aliviar a pressão ucraniana sobre o Donbass, quase que ia produzindo o efeito político desejado. Mas Putin não contou com a reação determinada do Ocidente. A resposta ucraniana trouxe à tona de água a impreparação de Moscovo para responder adequadamente ao desafio. Putin não introduziu esse dado no seu cálculo estratégico, acabando por se envolver numa guerra cujas proporções não antecipou e para a qual não estava preparado.

A guerra que se seguiu evidenciou essa impreparação. As forças russas foram obrigadas a retirar de Kherston e foram batidas na frente Kharkiv. Moscovo levou tardiamente a cabo a mobilização de um efetivo de 300 mil soldados, suficientes para garantir a ocupação da frente e as rotações que uma guerra prolongada exige, mas um número insuficiente para obter uma vitória militar. Permitia apenas assegurar a posse do território capturado.

Washington aproveitou esse passo em falso de Moscovo para lhe impor uma derrota estratégica. Bastaria o Ocidente financiar a guerra, fornecer armamento e equipamento militar, os ucranianos combater, a NATO apoiar com o Intelligence, e os russos estavam feitos. Nada de botas no terreno. Mas como Moscovo, também Washington avaliou incorretamente o seu envolvimento na guerra.

Dois aspetos sobressaem dessa avaliação: a capacidade militar russa e as limitações do Ocidente em fornecer armamento à Ucrânia. O apoio ocidental em equipamento ficou aquém do desejado. Em muitos casos, os países doadores aproveitaram a oportunidade para se livrarem de material já não utilizado e obsoleto, entregue tarde e a más horas.

Ficou clara a incapacidade de a base industrial e tecnológica de defesa ocidental responder às necessidades dos ucranianos e, em última análise, do imbróglio em que o Ocidente estava metido. Como referiu o presidente Biden “we’re low on it [munições]”. Não podia dar o que não tinha. Como Moscovo, também o Ocidente não estava preparado para esta guerra. Ambos se envolveram num confronto sem estarem preparados.

Foram os erros de avaliação, de ambas as partes, que nos conduziram ao impasse em que nos encontramos. Washington já percebeu que o seu plano falhou, os ucranianos começam a perceber que não chegarão à Crimeia, e os russos que apenas assegurarão aquilo que controlam, isto é, o Donbass, a Crimeia e os territórios que conferem alguma profundidade estratégica à Crimeia. A não acontecer, entretanto, nenhuma surpresa. E para se chegar a este resultado tiveram de morrer centenas de milhares de militares e civis e destruir um país.

Mais uma vez, o conflito na Ucrânia traz à memória o da Bósnia. A não aceitação do Plano Cutileiro em 1992, estimulada por Washington, com a promessa de apoio financeiro, militar e político, levou três anos mais tarde ao Acordo de Dayton, uma solução política consideravelmente pior daquela proposta pelo Plano Cutileiro, após 100 mil mortos, um país completamente destruído e comunidades irreconciliáveis por gerações.


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11 pensamentos sobre “Os erros de cálculo pagam-se caro

  1. Boa tarde
    Todos ficaram a perder menos os industriais da morte, ou seja, os industriais de armamento.
    Esses ganham sempre seja quem for que ganhe ou perca, o deles está sempre garantido.
    A hipocrisia no seu pleno, o século que deveria ser de harmonia, continua-se a matar e destruir por causa dos negócios… e que negócios…
    O Homem não tem cura, cava a sua própria cova.

  2. Sempre erram os que se recusam a definir fronteiras que separem o irreconciliável.
    O Império Russo passa de mão em mão mas nunca altera a sua natureza primeva, impermeável a todo o entendimento que desafie o seu senhorio, que sempre define em mapas
    A multipolaridade significa que um polo será um tal senhorio; armas e tropas adentro de fronteiras.
    Mercenários e corrupção são os instrumentos preferenciais de expansão.

    • O ocidente tem bases militates em todo o Mundo, ameaça e sanciona ilegalmente e rouba todo o Mundo, e faz invasões em todo o Mundo. O grupo militar do ocidente é que se expandiu até à fronteira Russa e quer expandir-se por todo o Mundo.

      A Rússia está a defender-se junto à sua fronteira, só envia tropas de paz (Arménia-Azerbaijão) ou a pedido de outros governos (Síria, Mali). Não ameaça ninguém, não sanciona nem rouba. O seu grupo militar é localizado, de adesão (e saída) voluntária sem necessidade de golpes nem represálias, e sem qualquer objectivo de expansão.

      Os atrasados mentais fazem de conta que o ocidente não é um império, que nãos é agressor e ameaçador, que não é criminoso de guerra nem violador de direitos humanos, que não é genocida nem apoiante de terroristas e nazis.

      Os mesmo atrasados mentais estão constantemente a repetir a cartilha dos seus donos imperialistas (bastante inteligente mas maléficos) que diariamente em toda a Main Stream Merdia e suas presstitutas tenta lavar o cérebro do povo ocidental todo, fabricar mais atrasados mentais, e convencer os ignorantes de que o NeoLiberalismo económico e imperialismo NeoCon são na realidade a única coisa aceitável no Mundo, “moderada” e “democrática”, enquanto que os outros povos que se defendem deste império genocida ocidental é que são a grande “ameaça” e que os ocidentais de olhos abertos e princípios dignos são os “extremistas”, “populistas”, “estalinistas”, ou “putinistas”.

      Cansei de vos tolerar. Vocês não são melhores que os imperialistas germânicos dos anos 30 e 40… Quero uma revolução, e quero-vos derrotados e/ou presos! Pelo bem do futuro da humanidade, em nome da verdade, da decência, e de um futuro regime ocidental realmente democrático, com um sistema económico que sirva todos, e uma geopolítica compatível com a convivência pacífica com o resto do Mundo.

      Já nãos tenho paciência para estar com distinções entre o Livre e o Chega, entre o PS e o Svoboda, entre o Passos Coelho e o Trump, entre o PAN e os Azov, entre a IL e o Pinochet, entre o BE e a “Ala Liberal” dos anos 70, entre o Macron e o Salazar, entre A.Costa e S.Bandera, entre Biden e Hitler, etc.
      São todos faces diferentes da mesma moeda. E o resultado da sua principal política: imperialismo genocida ocidental – é sempre o mesmo: a desgraça dos povos não ocidentais ou considerados a cada momento como não fazendo parte do grupo de “povos escolhidos”, “excepcionais”, ou “superiores”, ou do tal “jardim” rodeado pela “selva”.

      Morte ao Nazi-Fascismo!
      Morte ao racismo!
      Morte ao imperialismo!
      Morte ao belicismo!
      Morte ao NeoLiberalismo!
      Morte ao Globalismo!
      Morte ao elitismo anti-popular!
      Morte ao ocidentalismo!
      Morte ao intervencionismo!
      Morte ao USAtlantismo!
      Morte ao €Uropeísmo!
      Morte à “democracia” Liberal!
      E morte a todos os vassalos do império genocida, em particular aos violadores dos valores Constitucionais de 1976 e do Abril de 1974.
      Enquanto este diabo, com várias caras e nomes, estiver vivo, a humanidade está em risco e Portugal não sairá do buraco!

      Força Rússia! Derrota a NATO. Desnazifica o Ucranazistão. Liberta todo o Donbass. Protege a Crimeia. E acaba com a Al-Qaeda em Idlib, e com o ISIS no Sahel.
      Força BRICS. Acelerem a desdolarização e liderem a transição para o Mundo Multipolar.

      PS: a análise do Carlos Branco parece-me prematura e já cheira a cope ocidental: então as armas maravilha (Hinata, Leopardo, Patriota, etc) agora são equipamento desactualizado? Começa a cair a máscara deste comentador residente da CNN…

      A Rússia que tinha capacidade de ir a Kiev, está agora mais forte. Mas é preciso ganhar uma guerra de atrição primeiro, contra o equipamento de toda a NATO, antes da próxima ofensiva que colocará fim ao conflito, que está mais que visto, só acabará com a derrota Clclara de um dos lados, o lado que está a ficar sem equipamento nem pessoal, e cujos donos recusam a paz negociada. E a Rússia tem de o fazer ao mesmo tempo que se prepara para uma guerra em toda a fronteira com a NATO, mesmo que nunca venha a acontecer.

      O tempo dirá se tenho razão, mas o Dniepr é uma excelente fronteira natural, a Transnístria precisa de ligação por terra, e Kiev ainda tem os centros de decisão inteiros… Ainda não viram nada!

      • “Em 1920, os bolcheviques convocaram militantes contra o imperialismo e sugeriram que os socialistas que simpatizavam com o colonialismo deveriam se considerar sortudos por não serem enforcados.”

      • E depois de tanta Morte… Viva o quê?
        É privilégio dos alarves definirem-se pelo que recusam, não pelo que advogam!
        No mínimo, confessar-se órfão soviético, seria algo de perceptível!

        • Aqueles que de si dão notícia não com a palavra mas com os pés, dirigem-se para onde em busca de Vida?
          Para o Ocidente, que os treteiros vilipendiam!

  3. O império americano é que continua sempre nas mesmas maos e nunca muda a sua natureza primeva, destruir para reinar. A lista e longa e está demasiado calor para a estar a escrever toda.
    Tudo porque há recursos que é preciso roubar e a tentação de roubar na Rússia sempre foi muito grande. Desta vez também este império não resistiu a tentação a que sucumbiram mongóis, polacos, suecos, tártaros, turcos, Napoleão e Hitler. Para isso pensaram que seria so fanatizar um povo, pó Los a fantasiar uma ascendência viking, arma Los até aos dentes e juntamente com sanções do Inferno a Rússia cairia aos nossos pés em seis meses, e nós conseguiríamos realizar o sonho que outros ladrões perseguiram antes de nos. A Rússia provavelmente quis assegurar que alguém continuaria vivo no Donbass e que os nazis não voltariam a ameaçar. Porque não há nada na Ucrânia Ocidental, já agora nem na Europa, de que precisem.Um erro de cálculo? Sem dúvida, tinham de lhes ter caído em cima logo em 2015, quando aqueles trastes mostraram o que valiam e ao que estavam dispostos, queimando dezenas de pessoas vivas. Talvez tivessem pensado que não iríamos tão longe. Um engano porque depois da destruição de tantos países começamos a julgar nos impunes e invencíveis. Em especial os trastes do outro lado do mar que, adoram fazer merda a porta da Europa.
    Como nos levamos muito à sério as nossa tarefas quando se trata de destruir, não arrisco prognósticos para este jogo. Por enquanto vou me divertindo com a maneira como justificamos o indefensável. Um pais que quer destruir qualquer vestígio da era soviética mas se quer montar numa decisão desse tempo para reivindicar território que nunca foi seu. Parece que afinal os órfaos soviéticos estão na Ucrânia ocidental. Ironia de um destino cão.
    Quanto a mercenários até gente da Nova Zelândia morreu nas fileiras ucranianas. Desgraçados da África e Médio Oriente foram recrutados para a contra ofensiva deste Verão com promessas de mais fácil cidadania na Europa ou Estados Unidos, para além de salário miserável para os padrões europeus mas com o qual pobres diabos como esses apenas poderiam sonhar nos seus países explorados. Muitos são agora cidadãos da República dos pés juntos.

  4. Não houve erro de cálculo nenhum. A Rússia e os EUA travam batalhas cruciais para a determinação do seu presente e futuro. Existem sim, inimigos difíceis de bater por razões diversas. Nas sociedades actuais não é possível declarar estados de guerra ou de emergência, que possibilitam concentrar esforços para alcançar determinado objectivo, sem que a opinião pública seja primeiramente envolta numa rede lógica de propaganda.
    Os Russos, neste momento, já não têm dúvidas que estão numa luta até à morte contra o império anglo saxónico. Portanto, preparem se que as coisas vão ficar muitos mais sérias e graves do que já estão.

    • …e não terão dúvidas que saíram das suas fronteiras para acontecer essa ameaça.
      E sabem que as empresas do império inimigo saíram das suas fronteiras para que soubessem quanto vale a economia extrativa que é o foco dos seus exploradores.
      Sério e grave será que conheça a vitória o imperialismo russo!

      • Os russos e eu estamos pouco nos marimbando para a sua opinião e para os interesses e propaganda que representa. O poder vai ser redistribuído quer os seus amos queiram ou não. Se você e os seus, querem continuar a roubar o que não vos pertence, o melhor talvez seja começar a pensar escavar um buraco, para ter onde se meter quando as bombas começarem a cair.

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