(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 16/06/2023)

O Estado Novo ensinou-me a desconfiar dos patriotismos exaltados; o “patriota” importado Scolari — que treinava a Selecção enquanto fazia publicidade a uma empresa pública e achava que fazia parte dos costumes fugir aos impostos — deu-me mais um substancial abalo quando conseguiu pôr o país inteiro vestido com as horríveis cores da bandeira a proclamar-se nação valente e imortal. As cerimónias do 10 de Junho acrescentam-me habitualmente mais melancolia à versão oficial da história lusa, com as suas inescapáveis oportunidades de grandiloquentes discursos patrióticos. Imagino que seja assim um pouco por todo o lado, nos respectivos dias nacionais, mas duvido que algures se abuse tanto da invocação de um passado secular e grandioso por mares nunca de antes navegados ou coisa semelhante. Não que eu próprio não sinta orgulho nesse passado, porque sinto, e sem complexos neocoloniais — tudo visto localmente, tudo revisto nos livros e mesmo muito não podendo ser esquecido ou perdoado. Mas, simplesmente, já é tempo de deixarmos de viver à conta do fado das Descobertas, como fazia o Estado Novo, e percebermos que, tal como reza a anedota, nós não somos descendentes directos dos que partiram mas dos que ficaram.
Assim, quando leio que neste 10 de Junho, na Régua, após os seus banhos de selfies, o Presidente Marcelfie dirigiu-se à pátria e, perante o sentido aplauso do povo, disse coisas tão profundas como “todos os 10 de Junho sabemos que, por entre alegrias e tristezas, estamos a fazer Portugal” ou “somos dez milhões cá dentro mas valemos muito mais”, regressa-me este mal-estar que não sei se é um défice de patriotismo ou um excesso de cinismo. Porque eu, de verdade, não sei o que seja fazer Portugal nem entendo porque haveremos de achar que valemos mais do que valemos. A tal ridícula ideia de “fazer Portugal” aplica-se a quem: às poucas ilhas de excelência que conseguem inovar e fazer para além da mesquinhez resignada e eternamente insatisfeita ou àqueles que não vivem sem o favor, o subsídio, o apoio do Estado? Aos que podendo ser facilmente grandes cá dentro não têm medo de ser iguais aos melhores lá fora ou aos que preferem viver no conforto de serem os melhores da sua rua, infalíveis no auto-elogio e na cobrança à ingrata pátria onde se acolhem?
Remeto para a sondagem ao estado de espírito dos portugueses publicada na última edição do Expresso. Sem nenhuma surpresa, constatei que os portugueses se declaram largamente insatisfeitos. Com tudo: o país, o Governo, a economia, as instituições. Não confiam em nada nem ninguém, com excepção de alguma condescendência para com o Presidente das selfies e as Forças Armadas — o sector que o Presidente excluiu do rol de “ramos mortos” que é preciso cortar da árvore pátria, muito embora o que não faltem lá sejam escândalos de toda a ordem, com indisciplina, dinheiros desaparecidos, material desbaratado, armas roubadas. Ou seja, a fazer fé no que dizem, os portugueses não gostam do país que têm. E a culpa, já se sabe, é sempre “deles” — essa entidade difusa que quase sempre remete para o governo em funções, inevitavelmente formado por oportunistas e corruptos, mas que se estende a toda a classe política e quem quer que tenha poder. Se, num dia de semana e em horário de trabalho, encontramos um grupo de amigos com ar saudável e longe da idade de reforma, sentados num café a beber mínis, e lhes perguntamos como vai a vida e o país, é certo que desatarão a queixar-se de tudo e “deles” lá em cima. Porque, aparentemente, Portugal seria maravilhoso se ninguém o governasse e todas as reivindicações de cada grupo de interesses fosse satisfeito sem mais. Por isso, exercer a crítica política construtiva, denunciar e condenar os verdadeiros casos de corrupção, de tráfico de influências, de oportunismo político, é caminhar sobre gelo fino: porque cada um que cai, justamente condenado na opinião pública e nos tribunais, serve imediatamente para alimentar a tese de que “são todos iguais”. E não é inocentemente que essa “verdade” é estrategicamente soprada ao bom povo por quem espera vê-la ganhar caminho aos poucos até se transformar num incêndio que possa devorar a democracia.
E é aqui que entra em jogo o papel do Presidente da República. Trata-se da mais subtil e delicada função institucional do nosso sistema democrático: bem exercida, é utilíssima e pode mesmo ser imprescindível; mal exercida, pode tornar-se perigosa. Espartilhado entre um papel por vezes apenas decorativo, outras vezes ameaçador, de quem detém o poder nuclear, o Presidente é um homem solitário por função, sempre em busca de um caminho e de uma assinatura que façam sentido. Excluído dos riscos e dos sarilhos da governação, a salvo das guerrilhas diárias, a menos que as procure, facilmente o Presidente goza de uma popularidade acima de todos “eles”, a qual poderá usar bem ou mal, facilitando a vida “deles” ou tornando-a infernal. Sobre os Presidentes que temos tido em democracia, são sabidas duas coisas: que todos buscam um segundo mandato, mesmo que insinuem não o querer; e que todos fazem um segundo mandato diferente do primeiro. No primeiro, tratam de estabelecer um estilo, tão popular e familiar quanto possível, mostrando-se ao país e ao povo próximos, atentos e preocupados, mas deixando o Governo em paz, a menos que seja este a enfiar-se em atoleiros sem solução. No segundo mandato, porém, os Presidentes começam aos poucos a mostrar os dentes, ou porque estão fartos do seu papel secundário, ou porque querem deixar uma marca, ou porque se prestam a servir o partido de onde vêm. No lugar onde estão e próximos do fim da sua vida política, os Presidentes podiam aproveitar os segundos mandatos para convocar o país e os decisores a pensar no futuro e nas grandes questões que o país terá de enfrentar, desligando-se momentaneamente das querelas do dia-a-dia. Mas se algumas vezes isso é referido de passagem e de forma vaga em discursos ao vento, no essencial o que temos visto é eles a deixarem-se arrastar pela política partidária, seguramente a menos nobre das suas funções.
Marcelo caminha a passos largos para não ser excepção à regra. No estilo, ficou refém de um hiperprotagonismo que só a ele não cansa e que só ele parece não ver o quanto desgasta e descredibiliza a sua função e cada intervenção que faz.
É absolutamente surreal que em cada encontro de rua com populares ou jornalistas — alguns dos quais forçados por ele próprio — Marcelo se dedique a elaborar sobre a dissolução da Assembleia, a queda do Governo ou a demissão de ministros, como se estivesse a jogar “Monopólio”. É doentia e desagradável de ver a sua obsessão com a popularidade, oferecendo-se como Presidente Marcelfie a cada ajuntamento de mais de duas pessoas, mesmo quando à sua frente caminha o primeiro-ministro a ser insultado pelos mesmos populares: Ramalho Eanes ou Mário Soares não o teriam feito.
Mas é sobretudo no indispensável combate ao populismo e à demagogia — de que ele não pode de forma alguma ausentar-se — que eu o vejo a passar ao largo da sua obrigação neste segundo mandato. Ele, que tão bem soube, no primeiro mandato, aproveitar a popularidade de que dispunha, para silenciar os populismos antidemocráticos, agora não entende que esta é a hora de usar a autoridade que lhe advém do cargo para voltar a silenciá-los. Pelo contrário: sabendo ele que há muitos que confundem o estado da democracia com o estado da economia e com o seu próprio bem-estar, e que lhes é indiferente que haja uma epidemia planetária ou uma guerra na Europa que tudo condicione, olhar para os bons indicadores da conjuntura económica e dizer e repetir que “boa economia não é sinónimo de boa política”, pretende o quê, a não ser fornecer novos argumentos para a declarada e militante insatisfação geral? Alimentar simpatias para com reivindicações profissionais e sindicais que sabe não serem financeiramente comportáveis pretende o quê, a não ser minar o campo de batalha onde está o Governo e ele não tem de estar? Falar da “riqueza” do país, sabendo que não somos e nunca fomos um país rico e que só deixando de acreditar que existe um Estado rico num país que o não é que a todos poderá assistir é que poderemos avançar, destina-se a quê a não ser perpetuar as ilusões e as insatisfações? Talvez não seja de exigir a Marcelo que tenha a coragem de repetir a célebre frase de Kennedy, que tão bem caracteriza os países que se fazem de baixo para cima — (“Não perguntes o que o teu país pode fazer por ti; pergunta o que podes tu fazer pelo teu país.”) — mas, pelo menos, que tenha a coragem de não cavalgar as sondagens sobre os impossíveis que os portugueses gostariam de ouvir. Que escolha o caminho mais difícil e pedagógico. O da verdade, talvez. Que não valemos mais do que aquilo que valemos e que não pode ser sempre e só por culpa “deles” que, com tantas ajudas e tão poucas catástrofes comparados com tantos outros, vamos ficando sempre para trás.
Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
Portugal precisaria de um PR que fosse a a sua alma.
O Sr, que ocupa, presentemente, O Palácio de Belém – não é por acaso que digo, ocupa – é o elefante no meio da sala.
E o mais grave, é que ele não se dá conta do que anda a espalhar por aí!…
O orgulho de todos é a acção de alguns: pensando, agindo, dirigindo.
Há 50 anos a promover um qualquer colectivo, em que sempre se escamoteia ou busca dissolver a valia individual, o orgulho aparece como dirigido desde a arruaça à anormalidade, chegando esta a ser representada por ‘+’.
Os valores cuja consecução acreditam o orgulho sempre requerem indivíduos que se reconheçam como seus representantes; mas como do mesmo passo haverá que reconhecer quem os não representem, logo a cambada grita que a democracia é ofendida !
Simples mas objetivo. Como sempre excelente.
Ai, Miguelito, Miguelito, só tu tens direito a escolher “as poucas ilhas de excelência que conseguem inovar e fazer para além da mesquinhez resignada e eternamente insatisfeita”, se mais alguém o faz, ou pior, com alvos diferentes, passa a ser um “deles”, mas é completamente diferente porque o Miguelito!
Segunda nota, se um país da eurolândia não é um país rico, por muito que se comporte como pobre, a humanidade vai mesmo mal.
E por último, que o defunto não merece mais, quando Kennedy o disse, tinha ideias e um projecto de futuro, não um empobrecimento porque nos mandam à espera que nos mijem qualquer coisa em cima. Se nada de bom é possível, vai pedir à tua mãezinha, que não há pachorra para a sobranceria desta quantidade de privilégio.
Vou tentar dar a minha opinião para “ajudar” a compreender melhor o nosso tempo e o fim da “política”.
Estes são, no entanto, assuntos exemplares que demonstram a falência das “elites política ” de que se fala.
O que é interessante e seria interessante analisar é que as elites e os dirigentes do desarranjo burguês (a minha própria designação deste fenómeno) que atinge os membros da elite que atingiram o topo da pirâmide, subitamente tomados por um terror existencial. É um dos temas do incrível romance de Robert Musil, O Homem sem Qualidade. Alain Soral fala muito bem deste problema, e é mesmo o seu romance preferido. Recomendo particularmente o seu curso de sociologia profunda, no qual evoca o fenómeno de forma brilhante (se a memória não me falha). há muito que compreenderam a necessidade de diluir as responsabilidades para continuarem a esconder-se sempre atrás de uma instituição, de um tratado ou de qualquer outra coisa que não a sua própria pessoa. E o que é interessante é que, durante os prostestos dos professores, aconteceu o mesmo na base, não queriam alguém a mandar, um representante ou um líder… E, a partir desta situação, as elites dominantes perderam o seu caminho…
Eles fazem escolhas deliberadas para seu próprio benefício. Estão fora de contacto com o povo e há muito que juraram fidelidade aos Estados Unidos. São vassalos e comportam-se como tal.
É evidente que a permanência na UE significa o fim de Portugal. O futuro está mesmo em canais oficiais de comunicação cheios de tretas.
Este é o desarranjo burguês (a minha própria designação deste fenómeno) que atinge os membros da elite política que atingiram o topo da pirâmide, subitamente tomados por um terror existencial. É um dos temas do incrível romance de Robert Musil, O Homem sem Qualidade. Alain Soral fala muito bem deste problema, e é mesmo o seu romance preferido. Recomendo particularmente o seu curso de sociologia profunda, no qual evoca o fenómeno de forma brilhante (se a memória não me falha).
Os nossos políticos enganaram-nos quanto a uma UE positiva para o futuro. Em vez disso, arruinou as nossas vidas a nível económico, humano e social.
A construção europeia é o encontro entre o Tribunal dos Milagres (Europa Ocidental) e os membros do Templo Solar (Europa de Leste). Só pode acabar mal!
O dinheiro transformou-se em papel, não pensemos que ao juntarmos tudo de uma vez podemos ficar ricos. Isso só vai criar inflação. O que precisa de ser invertido é a relação entre o poder público e o poder privado. A política deve retomar o direito e o poder e reconstruir as economias definanciarizadas. Precisamos de economias sem financiamento de mercado.
“É sempre mais fácil fazer a guerra do que resolver os problemas”. De facto, este é um princípio sempre difícil de integrar para as mentes não Belicistas, mas um caminho de vida vale outro… “para um guerreiro, o mistério do ser é infinito” Nas nossas sociedades materialistas, para os DOMINANTES, a vida dos DOMINADOS continua a ser irrisória. Temos de admitir que o caminho da evolução parece inacessível.
O que sempre me surpreende é que os Portugueses não se apercebem que este é o eixo bem representado pelo Five Eyes , aquilo a que eu chamo o premacismo anglo-saxónico (isto é, os Estados Unidos, o Reino Unido, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia) controlando o que eles consideram ser os seus vassalos com conivência desde, pelo menos, o fim da Segunda Guerra Mundial… Mas Portugal não faz parte do festim.
Não se trata apenas de uma questão de dominação política e financeira, mas também de dominação cultural, através da omnipresença de conteúdos que veiculam as formas de ver e de ser altamente individualistas da cultura anglo-americana, desde o culto do “self-made man” até à promoção de uma identidade fragmentada em sabores individuais, expressa pelo wokismo, pela “cultura do cancelamento” e outras atitudes semelhantes. A investida de exigências de pensamento direto do supremacismo anglófono está agora a infetar as elites Portuguesas por puro mimetismo.
Regressamos para a MISÉRIA DO POVO!
O mal absoluto do nosso tempo são os multimilionários que criam monopólios, destroem o capitalismo impedindo a concorrência e subornam os governos para evitar impostos e restrições legais. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos no final do século XIX e no início do século XX. Os multimilionários da época eram Vanderbilt (caminhos-de-ferro), Rockefeller (petróleo), Carnegie (aço), J.P. Morgan (banca) e Thomas Edison (eletricidade, entre outros). Os seus monopólios permitiam-lhes fixar os preços e empobrecer as massas que exigiam condições de vida mais humanas, mas sem sucesso, apesar das greves e revoltas que foram reprimidas com derramamento de sangue. Entre eles, Morgan, Carnegie e Rockefeller representavam mil biliões de dólares numa América onde 90% da população vivia com um rendimento inferior a 100 dólares por mês.
Para evitar ter o governo americano contra eles, quando se aproximavam as eleições de 1896 e o candidato democrata, William Bryan, prometia reformas, formaram uma coligação (diríamos agora uma conspiração) dotada de vários milhões de dólares para fazer eleger o seu homem para presidente. Esse homem era William McKinley. Corromperam a imprensa e ameaçaram os seus empregados com o despedimento se Bryan fosse eleito; o voto não era secreto, pelo que a ameaça foi eficaz. McKinley foi eleito, claro, e tudo ficou na mesma. Os bilionários ficaram ainda mais ricos. Para além das suas actividades bancárias, J.P. Morgan criou a US STEEL, que se tornou a maior empresa siderúrgica dos EUA. Nos quatro anos seguintes, um jovem político republicano, Theodore Roosevelt, tornou-se governador do Estado de Nova Iorque e começou a regular os monopólios. Nas eleições federais de 1900, os bilionários retomaram as suas manobras, mas sem conseguirem corromper Teddy Roosevelt; assim, para o neutralizar, foi-lhe oferecido o cargo de vice-presidente, que era mais honorário do que real. Nas eleições de 1900, McKinley foi reeleito, mas em 1901 Leon Frank Czolgosz, um operário despedido por J.P. Morgan aquando da criação da U.S.STEEL, disparou contra McKinley, que morreu oito dias depois. O vice-presidente reformista, Teddy Roosevelt, tornou-se presidente. Um pesadelo para os bilionários. Apesar das manobras destes tiranos, começou uma guerra impiedosa e, após vários processos judiciais de grande importância, os monopólios foram desmembrados. Se não fosse esta situação imprevisível e única, não teria havido classe média, nem nos Estados Unidos nem noutros países, e o apetite destes ogros teria sido infinito.
Atualmente, os herdeiros destes tiranos – Bill Gates, George Soros, Jeff Bezos, Warren Buffet, Elon Musk, Mark Zuckerberg e a clique de Davos – aprenderam a lição. Corromperam todos os meios de comunicação social dominantes, tornando-se seus proprietários, corromperam todos os partidos políticos e sindicatos e neutralizaram todos os potenciais opositores. Nada impede agora a sua vontade de pilhar as empresas estabelecidas através da uberização, do roubo dos recursos nacionais e internacionais, do roubo das poupanças através da especulação bolsista e da inflação galopante, etc. Quem será o próximo Teddy Roosevelt? Será necessário outro Leon Frank Czolgosz para libertar os povos vítimas destes demónios insaciáveis? E nós faremos de conta que a história não se repete.
ESTE TEXTO FOI ESCRITO ANTES DO INÍCIO DA GUERRA NA UCRÂNIA. DAQUI SE CONCLUI QUE O SISTEMA MONOPOLISTA ANGLO-AMERICANO SERÁ DESTRUÍDO NÃO PELO RECURSO AOS TRIBUNAIS AMERICANOS, QUE SÃO TOTALMENTE SUBMISSOS, MAS PELA EMERGÊNCIA DA NOVA POTÊNCIA DA RÚSSIA E DA CHINA, CUJO CAPITALISMO É MUITO DIFERENTE DO CAPITALISMO ANGLO-AMERICANO. ESTÁ A SURGIR UMA NOVA ORDEM MUNDIAL EM QUE OS ANGLO-AMERICANOS JÁ NÃO SERÃO DOMINANTES.